“Subiu o Anjo do Senhor de Gilgal a Boquim e disse: Do Egito vos fiz subir e vos trouxe à terra que, sob juramento, havia prometido a vossos pais. Eu disse: nunca invalidarei a minha aliança convosco.
Vós, porém, não fareis aliança com os moradores desta terra; antes, derribareis os seus altares; contudo, não obedecestes à minha voz. Que é isso que fizestes?
Pelo que também eu disse: não os expulsarei de diante de vós; antes, vos serão por adversários, e os seus deuses vos serão laços.
Sucedeu que, falando o Anjo do Senhor estas palavras a todos os filhos de Israel, levantou o povo a sua voz e chorou.
Daí, chamarem a esse lugar Boquim; e sacrificaram ali ao Senhor.” (Juízes 2.1-5)
Admiramos a condescendência de Jeová para com o seu povo escolhido de Israel, em que ele tenha levantado profetas para instruí-los, e não raro enviou anjos também para ministrar-lhes. Mas a pessoa que é aqui chamada de “anjo do Senhor”, parece ter sido ninguém menos que o “Anjo do Pacto”, o Próprio Senhor. É certo que o Senhor assumiu algumas vezes a aparência de um anjo; como quando visitou Abraão, e lhe informou sobre os juízos que estava prestes a derramar sobre Sodoma e Gomorra. E, é evidente que a pessoa referida em nosso texto não era um anjo criado, pois se fosse, como poderia usar com propriedade esse tipo de linguagem?
Não foi uma criatura que tirou os israelitas do Egito, mas o Senhor. Não foi uma criatura que fez um pacto com eles, mas o Senhor. Não foi por uma criatura que eles foram responsabilizados por sua desobediência, ou ameaçados do abandono que eles tinham motivo para lamentar, mas o Senhor; e a circunstância de ser dito que ele veio de Gilgal, deve ser considerado que foi em Gilgal, perto de Jericó, que essa mesma pessoa divina apareceu a Josué, como um guerreiro armado.
Que ele era o Senhor, não se pode duvidar, porque ele constrangeu Josué a adorá-lo, e até mesmo lhe ordenou a retirar as sandálias de seus pés, porque era santo o local em que se encontrava, em razão de sua presença. Em sua conversa com Josué tinha chamado a si mesmo de “Príncipe do exército do Senhor”, e, portanto, houve uma razão especial na sua vinda agora para o povo, para perguntar: por que eles não haviam cumprido suas ordens? E lhes ameaçou que não iria lutar por eles. Além disso, em Gilgal o povo reviveu a ordenança da circuncisão, e havia celebrado a Páscoa do Senhor, em ambas ordenanças que haviam se consagrado a Deus novamente, e se compromissado em servi-lo, como o seu povo redimido. Em vindo, portanto, a partir de Gilgal, o Anjo lhes lembrou de seus compromissos solenes, e lhes humilhou pela sua violação deles.
O modo como o Senhor agiu com eles, e o efeito que isto produziu sobre eles, leva-nos a considerar,
I. O perigo da indecisão
O mandamento que Deus tinha dado a Israel era claro e expressivo: eles deveriam lutar (e assim também nós, contra os principados e potestades espirituais) e deveriam destruir totalmente os cananeus, e não fazer qualquer aliança com eles (o que tipificava a nossa vitória e separação completa das obras de Satanás – nota do tradutor); mas a desobediência deles fez com que fosse suspensa a continuidade da interposição de Deus em seu favor. Eles não tiveram o cuidado de executar a ordem divina; e, portanto, Deus lhes ameaçou, dizendo que os cananeus, a quem eles estavam se aliançando, se tornariam uma fonte duradoura de dores para eles, pois iriam gradualmente atraí-los ao pecado, e finalmente se tornariam instrumentos para lhes infligir a vingança que tinham merecido.
(De igual modo, quando cristãos fazem aliança com o mundo e com o Inimigo por motivo de temor deles ou por negligência, são por fim pisados por eles como o sal que se joga fora por ter perdido o seu sabor – nota do tradutor).
Esse é o pecado que o povo Deus ainda comete.
A ordenança para cada um de nós é que não façamos aliança com qualquer um dos nossos inimigos espirituais; não com o mundo: ao contrário, devemos “vencê-lo” por termos sido separados do mesmo, e estarmos mortos para todos os seus cuidados e prazeres, estando crucificados para ele, e estimando-o como estando crucificado para nós; “não somos do mundo” tanto quanto Jesus não era dele. No que diz respeito à carne (nossa natureza corrupta), nenhuma trégua deve ser feita com ela, mesmo que por um momento; devemos mortificar nossos membros sobre a terra, e crucificar a carne com as suas paixões e concupiscências; não devemos poupar um só desejo mau, embora ele seja querido a nós como “um olho direito”, ou útil como “a mão direita”; devemos arrancá-lo com aversão, ou cortá-lo e lançá-lo de nós.
Mas o que é o nosso estado? Encontramos em nós mesmos este zelo?
