É uma grande promessa sobre a pessoa de Cristo, o modo como ele foi dado à igreja, (“porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu”, Isaías 9.6) de quem Deus disse: “Eis que eu assentei em Sião uma pedra, pedra já provada, pedra preciosa, angular, solidamente assentada; aquele que crer não foge.” Isaías 28.16.
Também foi anunciado a respeito dele, que esse fundamento precioso deveria ser “pedra de tropeço e rocha de ofensa às duas casas de Israel, laço e armadilha aos moradores de Jerusalém. Muitos dentre eles tropeçarão e cairão, serão quebrantados, enlaçados e presos.”, Isaías 8.14,15.
De acordo com esta promessa e predição, para todas as épocas da igreja, o apóstolo Pedro declara a respeito da primeira delas, “Portanto”, diz ele, “isso está na Escritura: Eis que ponho em Sião uma pedra angular, eleita e preciosa; e quem nela crer não será, de modo algum, envergonhado. Para vós outros, portanto, os que credes, é a preciosidade; mas, para os descrentes, a pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular e: Pedra de tropeço e rocha de ofensa. São estes os que tropeçam na palavra, sendo desobedientes, para o que também foram postos.”, I Pedro 2.6-8.
Para os que creem nele para a salvação da alma, ele é sempre precioso; o sol, a rocha, a vida, o pão de suas almas, cada coisa que é boa, útil, amável, desejável aqui ou até a eternidade.
Nele, dele e por ele, é toda a sua vida espiritual e eterna, luz, poder, crescimento, consolo e alegria aqui; com a salvação eterna a seguir.
Por ele somente é feito o que eles desejam, esperam, e obtêm a libertação daquela terrível apostasia de Deus, que é acompanhada de tudo o que é mau, nocivo e destrutivo de nossa natureza, e que, sem alívio, conduzirá a uma miséria eterna. Por ele, eles são trazidos a um conhecimento mais próximo, a uma aliança e amizade com Deus, e a mais firme união com ele, e a mais santa comunhão com ele, que nossas naturezas finitas são capazes de ter, e assim serão conduzidos ao eterno gozo que procede dele.
Pois nele “toda a descendência de Israel será justificada, e se gloriará”, Isaías 45.25. Porque “Israel, porém, será salvo pelo SENHOR com salvação eterna; não sereis envergonhados, nem confundidos em toda a eternidade.”, Isaías 45.17.
Nestas e em outras passagens similares, o principal propósito de todas as suas vidas naquele que é assim tão precioso, é o de se familiarizarem com ele, o mistério da sabedoria, da graça e do amor de Deus, em sua pessoa e mediação, como revelou a nós nas Escrituras, que é vida eterna, João 17.3; a confiarem nele, e viverem nele, com tudo o mais que é eterno e que se refere às suas almas, para amá-lo e honrá-lo de todo o coração, esforçando-se para serem conformados a ele, em todos aqueles caracteres da bondade e santidade divinas, que são implantados neles, por meio dele. Nestas coisas consistem a alma, a vida, o poder, a beleza e a eficácia da religião cristã, sem o que, quaisquer que sejam os ornamentos exteriores serão inúteis, uma carcaça sem vida.
A totalidade deste desígnio é expressada naquelas palavras celestiais do apóstolo, Fp 3.8-12: “Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo e ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé; para o conhecer, e o poder da sua ressurreição, e a comunhão dos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte; para, de algum modo, alcançar a ressurreição dentre os mortos. Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus.”
Esta é uma expressão divina daquela estrutura de coração, daquele desígnio que é predominante e eficaz naqueles para os quais Cristo é precioso.
Mas, por outro lado, de acordo com a previsão mencionada, como ele tem sido um fundamento para todos os que creem, por isso, ele tem de igual modo sido uma pedra de tropeço e rocha de escândalo, para todos os que tropeçam na Palavra, sendo desobedientes, para o que também foram postos. Não há nada neles, não há nada que se relacione a ele, nada dele, sua pessoa, sua natureza, seu ofício, sua graça, seu amor, seu poder, sua autoridade, sua relação com a igreja, sendo assim para muitos uma pedra de tropeço e rocha de escândalo.
