“Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações, sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes.” (Tg 1.2-4)
Nós, neste momento somos pouco capazes de formar uma concepção do estado da Igreja na era apostólica. O Cristianismo entre nós não possui nenhum dos males a que os cristãos primitivos foram expostos. Mas a que isso é devido? Está o Cristianismo mudado em tudo? ou é menos ofensivo do que era aos olhos dos homens ímpios? Não. É o mesmo de sempre, e, se aqueles que professam ser cristãos não são desprezados e odiados agora como eram nos tempos antigos, é porque eles mantêm “apenas a forma de piedade, e não têm o seu poder.” Deixe as pessoas entrarem no espírito do Cristianismo, agora, quanto ao que os cristãos fizeram nos dias apostólicos, e eles serão tratados precisamente como eles foram; pelo menos, as leis da terra admitirão isso; e, se não forem perseguidos até a morte, isto não será procedente de terem mais amor à piedade no coração carnal agora, do que havia então; mas em razão da maior proteção que é proporcionada pelas leis do país, e de um espírito de tolerância moderno que comumente é estabelecido.
A real e vital piedade foi então universalmente odiada, e é assim ainda. Não foi para os judeus convertidos na Palestina que Tiago escreveu, mas para “as doze tribos que andavam dispersas.”, ou seja os cristãos judeus que viviam fora dos termos de Israel. A religião não foi perseguida apenas parcialmente, mas em todas as partes e em todos os lugares, e ainda é, em todos os lugares, porque os cristãos são uma pedra de tropeço para os judeus, e loucura para os gregos, e todos aqueles que cultivarem isto, mais cedo ou mais tarde precisarão ter o consolo do nosso texto administrado a eles para apoiá-los.
Nas palavras que lemos, vemos:
I. A parte designada por povo de Deus.
Nos séculos anteriores eram odiados por causa da justiça.
Volte ao tempo de Abel. Você bem sabe que ele foi assassinado por seu próprio irmão Caim. E qual foi a razão da inimizade de Caim contra ele? Somos informados em I João 3.12: “não segundo Caim, que era do Maligno e assassinou a seu irmão; e por que o assassinou? Porque as suas obras eram más, e as de seu irmão, justas.”. Desça a todas as épocas sucessivas, e você ainda irá encontrar a mesma inimizade subsistindo entre a semente da mulher e a semente da serpente. Como a luz e as trevas, assim também Cristo e Belial, tanto em si mesmo e em seus membros, sempre foram, e sempre serão, opostos um ao outro, 2 Cor 6.14,15. Assim, a diversidade de provações a que os piedosos foram expostos, são apresentadas em resumo no 11º capítulo da Epístola aos Hebreus: “Alguns foram torturados, não aceitando seu resgate, para obterem superior ressurreição; outros, por sua vez, passaram pela prova de escárnios e açoites, sim, até de algemas e prisões. Foram apedrejados, provados, serrados pelo meio, mortos a fio de espada; andaram peregrinos, vestidos de peles de ovelhas e de cabras, necessitados, afligidos, maltratados (homens dos quais o mundo não era digno), errantes pelos desertos, pelos montes, pelas covas, pelos antros da terra.”
Vá ao tempo de Cristo e seus apóstolos: pode-se esperar que a sua luz superior e piedade, e os inúmeros milagres com os quais a sua missão divina foi confirmada, iria livrá-los de tal tratamento mau; e, especialmente, que o Senhor Jesus Cristo, cujo caráter era tão impecável, e cuja sabedoria era infinita, fosse capaz de superar os preconceitos de um mundo enfatuado e cego. Mas eles somente foram mais expostos aos insultos e crueldade dos ímpios em tal proporção que a sua luz brilhou com um esplendor mais brilhante. E todos os que nos primeiros séculos da Igreja se tornaram seguidores de Jesus, foram, em sua medida, submetidos às mesmas tentações, e tiveram que beber do mesmo cálice amargo.