Em vez de prosseguir para a extirpação total dos nossos inimigos espirituais, ficamos satisfeitos, se eles não reinarem? Não ficamos contentes em deixá-los existir, desde que se mantenham escondidos da vista do público? Qual é então a declaração de Deus para nós? Será que ele não nos avisará, que os males que poupamos devem se tornar como espinhos em nossos olhos, e uma armadilha para nossas almas? E nós não achamos que isto é mesmo assim, em nossa experiência diária? Deixe a pessoa que ainda se associa com homens mundanos, dizer, se ela não acha que eles são uma obstrução para ela em seu curso espiritual? se seus esforços para agradá-los, não a leva, por vezes, em conformidades pecaminosas, e seu medo de desagradar-lhes não conduz a se guardar de testemunhar contra seus maus caminhos?
Alguém dirá que ele considerou viável para a luz ter comunhão com as trevas, ou entre Cristo e Belial, ou que a alma pode florescer enquanto ela está envolvida numa tentativa tão tola como a de reconciliar os serviços de Deus e Mamon? Deixe a pessoa que está ainda muito profundamente imersa nos cuidados ou prazeres do mundo, dizer, se muitas vezes não tem sido levada a reprimir sua consciência, a fim de perseguir seus fins, e adotar algumas práticas que em seu coração ela reprova?
Deixe a pessoa que abriga algum pecado que nos assedia, perguntar, se não tem muitas vezes se levantado com uma força que era quase irresistível, e, senão completamente, lhe envolvendo em algum transgressão flagrante? Deixe a pessoa em quem o orgulho, ou lascívia, ou cobiça, ou paixão, a dominam, responder a esta pergunta que ela conhece muito pouco de seu próprio coração, que não sabe que o pecado é uma chama, que, se não for extinta, pode rapidamente incendiar toda a sua natureza. Por último, deixe a pessoa que ouve as tentações de Satanás, dizer, se há alguma maneira de fazê-lo fugir, senão pela resistência permanente?
Se tal , então, é o perigo de indecisão, vamos considerar,
II. O dever daqueles que estão convencidos disto
Duas coisas foram produzidas pelas declarações do Anjo no seio de toda a congregação de Israel, que também a nossa própria experiência exige; ou seja,
1. Uma humilhação de alma diante de Deus
O povo ” levantou a sua voz e chorou.” E quem entre nós não tem razão de sobra para seguir seu exemplo?
Se considerarmos o nosso pecado ou nosso castigo, temos muito motivo para chorar. A indecisão não é um pecado tão leve como alguns imaginam; ela revela uma insinceridade de coração, que é muito odiosa em si mesma, e muito ofensiva a Deus. Veja na luz em que os israelitas viram isto, quando uma vez a convicção entrou em suas mentes! e não é o ato de poupar inveteradas cobiças tão mau quanto poupar os cananeus?
Isto não é igual à falta de reverência a Deus, de amor ao seu nome, e de zelo pela sua honra? Eis então o que é o dever de cada um entre nós: “Afligi-vos, lamentai e chorai. Converta-se o vosso riso em pranto, e a vossa alegria, em tristeza. Humilhai-vos na presença do Senhor, e ele vos exaltará.” (Tg 4.9,10); porque uma sujeição ao pecado é o maior mal que pode nos acontecer. Se Deus uma vez disser: “Ele está entregue aos ídolos; deixe-o sozinho,” seria um julgamento mais pesado para nós do que a morte imediata e a condenação imediata, porque viveríamos somente para ” entesourar ira para o dia da ira”, e pereceríamos finalmente sob um peso de miséria acumulado por toda a eternidade. Oh que o medo de tal punição possa nos humilhar no pó e nas cinzas!
2. Uma aplicação a Deus por meio de sacrifício
“Eles sacrificaram ali ao Senhor”, e recorreram ao sangue da aspersão, para remissão de seus pecados.
Embora seu choro fosse geral, e muito amargo, de modo que o nome daquele lugar, que era Shiloh, foi chamado de Boquim, ou Chorões, ainda que não esperassem pacificar e satisfazer a justiça do seu Deus ofendido com lágrimas; eles sabiam que a expiação era necessária, e a procuraram no modo apontado. Oh, que possamos aprender com eles! A humilhação é necessária, mas não é suficiente; as lágrimas, mesmo se pudéssemos lançar rios delas, nunca poderiam lavar o pecado; o sangue da expiação é necessário, “sem derramamento de sangue não há remissão.”
Devemos buscar ao Senhor Jesus Cristo, e “ir a Deus por meio dele.” Devemos reconhecer a nossa necessidade de seu sacrifício por toda a misericórdia e paciência que já temos experimentado, e devemos olhar para ele como o único meio de nossa reconciliação com Deus. É o seu sangue, e seu sangue somente que pode purificar-nos de nosso pecado – E aqui eu particularmente lembro que o pecado colocado na conta de Israel , não era de comissão, mas de omissão; não alguma enormidade flagrante, mas uma mornidão e negligência do dever; e ainda assim eles viram a necessidade de um sacrifício para expiá-lo. Da mesma forma, embora não tivéssemos nenhuma culpa imputada a nós, senão omissão e falha, ainda devemos recorrer ao sangue da aspersão, e buscar perdão através do único sacrifício oferecido uma vez por todas, para nós.
Texto de Charles Simeon, em domínio público, traduzido e adaptado pelo Pr Silvio Dutra.