Infelizmente em nossos dias temos visto a Bíblia sendo usada para todos os gostos. É óbvio que, se a Bíblia tem de se harmonizar com quaisquer pontos de vista religiosos, ela tem de ser reinterpretada. Sempre ouvimos as pessoas dizerem: esta é a sua interpretação. A impressão que se tem é que a Palavra de Deus pode ser facilmente despojada de seu significado real e literal, e tornada compatível com qualquer ponto de vista.
Muitos escolheram negar certos fatos verídicos somente para fazer com que os relatos se conformassem com sua incredulidade. A Bíblia não é só um livro que possa ser interpretado de qualquer maneira que se escolha. Ela jamais pode satisfazer idéias e argumentos sem antes obedecer regras de hermenêutica (a interpretação correta da Bíblia) e/ou de exegese (a interpretação do texto sagrado). A Bíblia nunca pode ser ajustada ao gosto alheio. Imagine a bagunça que seria, se cada um de nós pudesse adaptar ao texto bíblico as nossas inclinações. O apóstolo Pedro na sua segunda epístola, nos alerta sobre os falsos mestres que interpretam as escrituras de forma particular, ensinando heresias usando, sobretudo, a falta de entendimento dos incautos diante de passagens profundas (II Pedro 1.20:3.16). Esses falsos ensinadores acabam incorporando na Bíblia novas doutrinas por conveniência. ¹
Antes de considerar algo como doutrina evangélica, devese primeiro observar algumas regras de interpretação bíblica mundialmente reconhecidas como: porque foi escrito; para quem foi escrito; em que época foi escrito, quem é o autor, os usos e costumes contemporâneos; a etimologia, o contexto, seu significado à luz das línguas originais; as circunstâncias políticas, religiosas e geográficas da época; o significado de sua linguagem simbólica; como se aplica nos dias de hoje, etc. esses métodos são teologicamente conhecidos como baixa crítica (ou crítica textual) e alta crítica (ou crítica histórica).
É pelo rigor do escrutínio que se conhece o que é doutrina e o que é heresia. Quando determinada afirmação consegue passar por essas regras (que são só algumas) de hermenêutica, passa a ser doutrina, pois afirmar o que a Bíblia não diz, é de fato, heresia. A Bíblia interpretada corretamente é a Palavra de Deus, de outra forma, é a palavra de quem a lê. Usando o método morfológico chegamos ao conhecimento da verdade. Muitas igrejas evangélicas sofreram confusão (e algumas ainda sofrem) por não obedecerem regras simples, porém, fundamentais de interpretação bíblica. Por exemplo: qualquer referência tirada do Antigo Testamento, para receber valor doutrinário, deve ser reforçada com pelo menos outra do novo paralela. E qualquer referência do Novo Testamento para se tornar uma afirmação verdadeira, tem que ser apoiada com outra similar do próprio Novo Testamento, com exceção daquilo que sai da boca de Deus ou dos lábios do próprio Senhor Jesus, pois eles são soberanos, diferentes dos seres humanos suscetíveis a erros, por isso suas
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afirmações são inquestionáveis e indiscutíveis. Sendo assim, a Bíblia se interpreta com a própria Bíblia.
Hoje, denominações sérias e com uma história maravilhosa de fé, estão permitindo absurdos por estarem aquém (pelo menos em alguns pontos) da verdadeira e única interpretação. Foi através da Reforma Protestante desencadeada por Lutero no século XVI, que os cristãos conquistaram o direito de interpretar as Escrituras Sagradas sem o cabresto de uma liderança religiosa. Todavia, ao proporem a liberdade individual de interpretar a Bíblia, os reformadores acabaram provocando uma confusão doutrinária. Pôr a Bíblia nas mãos do povo tornou-se algo perigoso demais, pois anos mais tarde o aumento acelerado das seitas provou ser a consequência dessa liberdade. Então para coibir o avanço desenfreado das seitas e heresias, nos séculos XVIII e XIX, nas universidades alemãs, foram aplicados na Bíblia métodos de investigação e de análise que os estudiosos haviam desenvolvido para reconstruir o passado. Historiadores e arqueólogos procuraram descobrir a data de cada livro, seu autor, seu propósito, os característicos do estilo e da linguagem, quais as fontes originais dos documentos bíblicos e sua autenticidade e qual o significado e o fundo histórico de cada um deles. A este movimento deu-se o nome de Alta Crítica, como já dissemos ibidem.
