II. Agora, observem em segundo lugar que nosso Senhor declarou ser este reino o objetivo principal da sua vida.
“Para isso nasci e para isto vim ao mundo.”
A razão pela qual nasceu da virgem foi para estabelecer Seu reino. Era necessário que nascesse para ser rei dos homens. Ele sempre foi o Senhor de todos e não precisava ter nascido para ser um rei, nesse sentido, mas para ser rei por meio do poder da Verdade era essencial que nascesse em nossa natureza.
Por que isso? Eu respondo: primeiro, porque parece pouco natural que um governante deve ser alheio à natureza das pessoas sobre as quais ele governa. Um rei angelical dos homens seria inadequado. Não poderia existir a simpatia que é o cimento de um império espiritual. Jesus, para que pudesse governar pela força do amor e da verdade, tornou-se da mesma natureza da humanidade. Foi um homem entre os homens, um homem real, mas um homem verdadeiramente nobre e de condição régia, e assim, um rei dos homens. Mas, além disso, o Senhor nasceu para que pudesse salvar o seu povo. Os súditos são essenciais a um reino, um homem não pode ser rei, se não tiver ninguém a quem governar.
Todos os homens teriam morrido por causa do pecado se Cristo não tivesse nascido e vindo ao mundo para nos salvar. Seu nascimento foi um passo necessário para a Sua morte redentora – Sua Encarnação foi necessário para a Expiação. Além disso, a verdade nunca exerce tanto poder como quando se encarna. A verdade falada pode ser derrotada, mas a verdade que opera na vida de um homem é onipotente por meio do Espírito de Deus. Agora Cristo não se limitou a falar a verdade, senão que Ele é a Verdade. Se a verdade tivesse encarnado em uma forma angelical, teria possuído pouco poder sobre nossos corações e vidas. Mas a Verdade perfeita em uma forma humana tem um régio poder sobre a humanidade regenerada. A Verdade vinda em carne e sangue tem poder sobre a carne e sangue e, portanto, ele nasceu para este propósito.
Então, quando vocês ouvirem os sinos tocando no Natal, pensem na razão pela qual Jesus nasceu! Não pensem que veio para enfeitar suas mesas e encher seus cálices em suas festas. Quando você ouve que em certas Igrejas há celebrações pomposas e espetáculos eclesiásticos, não pense que Jesus nasceu para este propósito. Não, senão que olhem para dentro de seus próprios corações e pensem: “foi para isto que Cristo nasceu, Para ser rei, para governar através da Verdade a alma de um povo que é, pela Graça, conduzido a amar a verdade de Deus.
E logo acrescentou: “Para isto vim ao mundo.” Isto é, Ele saiu do seio do Pai para estabelecer o Seu reino, revelando os mistérios que foram escondidos desde a fundação do mundo. Nenhum homem pode revelar o conselho de Deus, senão Aquele que tem estado com Deus! E o Filho que veio dos palácios de marfim da glória nos anuncia as boas novas de grande alegria! Por isso Ele também veio ao mundo desde a obscura oficina de carpinteiro de José, onde, por muitos anos, esteve escondido como uma pérola em sua concha. Era necessário que a verdade da qual veio para dar testemunho fosse dada a conhecer, e ressoasse nos ouvidos da multidão.
Uma vez que veio para ser rei, deveria deixar o isolamento e sair para lutar por seu trono. Tinha que falar às multidões na encosta do monte. Tinha que falar na costa do mar. Tinha que reunir seus discípulos e enviá-los de dois em dois para publicarem desde os telhados os segredos da verdade poderosa de Deus! Ele não saiu porque lhe encantava ser visto pelos homens ou por que buscasse a popularidade, senão para o propósito de estabelecer o seu reino publicando a verdade. Era necessário que saísse pelo mundo e ensinasse, pois de outra forma a Verdade de Deus não seria conhecida e, consequentemente, não poderia operar.
O sol deve sair como um noivo sai do seu aposento, ou o reino da luz nunca será estabelecido. O Espírito Santo deve sair do esconderijo dos ventos ou a vida nunca vai reinar no vale de ossos secos. Assim o reino da verdade veio não em aparência visível e começou a ser estabelecido nos corações daqueles que são pela verdade por ouvirem a voz do seu rei. Durante três anos o Senhor viveu notável e enfaticamente: “veio ao mundo.” Ele foi visto pelos homens de maneira tão próxima que pôde ser contemplado, tocado e apalpado. Ele tinha a intenção de ser um modelo e, portanto, era necessário que fosse visto. A vida de um homem que vive em retiro absoluto pode ser admirável para si mesmo e aceitável para Deus, mas não pode ser exemplar para os homens. Por esta razão, o Senhor veio ao mundo, para que tudo aquilo que Ele iria fazer pudesse influenciar a humanidade.
Seus inimigos tiveram permissão para vigiarem cada uma de suas ações e se lhes permitiu que se esforçassem para apanhá-lo em alguma palavra para prová-lo. Seus amigos lhe vinham em privado e sabiam o que fazia na solidão, assim, toda a sua vida pôde ser reportada. Foi observado na fria encosta do monte à meia-noite, assim como em meio da grande congregação. Isto foi permitido para que a verdade fosse conhecida, pois cada ação de sua vida era a verdade e contribuía para estabelecer o reino da Verdade no mundo.
