Antes de tudo, estamos falando de místico, e não de mítico, porque o primeiro significa aquilo que é sobrenatural, e o segundo, reporta ao mundo das coisas irreais, imaginadas.
Leia o texto relativo ao início do evangelho de João, e tente interpretá-lo. Qual é o seu significado? Pelo menos, o que podemos aprender sobre a verdade, com estas palavras do apóstolo?
“1 No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
2 Ele estava no princípio com Deus.
3 Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.
4 Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens.
5 E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.”. (João 1.1-5)
A palavra “Verbo” do primeiro versículo, foi vertida da palavra “Logos”, no original grego do Novo Testamento, e por isso as versões das Bíblias inglesas trazem “Palavra”, em vez de Verbo.
Mas como verbo é palavra indicadora de ação, a maior parte das traduções da língua portuguesa trazem Verbo em vez de Palavra.
Tanto um uso quanto outro estão corretos, mas Palavra define melhor o pensamento de João ao usar esta palavra para se referir à Pessoa de Jesus, porque certamente ele tinha em mente demonstrar que Jesus foi quem tomou parte na criação ao lado de Deus e do Espírito Santo, sendo a Palavra que tudo criou, porque é dito que o mundo foi feito pela Palavra de Deus, uma vez que Ele disse em cada ato da criação: “faça-se”.
Foi portanto pelo uso da palavra, pelo uso do verbo, que é a classe de palavra que é indicadora de ações e operações, que Deus trouxe todas as coisas à existência.
“Pela palavra do Senhor foram feitos os céus, e todo o exército deles pelo sopro da sua boca.” (Sl 33.6).
“Pela fé entendemos que os mundos foram criados pela palavra de Deus; de modo que o visível não foi feito daquilo que se vê.” (Hb 11.3).
“Pois eles de propósito ignoram isto, que pela palavra de Deus já desde a antiguidade existiram os céus e a terra, que foi tirada da água e no meio da água subsiste;” (II Pe 3.5).
Ao fazer uso da palavra Verbo, João a associou aos atos da criação dos céus e da terra, conforme se vê no verso 3.
Mas ao identificar Jesus como sendo o Logos, a Palavra, ou Verbo eterno, podemos também considerar que a mente eterna de Deus foi revelada a nós por meio dEle.
Os pensamentos puros, perfeitos e conhecedores de tudo o que há em Deus, são inerentes a Cristo e Ele os revelou a nós.
É somente por meio dEle que os selos do livro da vida são removidos para que os mistérios da verdade sejam revelados a nós.
Se Ele não tivesse se manifestado ao mundo, permaneceríamos nas trevas quanto a esta vida do Espírito Santo que se manifesta nos cristãos, pela fé nEle.
(Quando falo “cristão” não estou contemplando nenhuma igreja ou denominação religiosa específica, mas aqueles que professam o nome de Jesus Cristo, como Senhor e Salvador de suas vidas).
Vida de poder espiritual e de comunhão em amor celestial.
Vida de frutos e dons espirituais que são comunicados entre aqueles que têm sido vivificados pela luz de Cristo, a qual, quando permanecemos nela, faz com que a vida de Cristo se manifeste em nós.
Como a luz do sol garante a existência da vida física na terra, de igual modo, Cristo é o único sol que sustenta a vida do espírito.
Neste sentido, pode-se dizer então que Cristo é a fonte mesma da qual procede toda a Palavra que sai da boca de Deus, sendo que Ele mesmo é Aquele por quem se expressa esta Palavra.
Daí ter dito que a Palavra que Ele proferia não provinha dEle próprio, mas do Pai, isto é, tudo o que o Pai expressa pela Palavra, Ele o faz por meio do Filho, de maneira que João havia apreendido este ensino e verdade comunicado por Jesus aos apóstolos em Seu ministério terreno, e pôde aprender que o mundo foi feito pela Palavra liberada pelo próprio Cristo, daí dizer que Ele é a Palavra (Verbo) pela qual todas as coisas foram feitas, e que sem Ele nada do que foi feito se fez (v. 3); isto é, o Pai nada fez sem a participação de Cristo.
Somente Jesus tem as palavras de vida eterna. Pedro teve este reconhecimento que é dEle que emana a palavra que dá vida aos pecadores (Jo 6.68), e a experiência comprova isto em todos os testemunhos de conversão.
“Segundo a sua própria vontade, ele nos gerou pela palavra da verdade, para que fôssemos como que primícias das suas criaturas.” (Tg 1.18).
“tendo renascido, não de semente corruptível, mas de incorruptível, pela palavra de Deus, a qual vive e permanece.” (I Pe 1.23).
Os textos destacados acima de Tiago e Pedro revelam o ato da nova criação pela Palavra.
E João diz que esta palavra criativa é o Logos, e a identifica imediatamente com Cristo e afirma que Ele próprio é esta ação criativa que traz todas as coisas à existência, e sabemos, inclusive esta nova vida celestial que é dada aos cristãos.
Esta Palavra é a verdade, e Jesus disse também ser esta verdade, a qual liberta e dá vida.
