É interessante como muitas vezes a prática contradiz a teoria ou, como diz o jornalista Joelmir Beting, “na prática a teoria é outra”. Tenho observado que o discurso do G12 vem se perdendo em suas práticas.
Quando do início do movimento uma das frases mais ouvidas era: “vamos expulsar o espírito de Roma do Brasil”. Entendia-se por “espírito de Roma” toda a influência católica em nosso país. O Pr Ricardo Gondim narra em um de seus artigos uma destas tentativas de “exorcismo da nação”:
A pastora Miriam Silva prometera algumas surpresas. Na data marcada uma pequena multidão superlotou o seu auditório em São Paulo. O ar pastoso e quente não inibia a euforia que passava de pessoa para pessoa. Ondas de uma eletricidade emocional causavam arrepios em todos. Cantaram-se hinos, todos convocando os crentes para uma batalha. De repente, portas se abriram e a pastora Miriam entrou, acompanhada por alguns de seus oficiais. Trajava um uniforme militar e carregava uma baioneta.
A voltagem subia a cada cântico. Abriu-se mais uma porta e seis homens surgiram carregando um caixão de defunto. Os gazofilácios serviram de apoio para repousarem a urna funerária. Agora o frenesi emocional misturava-se à perplexidade. Tudo se mostrava inusitado demais. A pastora Miriam sacou a baioneta e com ela em punho pregou o seu sermão. Culpava a cultura romana pelos percalços brasileiros. “Somos pobres, vivemos no meio da violência e estacionamos em nosso desenvolvimento devido ao ‘espírito de Roma'”. “Esse espírito”, continuou, “nos ensinou a guardar o domingo e batizar crianças.
Temos de matar esse espírito, ele não provém de Deus”. Depois de condenar o “espírito de Roma”, convocou a todos a verificarem se não se contaminaram com o tal espírito.
Abriram o caixão e as pessoas trouxeram um papel escrito, indicando como se sujaram por Roma. Ao se aproximarem, enxergavam-se num espelho estrategicamente colocado onde repousaria a cabeça do morto. Depois que todos depositaram seus papeis naquele móvel sinistro, repuseram a sua tampa e esperaram. A pastora desceu com a baioneta em posição de ataque e começou a esfaquear o caixão. Lancetava com tanto furor que lascas de madeira voavam pelo espaço.
Ao terminar, deixou claro para o auditório que aquilo não fora apenas uma encenação; haviam presenciado um “ato profético”. Prometeu que, depois daquele evento, Deus reverteria a sorte do Brasil.
Comparando Discurso e Prática
É fato notório que a igreja romana tem grande inserção na formação do pensamento religioso da nossa nação. Mesmo aqueles que não freqüentam a igreja católica ou ainda aqueles que não compreendam a doutrina romana são influenciados por seus dogmas. Pessoas não vão às missas, mas se “benzem” fazendo o sinal da cruz, não passam pela catequese, mas clamam por Maria e por aí vai, dentre outras coisas.
Lutar contra este estado de coisas realmente seria algo digno de admiração e respeito, mas achar que tudo vai mudar por meio de “atos proféticos”, “decretos de fé”, ou coisa que o valha, é ter um entendimento distorcido do verdadeiro papel da Igreja de Cristo.
Tanto isso é verdade que a práticas e ensinamentos do próprio movimento G12 o estão tornando cada vez mais parecido com o catolicismo. Senão, vejamos:
* A unção com óleo de determinados locais (rua, bairro, dentro outros) de uma cidade com o propósito de despojar principados espirituais se assemelha em muito com a antiga prática católica de se fazer o mesmo com “água benta” numa casa para livra-la de “influências malignas”. O princípio é o mesmo: existe um espírito maligno dominando o local e ele precisa ser mandado embora através de um elemento físico consagrado, no G12 o óleo, na igreja católica a água. É bom lembrar que na Bíblia o óleo nunca teve este tipo de utilização nem no Antigo nem no Novo Testamento.
