“Como flechas na mão do valente, assim são os filhos da mocidade. Bem-aventurado o homem que enche deles a sua aljava; não serão confundidos, quando falarem com os seus inimigos à porta”. (Salmo 127.4,5)
Flechas na mão do valente. Esta é uma afirmação bíblica profunda. Vejo nesta frase um princípio a ser aplicado na criação dos nossos filhos, e acredito que o mesmo também se aplique aos nossos filhos espirituais, nossos discípulos.
Antes de tudo, quero reconhecer o contexto em que a afirmação é feita; o versículo seguinte fala do homem que enche deles (filhos-flechas) a sua aljava e não será envergonhado diante do inimigo à sua porta. Portanto, isto fala de filhos literais ajudando um pai a se proteger; neste sentido, podemos vê-los como parte da defesa diante do inimigo e como uma família deve aprender a lutar junta.
Mas também vejo uma outra aplicação para esta frase. Precisamos aprender a criar e liberar nossos filhos para a vida. O que um valente (outra versão usa o termo guerreiro) fazia com uma flecha? Ele a atirava para longe de si. Ele a lançava para atingir um alvo.
Nós pais (e falo como pai de dois filhos) temos uma inclinação natural a sermos super-protetores. Nunca entendi a preocupação de meus pais comigo enquanto eu era criança. Não entendia porque tudo parecia ser tão perigoso aos olhos deles. Achava que muitas vezes eles me sufocavam com suas preocupações, orientações, conselhos, advertências, etc. Mas alguns segundos depois que meu filho primogênito nasceu, eu imediatamente os entendi. Algo inexplicável tomou conta de mim! Era um amor e preocupação que só um pai ou mãe entende. Ficava imaginando que se ele fizesse tudo que fiz quando criança eu me preocuparia demais…
É engraçado isto. Você promete para si mesmo que quando crescer e for pai fará tudo diferente do que seus pais fizeram com você, mas quando chega a sua vez, sua visão muda! E você se lembra das palavras que eles proferiam (e você não suportava ouvir):
“Quando você crescer e estiver no meu lugar vai entender”.
Na infância e na condição de filhos, abominávamos a super-proteção. Achávamos que os pais não tinham que participar de determinadas escolhas, como relacionamentos de amigo(a)s, namorada(o)s ou mesmo a escolha da profissão. Agora depois de adultos, acabamos por concluir que os pais estavam certos, deveriam mesmo proteger seus filhos. Mas acho que quando chega a nossa vez de exercer a proteção, acabamos nos esquecendo de algo importante: o cuidado paterno (ou materno) não pode ser egoísta.
Às vezes, interferimos na escolha de relacionamentos (amizade, namoro) como se estivéssemos escolhendo alguém para nós. Às vezes, planejamos a vida profissional de nossos filhos querendo compensar nossas próprias frustrações. A verdade é que temos que preparar nossos filhos para a vida. Uma hora eles terão que sair de casa e viver sua própria vida. E, se os protegermos deste momento, não apenas criaremos problemas para eles, mas também teremos problemas!
Flechas na mão do valente. Um valente atira suas flechas com força, para atingir o alvo de longe. Se quisesse atingir o inimigo de perto, um guerreiro daquela época provavelmente usaria uma espada. Precisamos aprender a lançar nossos filhos para a vida, e desejar lança-los longe. Isto não significa que vamos nos afastar ou que queremos distância, mas que precisamos pensar grande a respeito deles. Nossa criação não deve ser egoísta, centrada em nós mesmos. Não podemos querer que nossos filhos fiquem somente por perto. Talvez uma vida melhor só será provada por eles em outra cidade, estado ou mesmo país.
Flechas na mão do valente. O valente atira suas flechas visando acertar um alvo. Como pais, precisamos ajudar nossos filhos a entenderem sua vocação e aptidões profissionais. Meu pai dizia desde que eu era criança que eu seria um filósofo. Sempre que me via pensativo, ele declarava isto. E de fato, sempre gostei de pensar e questionar tudo. Meu pai reconheceu depois de muitos anos que o palpite dele estava correto, e me encorajou a ser um pensador e questionador do comportamento cristão em meu ministério de ensino. Os pais devem ajudar seus filhos a entender seu alvo a ser alcançado e, em acordo com eles, lança-los em direção a este alvo!