A respeito destas coisas têm sido todas as lamentáveis contestações, expressadas e criadas por aqueles que têm feito uma profissão externa da religião cristã. E esta oposição ao Senhor Jesus Cristo nestas coisas por homens de mentes perversas, tem arruinado as suas próprias vidas, bem como têm sido feitos em pedaços contra esta rocha eterna; por isso em conjunto com outros desejos e interesses das mentes carnais dos homens, o mundo tem sido enchido com sangue e confusão.
A reentronização – da pessoa, do espírito, da graça e da autoridade de Cristo, nos corações e nas consciências dos homens, é o único caminho é a única maneira de se colocar um ponto um final nesses lamentáveis conflitos. Mas isso não é para ser esperado em qualquer grau de perfeição, entre aqueles que tropeçam nesta pedra de escândalo, para o que eles foram postos.
É no reconhecimento da verdade que concerne a essas coisas, que consiste a fé de um modo especial, e isto foi a vida e a glória da igreja primitiva, a qual eles fervorosamente defenderam, na qual e pela qual eles foram vitoriosos contra todas as formas de tropeços do adversários, pelos quais foram agredidos.
Ao darem testemunho, não amaram as suas vidas até a morte, mas derramaram o seu sangue como água, sob todas as perseguições pagãs, que não tinham outro propósito, senão o de lançá-los para baixo e separá-los desta rocha inexpugnável, este fundamento precioso. Na defesa dessas verdades fizeram orações, estudos, e escritos, contra os enxames de sedutores aos quais eles se opuseram.
(Desta parte em diante, John Owen faz uma apresentação sucinta de cada capítulo deste tratado – nota do tradutor).
Capítulo 1 – O fundamento de tudo repousa na vindicação das palavras de nosso bendito Salvador, nas quais ele declara ser a rocha sobre a qual a igreja é edificada. Mateus 16.18. “Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.”
A pretendida ambiguidade atribuída a estas palavras, tem sido levantada pelos interesses seculares dos homens, para dar ocasião à controvérsia prodigiosa entre cristãos, ou seja, se Jesus Cristo ou o papa de Roma são a rocha sobre a qual a igreja é edificada.
Os santos homens da antiguidade para os quais Cristo era precioso, sendo imaculados, e sem os desejos de grandeza secular e poder, nada sabiam disto. Testemunhos podem ser dados, eles têm sido multiplicados por outros para este propósito. Mencionarei alguns poucos deles.
Inácio diz em sua Epístola a Filadelfo. “Ele” (isto é, o Cristo ) “é o caminho que conduz ao Pai, a rocha, a chave, o pastor.” E Orígenes expressamente afirma em relação a estas palavras que foram proferida pelo Senhor em Mt 16.18:
“Se você deve pensar que toda a igreja foi edificada em Pedro somente, o que devemos dizer de João, e de cada um dos apóstolos? O que, nos atreveremos a dizer, que as portas do inferno não prevalecerão apenas contra Pedro?”
Assim, ele expressa em comum acordo com a opinião dos antigos, que não havia nada – peculiar na confissão de Pedro, e na resposta dada pelo Senhor à mesma, bem como em si mesmo, senão que ele falou em nome de todos os demais apóstolos.
Eusébio, em Prgeparat . Evangel , liv. i. cap. 3, afirma: “Ele comprova a veracidade das predições divinas do cumprimento glorioso daquela palavra da promessa de nosso Salvador, que ele iria construir sua igreja na rocha” (isto é, ele mesmo), “de modo que as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Porque esta é o único fundamento inabalável; esta é a bendita rocha da fé, confessada por Pedro, tu és o Filho do Deus vivo.”
