“Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida. Peça-a, porém, com fé, em nada duvidando; pois o que duvida é semelhante à onda do mar, impelida e agitada pelo vento.” (Tg 1.5,6)
A sabedoria é necessária para o devido desempenho de cada atividade da vida, mas é mais particularmente necessária para um cristão, em razão das muitas dificuldades às quais ele está sujeito por motivo de sua profissão cristã. Porque nada lhe faz se afastar mais cedo do serviço do seu Deus, do que seus amigos e familiares que o incentivam a voltar ao mundo.
Todo tipo de tentação aparece em seu caminho, para que de alguma forma possam alcançar seu propósito, e afastá-lo do caminho que ele tem escolhido. Elas não falham em lhe apresentar, a injúria que se levantará contra a sua reputação e interesses mundanos, e a dor que este seu novo curso ocasiona àqueles cuja felicidade ele é obrigado a compartilhar. Não raro também a autoridade dos familiares se interpõe para deter o seu progresso, e impedir o uso dos meios, que ele tem achado propícios para o seu bem-estar espiritual. Aqueles livros que melhor informam a sua mente, a companhia que mais fortalece o seu coração, e aquelas ordenanças que mais edificam a sua alma, são proibidos pelos pais, e nenhuma alternativa lhe resta, senão abandonar a sua busca das coisas celestiais, ou incorrer no desprezo e ódio de seus amigos mais queridos. O que deve ser feito agora? Ele deseja manter uma consciência sem ofensa, mas como isto pode ser feito? Se ele é fiel a seu Deus, ele ofende o homem, e, se ele agrada o homem, ele viola o seu dever para com Deus. O princípio que ele deve adotar é em si mesmo puro e simples; ou seja, ele deve obedecer a Deus, e não ao homem. Mas aplicar este princípio é uma dificuldade que frequentemente o envolve num maior embaraço. Se ele não relaxar em nada, ele parece absurdo ao extremo; se sua obediência a Deus for levada longe demais, ele põe em perigo a sua paz de espírito e bem-estar de sua alma.
Também, na maneira de realizar o que a sua consciência dita, ele também está em perda. Ele pode ser muito ousado, ou demasiado tímido; muito fiel, ou muito obsequioso. As diferentes disposições de todos aqueles com quem ele tem que tratar, devem ser consultadas, e a sua conduta deve ser adaptada a eles em todas as situações diversificadas em que ele é chamado a agir. Mas “quem é suficiente para estas coisas?” Muitas vezes ele deseja um conselheiro experiente para orientá-lo, e quase se sente no desespero de nunca alcançar tal medida de sabedoria, conforme é necessária para ele.
É às pessoas em tais circunstâncias que o apóstolo Tiago dirige as instruções do nossos texto. Ele supõe que eles tenham “caído em várias tentações”, e que estão trabalhando para “possuir suas almas com paciência”, para que “a paciência possa ter a sua obra perfeita, e que ele possa ser perfeito e completo, sem nada faltar.” Mas como é que tudo isso é efetuado? Qualquer marinheiro pode dirigir um navio em um mar calmo, mas como alguém tão inexperiente agirá numa tempestade, sem correr o risco de ser desviado do seu curso? Para estas questões ansiosas o apóstolo dá uma resposta; quando ele nos ensina.
I. Como buscar a sabedoria
A verdadeira sabedoria é dom de Deus
Mesmo a sabedoria terrena deve, em realidade, ser atribuída a Deus como seu autor. As pessoas que construíram o tabernáculo e todos os seus utensílios receberam toda a sua habilidade de Deus (Êx 36.1,2), e mesmo aqueles que se movem numa esfera que pode ser suposta que seja devida à sua própria capacidade, não podem ser mais hábeis em seu trabalho, se não forem instruídos pelo próprio Deus (Is 28.23,29).
Mas a sabedoria espiritual está ainda mais longe do alcance da nossa mera razão, porque é conhecimento sobre as coisas que, “nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano” (I Cor 2.9), e que somente podem ser reveladas pelo Espírito de Deus (I Cor 2.12). É enfaticamente “a sabedoria que vem do alto” (Tg 3.17), e que pode vir somente do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação. O Espírito de Deus, cujo ofício é o de comunicá-la aos homens, é chamado de “o Espírito de sabedoria e de entendimento, espírito de conselho e de poder, o Espírito de conhecimento e de temor do Senhor” (Is 11.2), e a ele somos direcionados “para abrir os olhos do nosso entendimento”, e “nos guiar em toda a verdade” (Jo 16.13), uma vez que é apenas pela unção derivada dele, que podemos obter discernimento espiritual.