Meus pais sofreram quando aos meus dezoito anos de idade passei a estar longe deles viajando para pregar o Evangelho, e logo depois, quando me mudei para outro estado onde casei-me e tive meus filhos. Eles preferiam que eu morasse e vivesse por perto, mas entenderam que Deus tinha um plano para a minha vida (um alvo) e me atiraram em direção a este plano. Há o tempo em que as flechas (filhos) ficam na aljava e há também o tempo em que devem ser atiradas para o alvo.
Quando pedi a Kelly em casamento, cada um de nós morava num estado diferente; eu no Paraná e ela em São Paulo. Eu já estava pastoreando e a Kelly estava entrando na Universidade. Conversei seriamente com ela que a única forma de levarmos adiante nosso relacionamento era com ela vindo para o Paraná, e ela decidiu isto. Lá em São Paulo, ela tinha passado no vestibular da Universidade e curso que queria fazer, mas decidiu fazer outro curso no Paraná apostando não só no nosso relacionamento, mas no chamado de Deus para nós no sul do país. Foi uma decisão difícil. Eu sei disto, saí cedo de casa, e não cresci planejando isto.
Nesta fase difícil de decisão, a Kelly conversou com seus pais. O pai dela perguntou se era isto que ela queria e, ao saber que sim, disse-lhe que a amava e como queria o melhor para ela, então ele a abençoava. A mãe dela sofreu mais, pois elas sempre foram muito ligadas. Minha sogra não conseguiu ser racional como meu sogro, uma vez que as mulheres são mais emocionais mesmo. Mas ela foi orar a respeito, e naqueles dias teve um sonho. Sonhou que a Kelly estava diante de um trem que passava em velocidade, sem parar e, de repente, pulava dentro dele. Era uma questão de vida ou morte; acertar ou não a porta aberta do trem poderia por fim a tudo, e ainda havia a questão da queda no interior do vagão que passava em velocidade. Porém, no momento em que a Kelly pulou, a cena ficou como um filme em câmera lenta; minha sogra viu a sua filha passando direitinho pela porta aberta do trem, viu que o vagão era todo almofadado – o que fazia com que soubesse que ela não se machucaria ao cair dentro – e quando a Kelly caiu dentro do vagão tudo voltou a ficar depressa e ela viu o trem indo embora. Minha sogra entendeu que a filha estava diante de uma oportunidade única, e ainda que decidindo de forma repentina e não planejada Deus estava no controle e tudo iria ficar bem – apesar da Kelly estar sendo levada para longe dos pais. Então ela entendeu o alvo e atirou sua flecha; abençoou a partida da filha (e eu agradeci muito a Deus).
Foi o que os pais de Rebeca fizeram. Quando o servo de Abraão saiu atrás de uma esposa para Isaque, encontrou Rebeca e lhe fez a proposta, tanto a ela como à sua família (Gn 24.15-49). E o que o relato bíblico diz que fizeram? Ouviram o que Rebeca desejava, concordaram que Deus estava naquilo e a abençoaram para que vivesse o melhor de Deus! Observe:
“Disseram: Chamemos a moça e ouçamo-la pessoalmente. Chamaram, pois, a Rebeca e lhe perguntaram: Queres ir com este homem? Ela respondeu: Irei. Então, despediram a Rebeca, sua irmã, e a sua ama, e ao servo de Abraão, e a seus homens. Abençoaram a Rebeca e lhe disseram: És nossa irmã; sê tu a mãe de milhares de milhares, e que a tua descendência possua a porta dos seus inimigos. Então, se levantou Rebeca com suas moças e, montando os camelos, seguiram o homem. O servo tomou a Rebeca e partiu”. (Gênesis 24.57-61)
O mesmo vale para nossos filhos espirituais. Há líderes que querem ter consigo para sempre os ministérios que os auxiliam. Mas não podemos ser egoístas, não podemos pensar somente em nós e nosso conforto. Devemos lançar nossos filhos para atingirem o alvo. Temos exemplos bíblicos disto:
“Havia na igreja de Antioquia profetas e mestres: Barnabé, Simeão, por sobrenome Níger, Lúcio de Cirene, Manaém, colaço de Herodes, o tetrarca, e Saulo. E, servindo eles ao Senhor e jejuando, disse o Espírito Santo: Separai-me, agora, Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado. Então, jejuando, e orando, e impondo sobre eles as mãos, os despediram”. (Atos 13.1-3)
Quando chega o momento de alguém seguir o plano de Deus para a sua vida, precisamos ter a coragem de toma-los como flechas e atira-los em direção ao alvo do seu chamado em Deus. Não acredito numa mesma equipe ministerial envelhecendo junta. Alguém sempre será enviado a realizar algo mais. Faz parte da dinâmica do Reino de Deus. As flechas não existem para permanecerem sempre na aljava. Ficam ali só até que a hora de serem lançadas chegue.