(O próprio Pedro foi edificado nesta rocha, e quanto trabalho ele deu ao Senhor para ser edificado e confirmado. A começar por sua negação, sua resistência para ir à casa de Cornélio, sua dissimulação em Antioquia, quando foi repreendido por Paulo, e as tantas situações que devem ter ocorrido e que não estão registradas nas Escrituras, que demonstram que Pedro era um homem comum tal como nós, mesmo quando já era um crente, e necessitava continuar debaixo do trabalho de aperfeiçoamento operado pela Rocha da igreja, na qual somos firmados, a saber, nosso Senhor Jesus Cristo – nota do tradutor).
Agostinho, assim se expressou: “Sobre esta rocha que tu tens confessado a mim mesmo o Filho do Deus vivo, edificarei a minha igreja. Edificar-te-ei sobre mim, e não em ti”. E ele declarou mais plenamente sua mente, ao afirmar: “A Igreja no mundo é abalada por várias tentações, como por inundações e tempestades, mas não cai, porque ela é construída sobre a rocha (Petra) de onde Pedro tomou seu nome (Petros). Porque a rocha não é chamada Petra procedente de Pedro, mas Pedro é chamado de Petros na rocha; assim como Cristo não é assim chamado por ser procedente de cristão, senão que cristão é procedente de Cristo.
Por isso, disse o Senhor, sobre esta rocha edificarei a minha igreja; porque Pedro havia dito. Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. Sobre esta rocha, que tens confessado, eu edificarei a minha igreja. Porque Cristo era a rocha sobre cujo fundamento o próprio Pedro foi construído. Porque outro fundamento, ninguém pode colocar, salvo o que já está posto, o qual é Jesus Cristo.” – I Coríntios 3.11.
Cap. II – Contra esta rocha, este fundamento da igreja, a pessoa de Cristo, e a fé da igreja sobre ele, grande oposição tinha sido feita pelas portas do inferno. Sem mencionar a ira do mundo pagão, se esforçando por todos os efeitos da violência e crueldade para arrancar a igreja deste fundamento; todas as heresias com as quais desde o início, e por alguns séculos foi importunada, consistiram na oposição direta à eterna verdade sobre a pessoa de Cristo.
Seu início se deu no início da igreja, antes mesmo da escrita do Evangelho de João ou de suas revelações, e, na verdade antes de algumas das epístolas de Paulo. E embora o seu início, tenha sido pequeno e, aparentemente, desprezível, ainda assim, estava cheio do veneno da velha serpente, e se difundiram em várias formas, até que não havia mais nada de Cristo, nada que se relacionasse a ele, e nada às suas duas naturezas, divina e humana, nem seus atributos e operações, que não tivesse sido atacado e agredido por eles.
Especialmente quando tão logo o evangelho havia subjugado o império Romano a Cristo, e até mesmo seus governantes, o mundo inteiro ficou durante alguns séculos cheio de tumultos, confusão, e desordens escandalosas sobre a pessoa de Cristo, através das oposições amaldiçoadas que lhe foram feitas pelas portas do inferno. A igreja verdadeira nunca teve qualquer descanso desses conflitos por cerca de 500 anos.
Mas nesse período de tempo, o poder da verdade e da religião começou a decair universalmente entre os cristãos nominais, e Satanás aproveitou para fazer esses estragos e destruição da igreja, por superstição, falsa adoração, e profanação da vida, e que ele havia falhado em sua tentativa contra a pessoa de Cristo, ou a doutrina da verdade concernente a isto.
Seria um trabalho tedioso, e poderia não ser de muito lucro para aqueles que são totalmente alheios em relação às coisas passadas há tanto tempo atrás, e que parecem não lhes dizer respeito, dar-se conta de tantas heresias pelas quais se tentou derrubar esta rocha e fundamento da igreja; e até mesmo para aqueles que investigaram os registros da antiguidade, isto seria completamente inútil. Porque quase todas as páginas deles à primeira vista apresentam aos leitores uma conta de apenas alguns deles. Ainda que eu estime isto como útil, a saber, que o tipo mais comum de cristãos deve, pelo menos, em geral, estar familiarizado com o que já se passou em relação à pessoa de Cristo, desde o início.