O mesmo tratamento que lhes foi dado é encontrado nos presentes dias.
Temos observado que uma mera forma de piedade passará sem sofrer oposição; mas a piedade real e vital, nos sujeitará à censura em nossos dias, mais do que nunca. “Ora, todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos.” (2 Tim 3.12). Esse tipo de piedade que surge a partir de si mesma e termina em si mesma, vai nos levar a estarmos no favor do mundo, mas a que é derivada completamente de Cristo como sua boa fonte e autor, e que é exercida exclusivamente para o avanço de sua glória, é, e sempre será, odiosa aos olhos dos ímpios, precipitará a fúria dos demônios; e um homem que incorpora isso em sua vida e conversação não pode escapar da perseguição mais do que o próprio Cristo podia.
Receber tudo de Cristo, e fazer tudo por Cristo, é a própria essência da piedade cristã, e ao exigir isto de seus seguidores, o nosso bendito Senhor legou à sua Igreja uma fonte que nunca falha quanto ao mundo. Isto ele mesmo nos diz: “Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada. Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai; entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra. Assim, os inimigos do homem serão os da sua própria casa.” (Mt 10.34,35)
Consequentemente, encontramos de modo universal, que, quando uma pessoa começa a viver pela fé no Senhor Jesus Cristo, e a dedicar-se ao seu serviço, todos os seus amigos e parentes ficarão alarmados, e tentarão, por todos os métodos de ridicularização, ou ameaça, ou persuasão, desviá-lo de seu propósito. Deixe ele viver com todo o descuido de sua alma, e ninguém vai se incomodar com ele. Ele pode viver toda a sua vida em tal estado, e nenhum amigo vai exortá-lo a servir ao Senhor, mas a menor abordagem da piedade será desencorajada por cada amigo e parente que ele tiver. Não que a religião será desaprovada como religião em si; algum nome mal deve ser dado a isto em primeiro lugar, e em seguida, será reprovado sob esse caráter. Mas as próprias pessoas que mantêm na mais alta veneração os nomes dos apóstolos e dos grandes reformadores da nossa Igreja, e que elevariam santuários e monumentos aos santos falecidos punirão os santos vivos com o maior rancor; e fossem os apóstolos ou reformadores viverem novamente na terra, e receberiam o mesmo tratamento daqueles que lhes foi dado pelo povo da época em que eles viveram. Se eles chamaram de Belzebu ao Dono da casa, é em vão para qualquer um dos seus servos abrigar a esperança de que ele deve escapar de uma acusação semelhante.
Dolorosa como essa parte é a carne e o sangue, ninguém precisa temer isto, se atender às:
II. Instruções dos Apóstolo em relação a isto.
Deus graciosamente designa a seu povo esta parte, a fim de promover seu bem-estar espiritual, e para progressivamente transformá-los à imagem divina em verdadeira justiça e santidade. Daí Tiago exortar os seus irmãos que estavam sendo afligidos a considerarem suas provações como um meio para um fim;
1. Para darem boas-vindas aos meios.
A própria tendência das tentações é trabalhar a paciência em nossas almas. Elas, primeiro, operam efetivamente para a produção de impaciência, ou, melhor, devo dizer, para suscitar aquelas disposições más que se escondem em nossos corações. Desde que tenhamos o nosso orgulho em alguma medida, subjugado, não sabemos como suportar a indelicadeza que recebemos; nós nos preocupamos sob isto, e nos iramos como o novilho ainda não domado, mas quando descobrimos a nossa fraqueza, temos vergonha disso, e nos humilhamos diante de Deus por conta disso, e imploramos a sua graça para nos apoiar, e assim, somos gradualmente instruídos pela disciplina, e somos, finalmente, “fortalecidos com todo o poder, segundo a força da sua glória, em toda a perseverança e longanimidade; com alegria, dando graças ao Pai”, Col 1.11, que tem feito em nós uma grande mudança de coração e de vida que nos expõe à inimizade do mundo ímpio.