A Preparação das Flechas
As flechas naqueles dias eram feitas manualmente. Exigiam trabalho artesanal e personalizado. Se o guerreiro quisesse ser bem-sucedido ao atirar suas flechas, deveria antes ter investido nelas. Também vejo um paralelo nesta verdade. Acredito que os filhos devem aprender a trabalhar com seus pais. Mesmo antes de sair de casa, nossos filhos devem aprender a trabalhar e a não serem preguiçosos:
“O que ajunta no verão é filho sábio, mas o que dorme na sega é filho que envergonha”. (Provérbios 10.5)
Também vemos numa parábola contada por Jesus (que usava ilustrações do dia-a-dia do povo) que um pai pede a seus filhos que o ajudem no trabalho da vinha:
“E que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Chegando-se ao primeiro, disse: Filho, vai hoje trabalhar na vinha. Ele respondeu: Sim, senhor; porém não foi. Dirigindo-se ao segundo, disse-lhe a mesma coisa. Mas este respondeu: Não quero; depois, arrependido, foi. Qual dos dois fez a vontade do pai? Disseram: O segundo. Declarou-lhes Jesus: Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos precedem no reino de Deus”. (Mateus 21.28-31)
Nos tempos antigos, era normal que um filho aprendesse o ofício de seu pai. Por exemplo, Jesus foi chamado de carpinteiro do mesmo modo como José, seu pai (adotivo) também foi; em Mt 13.55 ele é chamado de o filho do carpinteiro, enquanto que em Mc 6.3 é chamado de carpinteiro. Mas alguns filhos, ao crescerem, vão desenvolver aptidões próprias dos dons e talentos que Deus deu a eles; portanto, acredito que não devemos apenas ensina-los a fazer o que fazemos, mas tudo o que for bom e importante para seu futuro. A Bíblia fala de Lameque, que teve três filhos e cada um desenvolveu uma aptidão diferente, embora depois passassem a ensinar as mesmas atividades aos seus filhos:
“Lameque tomou para si duas esposas: o nome de uma era Ada, a outra se chamava Zilá. Ada deu à luz a Jabal; este foi o pai dos que habitam em tendas e possuem gado. O nome de seu irmão era Jubal; este foi o pai de todos os que tocam harpa e flauta. Zilá, por sua vez, deu à luz a Tubalcaim, artífice de todo instrumento cortante, de bronze e de ferro; a irmã de Tubalcaim foi Naamá”. (Gênesis 4.19-22)
Os filhos devem ser ensinados e preparados a serem auto-sustentáveis antes de estabelecerem a própria família. Este também é um princípio bíblico:
“Cuida dos teus negócios lá fora, apronta a lavoura no campo e, depois, edifica a tua casa”. (Provérbios 24.27)
Ninguém deve se casar sem ter condições de se manter. O texto sagrado revela que os negócios devem ser preparados, o campo deve estar em ordem para somente depois se edificar a casa!
Muitos se casam ainda dependendo de seus pais para se manter. Isto é errado. O cordão umbilical deve ser cortado! Deus estabeleceu isto desde o princípio; o homem deve DEIXAR seu pai e sua mãe e constituir nova família com sua mulher:
“Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne”. (Gênesis 2.24)
A palavra hebraica traduzida como “deixar” é “azab” e, segundo a Concordância de Strong, significa: “deixar, soltar, abandonar, afastar-se de, deixar para trás”. Não é difícil entender isto. Criamos nossos filhos para que eles nos deixem, para que sigam suas vidas e devemos prepara-los (e também a nós) para tal.
Acredito que com a mesma mentalidade devemos formar os filhos espirituais e ministeriais. Devemos prepará-los para serem enviados e para encontrarem o melhor de Deus para si. Nossos filhos são flechas. E os valentes responsáveis por atira-los somos nós. Que Deus nos dê graça para isto!