* A confissão de pecados aos líderes também é algo em comum e que salta aos olhos quando olhamos para o catolicismo e para o G12. O fiel, em ambos os casos, é ensinado que o perdão será liberado com a devida confissão ao líder. Conheço casos em que pessoas foram orientadas a fazerem esta confissão durante os “encontros” e, assim como nas seitas, se tornam presas a quem agora se torna sabedor dos seus segredos mais íntimos.
* A crença em maldição hereditária também conduz as pessoas a, de certa forma, orar pelos mortos. Na crença de que males serão afastados de sua vida pedindo perdão pelos pecados dos seus antepassados, o crente é ensinado a interceder por quem já morreu. Um dos teólogos das maldições afirma que se alguém orar por três ou quatro gerações e não der certo (???), se não conseguir quebrar a maldição (como vai saber se a maldição do tio-avô foi quebrada?), ele diz: “Quando um fenômeno parece resistir à quebra de uma maldição, vá a quinze ou vinte gerações”. Isso é complemente fora de sentido! Observe-se que mesmo que se “quebrem” as maldições, há outros descendentes dos antepassados (tios, irmãos, primos) nos quais os problemas vão permanecer. Já os católicos fazem orações por entes queridos para que os mesmos, através de missas em sufrágio de suas almas, sejam livres do purgatório. Mas não é só a igreja romana que ensina orações de quebra de maldição, a umbanda também faz uso delas.
* A utilização de elementos do judaísmo, nos dois Arraias (G12 e Catolicismo), também é visto facilmente. Há igrejas evangélicas nas quais seus pastores usam estolas sacerdotais, assim como os sacerdotes judaicos e assim como os padres. É um elemento comum também o Kipá, espécie de gorro usado por homens judeus e também por autoridades católicas, vide o exemplo de papas, bispos e arcebispos. Festas como Pentecostes agora são celebradas não somente pelos judeus, mas também por católicos e gedozianos.
* A instituição de um clero também é algo em comum. Na igreja católica, bispos, arcebispos, padres e outros cargos são exercidos por homens tidos como mais “ungidos”, com acesso direto a Deus e que exercem funções sacerdotais. No G12, o grupo dos doze escolhidos pelo pastor forma a elite, a “liderança de excelência”, devem ser obedecidos e nunca questionados, devendo eles submissão somente ao próprio pastor que tem os rumos da igreja na sua mão.
* O sacerdócio universal dos crentes, uma das maiores bandeiras da Reforma Protestante, é algo desprezado tanto no catolicismo como no G12.
Sobre este tema gostaria de me aprofundar um pouco mais. Observe a seguinte declaração:
O sacerdócio universal dos crentes, uma das maiores bandeiras da Reforma Protestante, é algo desprezado tanto no catolicismo como no G12.
Esta afirmação é parte de um estudo elaborado pelo autodenominado apóstolo René Terra Nova. Hoje se tem pregado muito a necessidade da restauração do sacerdócio nos moldes do Antigo Testamento.
De certa forma, esta restauração já tem sido vista na prática quando o pastor é visto como um intermediário da relação do homem com Deus. O sentido teológico do sacerdote hebreu parece permear fortemente o sentido teológico do pastor neotestamentário na visão das pessoas que propagam a restauração do sacerdócio veterotestamentário.
Este conceito convém ao pastor que prefere ser chamado de “líder”. Ele se torna um homem acima dos outros, incontestável, líder que deve ser acatado. Tem uma autoridade espiritual que os outros não tem. O pastor do NT passa a ter a conotação do sacerdote do AT. É o “ungido”, detentor de uma relação especial com Deus que os outros não têm. Só ele pode realizar certos atos litúrgicos, como o sacerdote do AT. Por exemplo, batismo e ceia só podem ser celebrados por ele. Assumimos isto como postura, mas não é uma exigência bíblica.
No G12 isto é mais forte. Os pastores tornam a igreja dependente deles. Sua palavra é recebida como lei, decreto, ainda que esteja em evidente contradição com a Bíblia. Em alguns casos, reivindicam até o direito de receber ofertas especiais para si e as chamam de primícias, num claro retorno a figura sacerdotal do Antigo Testamento.