Há então poder e ação envolvidos nesta Palavra aqui referida pelo apóstolo, e a que é citada em todas as passagens bíblicas que se referem a ações de criação, de salvação, de santificação, e de tudo o mais que dependa da liberação do poder pela Palavra de Cristo.
Por isso Jesus havia dito que as suas palavras são espírito e vida (Jo 6.63). E também que o homem não vive somente de pão, mas de toda palavra que procede da boca de Deus (Mt 4.4), porque é pela palavra de ação poderosa, que novas criaturas com a vida que procede do céu são geradas.
E que é a prática da Sua palavra, isto é, tê-la em devida consideração e vivendo segundo o seu poder, que se tem a vida solidamente firmada num fundamento inabalável (Mt 7.24).
Era com a Sua palavra de ordem que Jesus expulsava demônios e curava enfermos, e que ainda o faz através da Igreja (Mt 8.16).
É por isso que as palavras de Jesus jamais passarão porque são eternas assim como Ele é eterno (Mt 24.35).
Desta forma, crer de fato em Jesus é permanecer nEle, e permanecer nEle é permanecer portanto na Sua palavra; e como esta palavra é a vida eterna, aquele que a guarda jamais morrerá eternamente (Jo 8.31; 51; 14.24).
Como Jesus é santo, é a sua Palavra que nos santifica (Jo 15.3; 17.17).
Foi por isso que a Igreja Primitiva tinha poder para pregar o evangelho, porque eles viviam e pregavam somente a Palavra (At 4.29, 31; 5.20; 6.2, 7; 8.4, 25;10.44; 11.14; 12.24; 13.5, 44, 48, 49; 14.3, 25; 15.35, 36; 16.32; 17.11; 18.5, 11; 19.10, 20; 20.32).
A fé é gerada por se ouvir a Palavra (Rom 10.17).
Nós vemos nas palavras de Paulo em I Cor 1.17; 2.1, 4, 13; I Tes 1.5 que a pregação desta Palavra viva é muito mais do que simplesmente exposição verbal de conceitos teológicos, ou de meras citações bíblicas, mas a liberação da porção da verdade, conforme está revelada nas Escrituras, em exposição com palavras ensinadas pelo Espírito e no poder do Espírito, conforme esta é revelada pelo mesmo Espírito ao coração e mente do pregador (Ef 6.19):
“Porque Cristo não me enviou para batizar, mas para pregar o evangelho; não em sabedoria de palavras, para não se tornar vã a cruz de Cristo.” (I Cor 1.17).
“E eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus, não fui com sublimidade de palavras ou de sabedoria.” (I Cor 2.1).
“A minha linguagem e a minha pregação não consistiram em palavras persuasivas de sabedoria, mas em demonstração do Espírito de poder;” (I Cor 2.4).
“as quais também falamos, não com palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas com palavras ensinadas pelo Espírito Santo, comparando coisas espirituais com espirituais.” (I Cor 2.13).
“porque o nosso evangelho não foi a vós somente em palavras, mas também em poder, e no Espírito Santo e em plena convicção, como bem sabeis quais fomos entre vós por amor de vós.” (I Tes 1.5).
“no qual também vós, tendo ouvido a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, e tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa,” (Ef 1.13).
Assim, aqueles que têm a plenitude de Cristo são aqueles que têm também a plenitude da Sua Palavra habitando neles ricamente (Col 3.16). São estes que, segundo Cristo, podem comprovar que a doutrina que Ele pregou é realmente do céu, provinda do Pai (Jo 7.17).
Então Jesus é esta Palavra eterna que criou o mundo e cria a vida eterna naqueles que recebem dEle esta Palavra viva e poderosa, que gera vida e vida em abundância.
Aquele que permanecer nesta Palavra, conforme Ele ensinou e os apóstolos o confirmam nas Escrituras, haverão de ter a atestação desta verdade em suas próprias vidas pela transformação que será operada nelas por causa de permanecerem na Palavra, uma vez que o Espírito atuará neles por estarem permanecendo na verdade, porque o Espírito é Espírito da verdade (João 14.17; 15.26; 16.13).
Esta Palavra já existia antes que houvesse mundo, antes da existência do tempo cronológico, ao que João chama de “no princípio” mostrando que era, que é e sempre será.
Não que tivesse começado com princípio de existência, mas por ter sempre existido sem começo, nem fim, sendo ao mesmo tempo o Alfa e o Ômega (a primeira e a última letras do alfabeto grego) de maneira que início e fim se confundem por fazerem parte de um todo indissolúvel e eterno (Apo 1.8; 21.6; 22.13).
Cristo sempre esteve em co-existência com o Pai. Ele estava, está e sempre estará com Deus.
De maneira que crer em Cristo é crer em Deus Pai porque o Pai e o Filho co-existem em perfeita unidade e são inseparáveis.
Temos visto então, nesta primeira parte do nosso comentário sobre as palavra místicas de João em seu evangelho, o significado do Verbo divino, e tentaremos descortinar na segunda parte, a referência que ele faz à luz.
Pr Silvio Dutra