Vamos fazer uma pausa aqui.
Cristo é rei. Um rei pela força da verdade num reino espiritual. Para este propósito nasceu. Por isso Ele veio ao mundo.
Amado, pergunte a si mesmo: Tem este propósito do nascimento e vida de Cristo sido cumprido em você? Se não é assim qual é o proveito do Natal para você? Os coristas cantarão: “porque um menino nos nasceu, um Filho nos é dado.” Isso é verdade para você? Como poderia ser, a menos que Jesus reine em você e seja seu Salvador e Senhor?
Os que verdadeiramente podem se regozijar no seu nascimento são aqueles que lhe conhecem como Senhor dos seus corações, e que governa seu entendimento pela verdade de sua doutrina, sua admiração pela verdade de sua vida, e seus afetos pela verdade da sua pessoa. Para essas pessoas Ele não é um personagem que dever ser retratado com uma coroa de ouro e um manto de púrpura como os reis comuns e teatrais dos homens. Mas alguém mais resplandecente e mais celestial, cuja coroa é real, cujo domínio é inquestionável, que governa com verdade e amor! Conhecemos este Rei? Esta pergunta poderia muito bem ser aplicada a nós, pois, amados, há muitos que dizem: “Cristo é o meu Rei”, porém não sabem o que dizem pois não lhe obedecem. Quem é servo de Cristo confia em Cristo, e caminha de acordo com a mente de Cristo e ama a verdade que ele tem revelado. Todos os demais são meros hipócritas.
III. Porém tenho que continuar. Nosso Senhor, em terceiro lugar, revelou a natureza de seu poder real. Já falei sobre isso, mas devo fazê-lo novamente. Poderíamos pensar que o texto foi escrito dessa maneira: “Você diz que eu sou um rei, para este fim eu nasci e para isto vim ao mundo, para que eu estabeleça o meu reino.” As palavras não são essas, mas devem significar isso, porque Jesus não era incoerente em seu discurso. Conclui-se que as palavras utilizadas têm o mesmo significado que essas que o contexto sugere, ainda que seja expressado de forma diferente.
Se nosso Senhor dissesse: “para que eu possa estabelecer um reino,” Pilatos poderia tê-lo mal interpretado. Porém quando se valeu da explicação espiritual e disse que o Seu reino era a verdade e que o estabelecimento de Seu reino era por meio de se dar testemunho da verdade de Deus, então, apesar de que Pilatos não o entendesse, por estar muito acima de sua capacidade de compreensão, contudo, de toda forma, não foi conduzido a uma má interpretação. Nosso Senhor nos diz que a verdade de Deus é a característica mais proeminente do seu reino e que seu poder real sobre os corações dos homens é através da Verdade.
Agora, o testemunho de nosso Senhor entre os homens foi enfaticamente sobre assuntos reais e vitais. Ele não lidou com ficção, mas com fatos reais, não com futilidades, mas com realidades infinitas. Ele não fala de opiniões, de pontos de vista, ou especulações, mas de verdades infalíveis. Quantos pregadores desperdiçam o seu tempo com o que pode e o que não pode ser! O testemunho de Nosso Senhor foi eminentemente prático e positivo, cheio de verdades e certezas.
Eu, às vezes, ao ouvir sermões, desejei que o pregador fosse diretamente ao assunto relacionado com a causa e o bem-estar de nossas almas. Que importância têm os milhares de temas triviais que esvoaçam em torno de nós, para homens que estão morrendo? Temos o Céu ou o inferno diante de nós e a morte bem perto. Pelo amor de Deus não brinquem conosco, mas digam-nos a verdade de uma vez! Jesus é rei nas almas do Seu povo, porque sua pregação nos tem abençoado da forma mais profunda e real e nos tem dado descanso em assuntos de ilimitada importância. Ele não nos tem dado pedras bem lavradas, mas pão real! Há milhares de coisas que vocês talvez não saibam, e se terão perdido por muito pouco, por não conhecê-las, mas, se vocês não conhecem o que Jesus tem ensinado não lhes irá bem!
Se vocês são ensinados pelo Senhor Jesus terão descanso para as suas preocupações, bálsamo para as suas dores e satisfação para os seus desejos. Jesus dá a verdade que os pecadores necessitam conhecer para que creiam nEle – a garantia do pecado perdoado pelo seu sangue, o favor assegurado pela Sua justiça e o Céu obtido pela Sua vida eterna. Além disso, Jesus tem poder sobre o seu povo, porque Ele testifica não de símbolos, mas dá testemunho da própria substância da Verdade de Deus. Os escribas e fariseus eram muito fluentes sobre os sacrifícios, oferendas, dízimos, jejuns e coisas afins, mas o que poderia influenciar tudo isso sobre os corações doridos?