O estudioso Alderi Souza de Matos escreveu o seguinte sobre o Sacerdócio Universal dos Crentes:
* O princípio do sacerdócio universal dos crentes nos fala do grande privilégio que temos como filhos de Deus: cada cristão é um sacerdote, cada cristão tem livre e direto acesso à presença de Deus, tendo como único mediador o Senhor Jesus Cristo, não precisamos que um pastor ou apóstolo faça isso por nós.
* Todavia, esse princípio jamais deve ser entendido de maneira individualista. A ênfase dos reformadores está no seu sentido comunitário. Somos sacerdotes uns dos outros, devendo orar, interceder e ministrar uns aos outros. À luz do Novo Testamento, todo cristão é um ministro (diákonos) de Deus, o que ressalta as idéias de serviço e solidariedade.
* Num certo sentido, todos os crentes são “leigos”, palavra que vem do termo grego laós, o povo de Deus. Todavia, a Escritura claramente fala de diferentes dons e ministérios. Alguns cristãos são especificamente chamados, treinados e comissionados para o ministério especial de pregação da Palavra e ministração dos sacramentos.
* Os “leigos”, no sentido daqueles que não são “ministros da Palavra”, também têm importantes esferas de atuação à luz do Novo Testamento. Os líderes da igreja devem falar sobre o ministério do povo de Deus, bem como instruir e incentivar os crentes e desempenharem o seu ministério pessoal e comunitário. A placa de uma igreja nos Estados Unidos dizia o seguinte: “Pastor: Rev. tal; Ministros: todos os membros”.
* O sacerdócio universal dos crentes corre o risco de tornar-se mera teoria em muitas igrejas evangélicas. Sempre que os pastores exercem suas funções com excesso de autoridade, insistindo na distância que os separa da comunidade, relutando em descer do pedestal em que se encontram, concentrando todas as atividades de liderança e não sabendo delegar responsabilidades às suas ovelhas, tornando as suas igrejas excessivamente dependentes de sua orientação e liderança, não dando oportunidades para que as pessoas exerçam os dons e aptidões que o Senhor lhes tem concedido, há um retorno ao sacerdotalismo medieval contra o qual Lutero e os demais reformadores se insurgiram.
“Rogo, pois, aos presbíteros que há entre vós, eu, presbítero como eles, e testemunha dos sofrimentos de Cristo, e ainda co-participante da glória que há de ser revelada: 2 pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; 3 nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho”. 1 Pedro 5.1-3
Entretanto, a incidência do uso do termo “leigo” para os não consagrados aos ministérios é reveladora. Todos nós somos ministros, pois todos somos servos. E todos somos leigos, porque todos somos povo (é este o sentido da palavra “leigo”, alguém do povo).
Não temos clero nem laicato. Somos todos ministros e somos todos povo. Mas cada vez mais as bases ministeriais são buscadas no Antigo Testamento e não no Novo. Usam-se os termos do Novo com a conotação do Antigo.
É preciso entender que enquanto o Antigo Testamento elitiza a liderança. O Novo Testamento democratiza. Para os líderes destes movimentos de retorno ao sacerdócio veterotestamentário, o Novo Testamento, a mensagem da graça e a eclesiologia despida de objetos, palavras e gestual sagrados não são interessantes.
Devemos ter a consciência de que hoje não temos nem clero nem laicato. O mais importante é a mensagem, a notícia, e não o mensageiro. Porém, o mensageiro deve ter credibilidade para que a mensagem não seja rejeitada ou desacreditada.
Devemos ter também consciência de que o sacerdócio universal do crente é uma grande dádiva de Deus. Temos livre acesso ao pai que nos foi garantido por Cristo, como nos garante o texto de Hb 9:19-20
“Tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela sua carne”. Hebreus 9.19-20
Não devemos desprezar esta grande dádiva olhando para homens como mais poderosos, mais “ungidos”, como se eles tivesse maior proximidade com Deus que os demais crentes.
Infelizmente isso se perde nas práticas e ensinos do G12, que cada vez mais se parece como o velho e ruim catolicismo romano. Se for meta do G12 expulsar o tal “espírito de Roma”, eles bem que poderiam começar com um auto-exorcismo (se é que isso existe!).
Autor: Clériston Andrade
Programa Mensagem da Cruz – Juazeiro – BA