Porque há duas coisas relacionadas a isto, onde sua fé está muito interessada. Porque primeiro, há evidências que nos são dadas quanto à verdade das previsões das Escrituras sobre esta fatal apostasia da verdade, e da oposição ao Senhor Jesus Cristo; e, em segundo lugar, uma eminente demonstração do seu poder e fidelidade em decepcionar e vencer as portas do inferno, no enfrentamento dessa oposição.
A defesa da verdade desde o princípio; foi deixada ao encargo de guias e líderes da igreja em suas diversas capacidades. E foi pela Escritura que eles cumpriram o seu dever, confirmado com a tradição apostólica. Isso foi deixado ao seu encargo pelo grande apóstolo: Atos 20.28-31; 1 Tim 6.13,14; 2 Tim 2.1, 2; 5.23,24; 4.1-4; e quando alguns deles falhavam neste dever, eram reprovados pelo próprio Cristo: Apo 2.14,15,20.
E todos os crentes deveriam também cumprir fielmente o seu dever relativo à defesa da verdade, de acordo com o mandamento que lhes fora dado: 1 João 2.20,27; 4.1-3; 2 João 8,9.
Todos os verdadeiros crentes em suas várias épocas, pela vigilância mútua, pregação, ou escritos, de acordo com suas chamadas e habilidades, usando eficazmente os meios externos para a preservação e propagação da fé da igreja. E os mesmos meios são ainda suficientes para os mesmos fins. A pretensa defesa da verdade com as artes e os braços de outro tipo, tem sido a ruína da religião, e a perda da paz de cristãos, além da recuperação. E isso pode ser observado, que enquanto este único modo de se preservar a verdade foi mantido, embora inúmeras heresias surgissem uma após outra, e algumas muitas vezes juntamente, elas nunca fizeram qualquer grande progresso, nem chegaram a uma consistência, pela qual pudessem se afirmar em oposição contra a verdade, mas os erros e seus autores eram como meteoros cadentes que apareciam por pouco tempo, e desapareciam.
Com o decorrer do tempo, quando o poder do império Romano deu proteção à religião cristã, um outro modo foi fixado para esse fim de preservar a verdade, com a utilização de assembleias de bispos e outros como eles foram chamados de concílios gerais, com uma composição mista, em parte civil e em parte eclesiástica, com respeito à autoridade dos imperadores, que começaram a chamada jurisdição da igreja. Este método foi iniciado no Concílio de Niceia, onde embora houvesse uma determinação de doutrina sobre a pessoa de Cristo, então, em agitação, e oposição, à sua natureza divina, de acordo com a verdade, ainda assim diversos males e inconvenientes se seguiram.
E a partir daí a fé dos cristãos começou a ser mais esclarecida com base na autoridade dos homens, e já não se colocava mais tanto peso no que era claramente ensinado nas Escrituras.
Os Arianos, que negam a divindade de Cristo, acharam uma incrível vantagem neste Concílio para expandir sua convicção contrária às Escrituras.
Em concílios posteriores, como em Éfeso e em Calcedônia, a natureza divina de Cristo continuou sendo discutida quanto se era da mesma essência ou substância que a de Deus Pai.
No entanto, tal era o vigilante cuidado de Cristo sobre a igreja para a preservação desta sagrada verdade fundamental, relativa à sua pessoa divina, e a união de suas naturezas, mantendo as suas propriedades e operações distintas, que, não obstante toda a facção e desordem que havia naqueles Concílios, e as escandalosas contestações de muitos dos seus membros; a determinação contrária a isto, em grandes e numerosos concílios; a fé foi preservada inteira nos corações de todos que realmente criam, e triunfou sobre as portas do inferno.
