Este capítulo de Ezequiel mostra de modo muito claro que é a perseverança na fé e a santificação que mantêm o cristão na prática da justiça, a maior e melhor evidência da salvação, que é pela graça, mediante a fé.
Se alguém chegou a se inteirar dos caminhos do Senhor e até mesmo a agir conforme exigido pelos Seus mandamentos, e esta pessoa retorna depois à prática da iniquidade, na qual vivera dantes, isto comprova que tal pessoa não foi justificada por Deus; que não foi salva por Ele, que não nasceu de novo do Espírito; e que portanto, nunca teve a vida eterna, mesmo quando se inteirava da prática da justiça.
Todavia, aquele que vivia na prática da iniquidade e vem a se converter dos seus maus caminhos e persevera na fé e na santificação, não se fará mais lembrança dos pecados que tal pessoa havia praticado no passado porque será completamente perdoada por Deus, e terá a vida eterna, desde a sua conversão.
Assim, este capitulo relaciona as boas obras de justiça que são evidências de quem realmente é justo diante de Deus. Certamente não são estas boas obras a causa da sua salvação (que é sempre a graça e a fé), mas a sua melhor evidência, conforme já comentamos anteriormente.
Todavia, não podemos esquecer que este capitulo não foi escrito particularmente para a Igreja, debaixo da Nova Aliança com Cristo, e sim debaixo da Lei da Antiga Aliança, que interessava apenas aos israelitas, no período de vigência daquela aliança.
As ameaças de morte, e a promessa de preservação da vida, têm a ver, especialmente, com as promessas de bênçãos e as ameaças de maldição contidas na Lei de Moisés (A Antiga Aliança abrangia todos os israelitas em todas as gerações de Israel, de Moisés até a morte de Jesus, e por isso, possuía também um caráter essencialmente coletivo quanto às aplicações das suas promessas de bênçãos (Lev 26.3-13; Dt 7.12-26; 11.8-32; 28.1-14), e de maldições (Lev 26.14-42; Dt 11.26-28; 27.26; 28.15-68).
Devemos lembrar também que o que deu ocasião a esta mensagem que foi dada por Deus ao profeta foi o provérbio que havia entre os israelitas, de que eles não estavam sendo julgados porque fossem culpados perante Deus, mas sempre por causa do pecado de seus antepassados, conforme previsto na Lei de que Deus visitaria a iniquidade dos pais nos filhos até a terceira e a quarta geração, que eles haviam reduzido para a forma proverbial de se dizer que os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos é que ficaram embotados.
Então para demonstrar que nunca havia desobrigado ninguém da responsabilidade pessoal e individual perante Ele, o Senhor enfatizou que cada pessoa vive (por causa da sua justiça) ou morre (por causa dos seus próprios pecados, e não por causa dos pecados de outrem).
O princípio legal de se visitar a iniquidade dos pais nos filhos, na Antiga Aliança, tinha por alvo reforçar exatamente a responsabilidade individual, da qual eles estavam procurando se eximir.
Porque à medida que os pais são irresponsáveis, a tendência é que os filhos sejam mais irresponsáveis ainda, e era apenas isto que o Senhor queria evitar, e não agir de forma injusta fazendo com que o inocente fosse considerado culpado, ou que o culpado fosse considerado inocente, o que a propósito, constava da Lei de Moisés, para que os juízes de Israel não viessem a condenar pessoas que fossem inocentes das coisas que fossem acusadas, ou então, que culpados, fossem declarados inocentes por eles.
Então não procedia a acusação dos judeus em relação ao Senhor, dizendo que Ele não era justo, que também não eram justos os Seus caminhos, ou seja, as Suas exigências, a Sua vontade, refletidas nos Seus mandamentos.
É algo muito triste quando a justiça é distorcida, quando ao mal chamam bem, e ao bem chamam mal. E é justamente isto o que costumam fazer os ímpios, e desta forma os judeus estavam comprovando que eram ímpios e não justos, porque julgavam que os caminhos deles é que eram justos e não os caminhos de Deus.
E o Senhor, revelando que não é apenas justo, mas também misericordioso e perdoador, ainda assim convocou aqueles ímpios do Seu próprio povo a se converterem a Ele, convertendo-se de todas as suas transgressões, para que não fossem levados por sua iniquidade à perdição (v. 30).
E rogou-lhes que lançassem fora todas as suas transgressões que haviam cometido contra Ele, e que criassem um novo coração e um espírito novo, para que não morressem (v. 31).
Afinal, o Senhor não tem prazer na morte de ninguém, antes deseja que o ímpio se converta e viva (v. 32).
Em todo o caso a Palavra de Deus nesta passagem de Ezequiel nos alerta para a seriedade que se exige de nós quanto a considerarmos a possibilidade de transformar a graça de Deus em luxúria, conforme dizer do apóstolo Judas, porque não são poucos os cristãos que costumam usar o argumento de que podem permanecer no pecado, porque estão debaixo da graça e não da Lei.
Entretanto, o Senhor está seriamente interessado em que seus filhos abundem na prática de boas obras de justiça, e que consagrem seus membros à prática da justiça, com vistas à santificação deles, pela Palavra, mediante o poder do Espírito.
Que ninguém seja portanto, achado faltoso nesta parte, pensando erroneamente que estar sob a graça significa ter permissão de Deus para viver pecando.
Que nos cause horror a doutrina, de que podemos estar sossegados quando pecamos deliberadamente, porque afinal basta crer que o sangue de Cristo nos purifica de todo pecado.
Isto não é o que a Bíblia ensina. Ao contrário, ordena que não devemos dar descanso à nossa alma enquanto não estivermos santificados. Que devemos chorar pelos nossos pecados para que sejamos de fato bem-aventurados, e assim o sangue de Jesus mostrará toda a sua eficácia em nosso favor.
Lembremos que Deus não odeia a nada do que Ele criou. Especialmente as almas dos homens. Então se alguém vier a se perder, isto não terá sido pela vontade de Deus, mas pelo próprio amor da pessoa às trevas e ao pecado.
Pr Silvio Dutra