Jesus tem o poder imperial sobre os espíritos contritos, porque lhes fala de Seu único e verdadeiro sacrifício real e da perfeição que tem obtido para todos os crentes. Os sacerdotes perderam o seu poder sobre as pessoas, porque não foram mais além da sombra e, mais cedo ou mais tarde todos aqueles que descansam no símbolo farão o mesmo. O Senhor Jesus mantém seu poder sobre os Seus santos, porque Ele revela a substância, pois a Graça e a Verdade vieram por Jesus Cristo. Que perda de tempo, é debater sobre a forma de um cálice ou a maneira de celebrar a comunhão, ou a cor adequada para as vestes do clérigo na época do Advento, ou a data exata da Páscoa! Vaidade das vaidades, tudo é vaidade! Tais ninharias nunca ajudarão para estabelecer um reino eterno nos corações dos homens!
Cuidemos para não colocarmos nós mesmos muita importância em coisas externas e perder de vista o essencial, a vida espiritual da nossa santa fé. O reino de Cristo não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo! O poder do Rei Jesus nos corações de Seu povo reside em grande maneira no fato de que Ele traz à tona a verdade pura de Deus, sem mistura, sem a contaminação do erro. Ele nos tem entregue uma luz pura e não trevas. Seu ensino não é uma combinação da Palavra de Deus e das invenções do homem! Não é uma mistura de inspiração e filosofia – prata sem escória é a riqueza que Ele dá aos Seus servos. Homens ensinados pelo Espírito Santo para amarem a verdade, reconhecem este fato e rendem suas almas à influência da Verdade do Senhor que os faz livres e lhes santifica; nada pode fazê-los repudiar tal soberano, porque como a Verdade vive e permanece em seus corações, assim Jesus, que é a Verdade, permanece também neles.
Se sabem o que é a verdade, vocês irão se submeter tão naturalmente aos ensinamentos de Cristo, assim como as crianças se submetem sempre à autoridade de seus pais.
O Senhor Jesus ensinou que a adoração deve ser verdadeira, espiritual e do coração, ou então seria inútil. Ele não tomou partido pelo templo de Gerizim ou de Jerusalém; mas declarou que a hora havia chegado quando os que adoram a Deus o adorariam em espírito e em verdade. Agora, os corações regenerados sentem o poder disto e se alegram por terem se emancipado dos elementos desprezíveis do ritualismo carnal. Eles aceitam de bom grado a Verdade que as palavras piedosas da oração ou do louvor são vaidade, a menos que o coração tenha adoração viva dentro de si. Na grande verdade do culto espiritual os crentes possuem uma Carta Magna tão amada como a própria vida. Nós nos recusamos a ser novamente submetidos ao jugo da escravidão e nos apegamos ao nosso Rei emancipador.
Nosso Senhor ensinou também, que o viver falsamente é ruim e aborrecível. Ele desprezou os filactérios dos hipócritas e o alongar das bordas das vestes dos opressores dos pobres. Para Ele as esmolas ostentosas, as longas orações, jejuns frequentes e o dízimo da hortelã e do cominho nada eram, quando praticados por aqueles que devoravam as casas das viúvas. Não lhe importavam nada os sepulcros caiados e os pratos limpos por fora.Ele julgava os pensamentos e as intenções do coração. Que interjeições utilizou para denunciar os formalistas dos seus dias! Deve ter sido um grandioso espetáculo ter visto o humilde Jesus indignado, trovejando num trovão após outro Suas denúncias contra a hipocrisia!
Elias nunca invocou fogo do céu que fosse sequer a metade do tão grandioso: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas!” É o mais estrondoso retumbar da artilharia do céu! Vejam que assim como o servo Sansão, Jesus ataca as imposturas da sua época e as ajunta em montões sobre montões para apodrecerem para sempre! Acaso Aquele que nos ensina a vida verdadeira não será o Rei de todos os filhos da verdade? Vamos agora saudá-lo como Senhor e rei. Além disso, amados, nosso Senhor não veio apenas para nos ensinar a verdade de Deus, mas também flui dele um poder misterioso através do Espírito Santo que repousa sobre ele sem medida, que submete os corações escolhidos à verdade, e, que logo guia os corações verdadeiros à plenitude de paz e alegria.
Acaso não têm percebido nunca ao terem estado com Jesus, que um senso de Sua pureza tem feito que sintam desejo de serem purificados de toda a hipocrisia e de todo caminho de falsidade? Acaso não têm sentido vergonha de si mesmos ao ouvirem a Sua Palavra, ao contemplarem a Sua vida e, acima de tudo, de desfrutarem da sua comunhão – por não terem sido mais sinceros, mais verdadeiros, mais justos, súditos mais leais do verdadeiro Rei? Eu sei que vocês o têm sentido! Nada sobre Jesus é falso ou mesmo duvidoso. Ele é transparente, da cabeça aos pés. Ele é a verdade em público, a verdade em privado, a verdade em palavra e a verdade em ação. Por isso, é que Ele tem um reino sobre os puros de coração e é veementemente exaltado por todos aqueles cujo coração está preso à justiça.
Texto de Charles Haddon Spurgeon, em domínio público, traduzido pelo Pr Silvio Dutra.