Mencionei essas poucas coisas que pertencem à promessa e predição de nosso bendito Salvador, Mt 16.18, para mostrar que a igreja sem qualquer desvantagem para a verdade, pode ser preservada sem essas assembleias gerais, que em épocas posteriores provaram ser mais perniciosas para a corrupção da fé e da adoração. Sim, desde o início eles estiveram tão distantes da única forma de preservar a verdade, que a mesma quase sempre era prejudicada pela adição da autoridade deles para a sua confirmação. Também não houve qualquer um deles, em que o mistério da iniquidade não tivesse trabalhado para a colocação de algum lixo no fundamento da apostasia fatal, que mais tarde abertamente se seguiu.
O próprio Senhor Jesus Cristo, tinha tomado isto sobre si, para construir sua igreja sobre esta rocha de sua pessoa, por verdadeira fé dele e nele. Ele envia o seu Espírito Santo para dar testemunho dele, em todos os efeitos abençoados do seu poder e graça. Ele confirma a sua palavra pela ministração fiel dela, para revelar, declarar, fazer conhecido, e reivindicar a sua verdade sagrada, para a convicção de opositores.
Ele afirma que nada poderá prevalecer contra a fé nele, e o amor a ele, nos corações de todos os seus eleitos. Portanto, a par das oposições a esta verdade sagrada, este artigo fundamental da igreja e da religião cristã, acerca de sua pessoa divina, sua constituição e uso, quanto a sua natureza humana conjugada substancialmente a ela, e subsistindo nela, ainda que seja contestado com mais sutileza e pretextos capciosos do que nos séculos anteriores, ainda assim, pelo cumprimento do nosso dever e da ajudas da graça a nós proposta, vamos finalmente triunfar nesta causa, e transmitir esta verdade sagrada inviolavelmente àqueles que nos sucederem na profissão dela.
Capítulo III – A pessoa de Cristo, que é o fundamento sobre o qual a igreja é edificada, apesar de todos os tipos de oposições que são realizadas e projetadas, é o efeito mais inefável da bondade e sabedoria divinas; sobre o qual trataremos agora. Mas aqui, quando eu falo da constituição da pessoa de Cristo, eu me refiro não à sua pessoa absolutamente como ele é o eterno Filho de Deus. Ele era realmente, verdadeiramente, completamente, uma pessoa divina, desde a eternidade, que está incluído na noção de ser o Filho, e assim distinto do Pai, que é a sua personalidade completa. Seu ser assim não era um artifício voluntário ou efeito da sabedoria divina e bondade, sua geração eterna sendo necessariamente um ato interno da natureza divina na pessoa do Pai.
Da geração eterna da pessoa divina do Filho, os escritores da antiga igreja constantemente afirmaram firmemente que isto era para ser crido.
Sobre o mistério da pessoa de Cristo, Maxêncio, bem se expressou: “Nós não confundimos a diversidade das naturezas de Cristo, embora não acreditemos que é o que você afirma, que Cristo foi feito Deus, mas cremos que Deus se fez Cristo. Por que ele não foi feito rico quando ele era pobre, mas sendo rico, se fez pobre, para que ele pudesse nos fazer ricos. Ele não tomou a forma de Deus, quando ele foi achado sob a forma de um servo, mas por ter a forma de Deus, ele tomou sobre si a forma de servo. Da mesma forma, ele não foi feito a Palavra, quando ele era carne, mas, sendo a Palavra, ele se fez carne.”
Capítulo IV – Que ele era o fundamento de todo o santo conselho de Deus, com respeito à vocação, santificação, justificação e salvação eterna da igreja, é declarado em seguida. E ele foi assim em três aspectos.
1. Do inefável prazer mútuo do Pai e do Filho naqueles conselhos desde toda a eternidade.
2. Como o único caminho e meio da realização destes os conselhos e a comunicação de seus efeitos para a eterna glória de Deus.