Agora, quando vemos o que o nosso bom Deus nos designou para estas tentações, devemos não somente estar reconciliados com elas, mas ser gratos por elas, como diz o apóstolo: “tenham por motivo de grande alegria o passardes por várias tentações.”, pois, o preço pode ser muito grande para a aquisição de algo tão valioso como a de um espírito manso, submisso e paciente? Nós submetemos nossa vontade a muitas coisas que desagradam a carne e o sangue para o avanço da nossa saúde física, e não devemos ficar felizes em não tomar as prescrições do nosso celeste Médico para a saúde de nossas almas? Que importa que sejam impalatáveis para o nossos gosto?
Devemos considerar a aflição como algo bom, quando sabemos quais os benefícios que resultarão delas; e isto é assegurado: “que os sofrimentos da presente vida não são dignos de serem comparados com o peso da glória que há de ser revelada em nós.”, Rom 8.18. Quando vemos, portanto, as nuvens se reunindo ao nosso redor, não devemos ficar alarmados, mas devemos dizer sim, com o agricultor cuja lavoura está morrendo com a seca, agora Deus está prestes a renovar e frutificar meu coração estéril, e suas nuvens devem cair copiosamente na minha alma. E no que meditam seus inimigos, senão somente no mal? Isto deveria trazer qualquer preocupação para você, quando sabe que eles têm se empenhado somente para anular tudo o que é bom? Digo, com o profeta : “Não temais” quaisquer ameaças, por maiores que elas possam parecer, nem se queixem de qualquer tentação, embora seja opressiva, mas se alegrem em meio a elas no seu Deus, e lhe bendigam por estar lhes considerando “dignos para suportá-las”, e aceitá-las como um inestimável “presente de suas mãos” , “e” ter prazer nelas” por saber o que elas vão certamente produzir para o seu bem-estar e para a “glória de Deus”, I Pe 4.14-16.
2. Para cultivar o fim.
Deus tem designado as provações como um meio de torná-lo semelhante a ele, que “foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca; como cordeiro foi levado ao matadouro; e, como ovelha muda perante os seus tosquiadores, ele não abriu a boca.”, Is 53.7. Busquem experimentar esse benefício delas, e “tenha a paciência a sua obra perfeita em vocês, para que sejas perfeitos e completos, sem faltar nada.”, não se queixe que suas tentações são pesadas, ou de longa duração, mas esteja mais ansioso para ter a sua escória consumida, do que ter a intensidade do forno reduzida. Foi “por meio de sofrimentos que o Senhor Jesus Cristo foi aperfeiçoado”, Heb 2.10, e se “Ele aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu”, não devemos estar prontos para aprendê-la da mesma forma?
Estamos sempre prontos para pensar que a perfeição consiste em virtude ativa, mas Deus não é nem um pouco menos honrado na virtude passiva, e quando a paciência até agora tem operado em sua alma como para fazê-lo “gloriar-se nas tribulações” por amor ao Senhor, e você possa dizer a partir do íntimo de sua alma, em todas as circunstâncias, “Não a minha vontade, mas seja feita a tua”, você terá atingido aquela medida de santidade que constitui a perfeição, e você vai em breve, como o trigo que está completamente maduro, ser guardado no celeiro de seu Pai celestial. Você já leu que Jesus, depois de ter sofrido a cruz, desprezando a vergonha, se assentou à direita do trono de Deus, esteja então contente, por “sofrer juntamente com ele, para que, no devido tempo, você possa ser glorificado.” Que este seja o seu único objetivo; e ore para que “o Deus de paz, que tornou a trazer dos mortos a nosso Senhor Jesus através do sangue da aliança eterna, lhe aperfeiçoe em toda boa obra para fazer a sua vontade, operando em você o que é bom e agradável à sua vista, através de Cristo Jesus.”
Tradução e adaptação feitas pelo Pr Silvio Dutra, de um texto de Charles Simeon, em domínio público.