A Baixa Crítica, por seu turno, é a que se ocupa do estudo do texto em si. Observa os manuscritos existentes para estabelecer qual o texto mais aproximado do original. Suas investigações têm deixado textos muito exatos e dignos de confiança.²
A crítica bíblica (Alta e Baixa) é na verdade um julgamento imparcial que prova através de investigações científicas, que as Escrituras são dignas de credibilidade. Provar a autenticidade da Palavra de Deus não é pecado. Pecado é não conseguir provar a sua fé diante dos inquiridores. O apóstolo Paulo, o maior teólogo do cristianismo, manda: Andai com sabedoria para com os que estão de fora… para que saibais como vos convém responder a cada um(Colossenses 4.5,6) (ARC). Pedro, de igual modo, recomenda que estejamos sempre preparados para explicar o motivo da nossa fé (I Pedro 3.15; cf.1.7).
Interpretar a Bíblia observando regras de hermenêutica, é usar métodos confiáveis de explicação. Com essa iniciativa, os alemães provavelmente estavam querendo arrumar uma forma de corrigir o erro que cometeram na Reforma.
O princípio apresentado por eles, afirma que há uma verdade objetiva nos livros sagrados. Isso quer dizer que, quando lemos um determinado texto, podemos entendê-la a nossa maneira, mas a verdade nele contida não depende de nossa interpretação. Ou seja, um texto não deixa de transmitir a mensagem que seu hagiógrafo pretendeu só porque gostaríamos que ele significasse outra coisa. Quem lê a Palavra de Deus pode encontrar diversas aplicações para um certo texto, mas deve achar apenas uma única interpretação. Deus não concede a ninguém o direito de alterar o significado das Escrituras. Essa ciência de entender e interpretar corretamente a Bíblia chama-se hermenêutica. Quando se violam regras de hermenêutica, consiste numa gravidade que gera erros e heresias.
Pela falta de fidelidade hermenêutica, muitos textos sagrados são lidos e geralmente distorcidos para se moldarem a doutrina de uma denominação.³
Enquanto a exegese consiste em extrair o significado de um texto qualquer, mediante legítimos métodos de interpretação; a eisegese consiste em introduzir num texto,
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alguma coisa que o intérprete quer que esteja ali, mas que na realidade não faz parte dele. em última análise, quem usa a eisegese força o texto mediante várias manipulações, fazendo com que uma passagem diga o que na verdade não se acha lá. Destarte, na eisegese o autor é banido. O eisegético ignora também o contexto, isto é, o que vem antes e depois do texto em epígrafe. Conscientemente força as Sagradas Escrituras a conformar-se com sua ideologia. O leitor (e não o autor) é quem determina o significa-do, parafraseando ou interpolando um texto que deveria ser intocável em sua essência.4
Assim, devemos aprender do apóstolo Paulo a jamais ir além do que está escrito na Bíblia Sagrada (I Coríntios 4.6). Por isso que ele elogiou os bereanos por confrontarem seus ensinamentos com a Bíblia (Atos 17.11). A verdadeira interpretação, todavia, deve sempre ter o auxílio do Espírito Santo através da oração (Salmos 73.16,17;119.18; Lucas 24.45;I Coríntios 2. 10).
Foi por isso que, ao longo dos séculos, a Bíblia sofreu mais na boca dos seus pregadores do que nas mãos de seus opositores, devi¬do ao uso de métodos equivocados no seu estudo e interpretação. As palavras da Bíblia, interpretadas no sentido original, são palavras de Deus. Porém, interpretadas segundo a nossa vontade, podem tornarse perigosas. Portanto, quando estudarmos a Palavra de Deus, a deixemos falar por si mesma, sem acrescentar ou subtrair nada. Que a Bíblia seja o seu próprio comentário. Permita comparar Escritura com Escritura.5
(1) Cristo Entre Outros Deuses, Erwin E. Lutzer, ed. cpad, RJ, 2000
(2) O Pentateuco, Paul Hoff, ed. vida, SP, 82 impressão, 1997, p. 245
(3) É Proibido, Ricardo Gondim, ed. Mundo Cristão, SP, 12 edição, 1998, p. 82
(4) Hermenêutica, Esdras Costa Bentho, ed. cpad, RJ, 12 edição, 2003, pp. 66-70
(5) Como Estudar e Interpretar a Bíblia, Raimundo de Oliveira, ed. cpad, RJ, 102 edição, 2002, comentário de capa