3. Como ele estava em sua própria pessoa como encarnado, a ideia e exemplo na mente de Deus de tudo o que a graça e a glória na igreja, que foi concebido para ela naqueles eternos conselhos. Como a causa de tudo de bom para nós, ele é reconhecido nisto pelos antigos.
Clemente disse: “Ele , portanto, é a Palavra, a causa do nosso ser, pois ele estava em Deus, e a causa do nosso bem-estar. Mas agora ele tinha aparecido aos homens, a mesma Palavra eterna, o único que é ao mesmo tempo Deus e homem, e para nós, a causa de tudo o que é bom.”
Capítulo V – Ele também é declarado no próximo lugar, como sendo a imagem e o grande representante de Deus, o Pai, para a igreja. Em várias passagens ele é assim chamado, e declarado totalmente por ele próprio.
Em sua pessoa divina, como ele era o unigênito do Pai desde a eternidade, ele é a imagem essencial do Pai, pela geração de sua pessoa, e a comunicação da natureza divina a ele mesmo.
Encarnado, ele é ao mesmo tempo em sua própria pessoa inteira Deus e homem, e na administração de seu ofício, a imagem ou o representante da natureza e da vontade de Deus para nós, pois está totalmente provado.
Então, assim fala Clemente de Alexandria: “A imagem de Deus é a sua própria palavra, o Filho natural da mente eterna, o Verbo divino, a Luz original, e a imagem da Palavra feita homem”. E o mesmo autor, disse: “A Palavra é a face, o rosto, a representação de Deus, em quem ele é trazido à luz e se fez conhecido”.
Assim como está em sua pessoa divina sua eterna imagem essencial, por isso, em sua encarnação, sendo o instrutor dos homens, ele é a representação da imagem de Deus para a igreja.
Capítulo VII – Sobre a glória desta pessoa divina de Cristo depende a eficácia de todos os seus ofícios; uma especial demonstração é dada portanto em seu ofício profético. Então, isto é bem expressado por Irineu: “Nós não poderíamos ter aprendido de outra forma as coisas de Deus, a menos que o nosso Mestre fosse e continuasse a ser o eterno. A Palavra se fez homem. Por nenhuma outra forma as coisas de Deus poderiam ser declaradas a nós, senão pela sua própria Palavra. Porque quem jamais conheceu a mente do Senhor? ou quem se fez seu conselheiro? Ninguém por outro lado poderia ter aprendido, de outra forma, a menos que tivéssemos visto o nosso Mestre, e ouvido a sua voz. (na sua encarnação e ministério), que seguindo suas obras e lhe dando obediência à sua doutrina, podemos ter comunhão com Ele.”
Capítulo IX – No nono capítulo, e nos seguintes, nós tratamos da honra divina que é devida à pessoa de Cristo, expressada em adoração, invocação, e obediência procedentes da fé e do amor. E o fundamento disso tudo repousa na descoberta da verdadeira natureza e nas causas de tal honra, e três coisas são projetadas aqui em confirmação.
1. Que a natureza divina, que individualmente é a mesma em cada Pessoa da Santíssima Trindade, é o objeto formal adequado de todo culto divino, em adoração e invocação; portanto, nenhuma pessoa é ou pode ser adorada exclusivamente, mas no mesmo ato individual de adoração, cada pessoa da trindade é igualmente cultuada e adorada.
2. Que é lícito direcionar para a honra divina, a adoração e invocação a qualquer pessoa, no uso de seu nome peculiar, o Pai, o Filho, ou o Espírito Santo, ou a eles em conjunto, mas fazer qualquer pedido a uma pessoa, e imediatamente o mesmo a outra, não é exemplificado na Escritura, nem entre os escritores antigos da igreja.