Devemos buscá-la em oração fervorosa,
Estudando, sem duvidar, o estudo das próprias Escrituras Sagradas, é necessário, porque é somente pela palavra escrita que o nosso curso é regulado. Mas para estudar devemos acrescentar humilde e fervorosa súplica; de acordo com essa direção de Salomão, “Filho meu, se aceitares as minhas palavras e esconderes contigo os meus mandamentos, para fazeres atento à sabedoria o teu ouvido e para inclinares o coração ao entendimento, e, se clamares por inteligência, e por entendimento alçares a voz, se buscares a sabedoria como a prata e como a tesouros escondidos a procurares, então, entenderás o temor do Senhor e acharás o conhecimento de Deus. Porque o Senhor dá a sabedoria, e da sua boca vem a inteligência e o entendimento. Ele reserva a verdadeira sabedoria para os retos; é escudo para os que caminham na sinceridade, guarda as veredas do juízo e conserva o caminho dos seus santos. Então, entenderás justiça, juízo e eqüidade, todas as boas veredas. Porquanto a sabedoria entrará no teu coração, e o conhecimento será agradável à tua alma.” (Prov 2.1-10)
Assim , encontramos o apóstolo Paulo clamando a Deus em nome da Igreja de Éfeso, “para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele,” (Ef 1.17), e, para os Colossenses ele orou para que também eles, pelo mesmo Espírito “transbordassem de pleno conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria e entendimento espiritual;” (Col 1.9).
E procurando a sabedoria desta forma todos nós seremos encorajados, tanto para uma visão geral da bondade de Deus, quanto para uma compreensão de uma promessa particular.
“Deus a todos dá liberalmente, e o não lança em rosto”, “ele abre a mão, e enche todas as coisas que vivem com abundância”, ele “dá tanto para os maus e para os bons, para os justos e para os injustos.” Se então ele dá tão abundantemente àqueles que não o buscam, ele vai recusar o seu Espírito Santo àqueles que lho pedem? É verdade que eles não são dignos de tão rica bênção? e, assim como Jefté censurou aqueles que solicitaram sua ajuda para lutar contra os amonitas, dizendo-lhes: “Porventura, não me aborrecestes a mim e não me expulsastes da casa de meu pai? Por que, pois, vindes a mim, agora, quando estais em aperto?” (Jz 11.7); de igual Deus poderia nos dizer: “Vós tendes resistido ao meu Espírito, e se rebelaram contra a luz, vezes sem conta, e como podem esperar que eu deveria lhes ajudar ainda?” Mas ele não vai deixar de atender ao choro suplicante, mas certamente irá abençoar os seus desejos.
Isso ele nos assegura por uma promessa expressa: “peça-a a Deus, e isso lhe será dado” (Tg 1.5,6). Esta promessa pode ser invocada, conforme muitas outras que ele nos deu para o mesmo efeito, e na forma, e na medida em que ela deve ser cumprida, deve ser deixada ao cuidado de Deus, porque ele a concederá plenamente a todos os que esperarem nele. Não que um homem será considerado infalível, ou terá tal sabedoria transmitida a ele que o impedirá de cometer erros em todos os graus; e assim tanto quanto suas necessidades o exijam, Deus certamente satisfará a todos os que o buscarem com sinceridade e verdade.
Para que nenhum homem busque sabedoria em vão, Tiago acrescenta uma advertência, a partir da qual podemos aprender,
II. Como garantir a realização da mesma
“Devemos pedir com fé, em nada duvidando”. Aqui será bom que eu mostre,
1. O que é a fé que somos chamados a exercer,
Ela não diz respeito àquela coisa individual, que podemos estar procurando, porque podemos possivelmente estar procurando por algo que Deus vê que seria prejudicial para nós, ou, se revelaria prejudicial, por ser incompatível com os fins que ele tem determinado realizar. Quando nosso bendito Senhor orou para a remoção do amargo cálice e Paulo para a remoção do espinho na sua carne, nem uma nem outra oração foi atendida literalmente, embora ambas tenham sido respondidas da maneira mais satisfatória para os suplicantes, e de modo mais propício para a honra de Deus.
Assim, a coisa específica que pedimos, poderá ser retida, mas nós devemos ter a certeza de receber algo melhor em seu lugar, e é com essa dimensão somente que a nossa fé deve ser exercida, exceto onde haja uma promessa expressa para invocarmos, e, em seguida, podemos seguramente esperar que o que pedimos será concedido para nós.