3. Que a pessoa de Cristo como Deus-homem, é o próprio objeto de toda honra e adoração divina, por conta de sua natureza divina, e tudo o que ele fez em sua natureza humana, são os motivos para isso.
O primeiro destes é a doutrina constante de toda igreja antiga, ou seja, que se em nossas orações e invocações, chamamos expressamente em nome do Pai, ou do Filho, ou do Espírito Santo, se o fazemos absoluta ou relativamente, isto é, quanto a relação de uma pessoa para a outra, como invocando a Deus como o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo; a Cristo como o Filho de seu amor; ao Espírito Santo como procedente de ambos; nós formalmente invocamos a natureza divina, e, conseqüentemente, toda a Trindade, e cada pessoa da mesma.
Esta verdade eles principalmente confirmaram com a forma de nossa iniciação em Cristo no batismo, conforme por ele ordenado: “te batizo em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.”, porque, nisso está contido a soma de toda a honra divina.
Está previsto na sabedoria e justiça de Deus, que Satanás deveria ser vencido e subjugado pela mesma natureza contra a qual ele havia prevalecido, por sua sugestão e tentação.
Para este propósito Tedoreto escreveu: “Portanto , como dissemos antes, ele uniu o homem a Deus. Pois, se o homem não tinha vencido o adversário dos homens, o inimigo não tinha sido justamente vencido, e, por outro lado, se Deus não tivesse dado e garantido a salvação, nunca poderíamos ter uma firme e imprescritível posse da mesma, e se o homem não tivesse sido unido a Deus, ele não poderia ter sido participante da imortalidade.
Convinha, portanto, o Mediador entre Deus e o homem, por sua própria participação da natureza de cada um deles, para trazê-los em amizade e concordância mutuamente.”
Isto pertence a este grande mistério, e é fruto da sabedoria divina, que a nossa libertação deva ser feita pela mesma natureza, em que nós fomos arruinados.
Se o Senhor tivesse encarnado, por qualquer outra disposição (isto é, causa, razão, ou finalidade), e se fizesse carne de qualquer outra substância (isto é, celestial ou etérea, como os gnósticos imaginam), ele não teria recuperado os homens, não teria trazido a nossa natureza em si mesmo, nem poderia ter sido dito que se fez carne. Ele, portanto, se fez carne e sangue, não de qualquer outro tipo, mas ele tomou para si o que foi originalmente criado pelo Pai, procurando isto que se havia perdido.
Jesus Cristo, a Palavra de Deus, que a partir de seu próprio amor infinito foi feito o que nós somos, para que pudesse nos fazer o que ele é; isto é, pela restauração da imagem de Deus em nós.
O que havíamos perdido em Adão, isto é, a nossa imagem e semelhança de Deus, devemos recuperar em Cristo. Porque não era possível que o homem, que tinha sido uma vez vencido e quebrado por desobediência, devesse por si próprio ser reformado, e obter a coroa de vitória, nem isto seria ainda possível, que aquele que caiu sob o pecado, devesse operar a sua salvação.
Ambos foram realizados pelo Filho, a Palavra de Deus, que desceu do Pai, e encarnou, e se submeteu à morte, aperfeiçoando a dispensação da nossa salvação.
O leitor pode ver o que é discursado para esses fins; e porque o grande objetivo da descrição dada à pessoa de Cristo, é para que possamos amá-lo e, assim, ser transformados à sua imagem, vou fechar este prefácio com as palavras de Jerônimo, a respeito deste amor divino a Cristo, que é amplamente declarado.
“Se lês ou escreves, se tu vigias ou dormes, deixe o som da voz do amor (a Cristo), soar nos teus ouvidos, deixe este trompete agitar a tua alma; sendo dominado (trazido em um êxtase), com este amor, procure-o na tua cama, quem deseja e suspira pela tua alma.”
Tradução e redução do prefácio do tratado escrito por John Owen, sob o mesmo título, em domínio público, efetuadas por Silvio Dutra.