Devemos “pedir com fé, em nada duvidando”, se nós duvidarmos no final, a nossa dúvida se erguerá, a ponto de não sermos mais totalmente convencidos do poder de Deus para nos ajudar, ou termos alguma suspeita relativa à sua vontade. Mas, limitar o seu poder é pecaminoso ao extremo, e duvidar de sua vontade é, como o apóstolo João o expressa, “fazer de Deus um mentiroso”, porque a promessa do texto é para toda criatura debaixo do céu, que pede com fé. Eu bem sei que as pessoas fingem justificar as suas dúvidas na sua própria indignidade, mas isto é uma mera falácia, porque cada homem é indigno, e, se indignidade fosse uma desqualificação para privar o homem de todo o direito de esperar a bênção em resposta a suas orações, então nenhum homem vivo tem o direito de esperar pela bênção, e a promessa de Deus é uma mera nulidade. Nossa necessidade de sabedoria é pressuposta na própria petição que é oferecida a ele, e quanto mais profundamente sentimos a nossa necessidade, mais de boa vontade e mais amplamente a vontade de Deus nos concederá a bênção. Oramos para ter sabedoria, embora estejamos pedindo, não com base em qualquer merecimento imaginário nosso, mas pelo simples fato de ter sido livremente prometido por Deus para nós; e, nesse ponto de vista, devemos levantar as nossas mãos, “sem ira, e também, sem dúvida”.
2 . Isto certamente alcança o fim pretendido
Em algumas circunstâncias, o cumprimento da promessa parece exceder toda a esperança razoável, senão os limites da possibilidade. Mas, na proporção em que parece exceder a esperança, devemos “crer na esperança”, assim como fez Abraão, quando a promessa foi dada a ele de ter uma posteridade tão numerosa como as estrelas do céu. Nosso Senhor nos ensinou isso de uma forma muito marcante. Para seus discípulos, que expressaram sua surpresa com a figueira, que ele tinha amaldiçoado, e murchou no mesma hora, ele disse: “Ao que Jesus lhes disse: Tende fé em Deus; porque em verdade vos afirmo que, se alguém disser a este monte: Ergue-te e lança-te no mar, e não duvidar no seu coração, mas crer que se fará o que diz, assim será com ele. Por isso, vos digo que tudo quanto em oração pedirdes, crede que recebestes, e será assim convosco.” (Marcos 11.2-24).
A verdade é que Deus, se assim posso dizer, sente a sua própria honra implicada no cumprimento de sua palavra, e, portanto, não por nossa causa, mas por causa do seu próprio nome, ele vai cumprir a coisa que hoje tem saído de sua boca. No entanto, não somente para seu próprio bem ele fará isso, mas por nossa causa também, pois, “os que o honram ele honrará”.
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1 . Àqueles que são inconscientes de sua necessidade de sabedoria.
Embora os homens sejam sensíveis o suficiente de sua ignorância em relação às ciências humanas, eles quase universalmente julgam-se competentes para decidir todas as coisas relacionadas com a sua fé ou prática. Mas muito apropriada é a declaração de Salomão: “O que confia no seu próprio coração é um tolo.” (Prov 28.26).
Com respeito às coisas espirituais, somos todos por natureza cegos, e precisamos aprendê-las, pois as ignoramos, para que tenhamos nosso entendimento aberto para compreendê-las. Em todos nós falta sabedoria excessivamente e a todos nós se aplicam igualmente estas palavras de Salomão, “Confia no Senhor de todo o teu coração e não se apoie na tua própria compreensão, em todos os teus caminhos reconhece-o, e ele endireitará as tuas veredas.”
2 . Aqueles que estão desanimados por sua falta de sabedoria
Se você olhar para a grandeza de suas dificuldades, ou de sua insuficiência para enfrentá-las, você pode muito bem enfraquecer e falhar, mas se você olhar para Deus, não há motivo para ficar desencorajado. Pois, ele não pode “colocar força na boca de pequeninos e crianças de peito?” E “ele não colocou o seu tesouro em vasos de barro de propósito para que a excelência do poder seja vista como dele? (2 Cor 4.7). Veja como ele reprovou Jeremias por seus pensamentos desanimados, e que ficasse contente por ser “fraco, para que sua força pudesse ser aperfeiçoada em sua fraqueza”. Veja como ele repreendeu Pedro também por ter duvidado, e assim tome cuidado para você não duvidar.
Se você está duvidando, ele o repreende claramente, que “você não deve esperar receber qualquer coisa do Senhor” (Tg 1.7), mas, se você crer, de acordo com a sua fé isso lhe será concedido (Mat 9.29).
Tradução e adaptação de um texto em domínio público, de Charles Simeon.