1. Porquê este título?
Optamos por dar a este estudo, o título de “Batismo Consciente”, em vez de utilizar os termos tradicionais de pedobatismo e anti-pedobatismo, que são produto da teologia, não só porque não me dirijo exclusivamente aos teólogos, mas a todo o visitante da minha página, como também porque tais palavras transliteradas para a nossa língua, derivam de paidion, que em grego significa criança.
Penso que a divisão entre adulto ou criança, não foi muito feliz, pois o principal problema é se o batismo é um acto consciente da parte do batizando, fruto da sua fé em Cristo, ou se pelo contrário, não é necessária a fé do batizando, funcionando assim, não como fruto da sua fé, mas como um ritual destinado a produzir algum efeito espiritual no futuro, ou uma cerimónia necessária à sua entrada na igreja local, afinal não muito diferente do acto social que muitos teólogos pedobatistas dizem rejeitar. Assim, batismo consciente será o do adulto em pleno uso das suas faculdades mentais, bem como de jovens, que geralmente têm mais estudos e melhor preparação intelectual do que seus pais, e poderá ainda incluir crianças, que possam compreender e pedir conscientemente o batismo por sua própria iniciativa, mas nunca um bebé nos primeiros anos da sua vida, nem um jovem ou adulto que não esteja no pleno uso das suas capacidades mentais.
Passaremos a referir-nos a “batismo infantil”, quando se tratar dum bebé ou criança que ainda não tenha atingido a idade de raciocinar e pedir o batismo por sua própria iniciativa. Penso que não é possível definir com rigor uma idade limite em que a criança tenha suficiente entendimento para pedir o seu batismo, mas sob o assunto procuraremos ouvir a opinião dum médico e dum psicólogo. 2. Importância relativa do assunto. O problema que tenciono abordar, não é novo, e certamente que muito pouco poderei acrescentar, a um assunto que já deu origem a tantas polémicas e até serviu como pretexto para guerras sangrentas na Alemanha e na Suiça, especialmente na chamada guerra dos camponeses. Nalguma literatura que consultei, publicada em Portugal e no Brasil em 1916, 1919 e 1937, fico com a ideia de que havia uma grande polémica sobre o assunto, em que se utilizavam afirmações que, no mínimo, poderei considerar como pouco dignificantes para quem as utilizou.
Foi necessário ler com calma, para no meio de tão acalorada polémica e até ataques pessoais, seleccionar as afirmações com eventual fundamento bíblico. Talvez no nosso tempo, com uma outra mentalidade, já seja possível raciocinar com mais calma e imparcialidade sobre o batismo, um assunto cuja importância ninguém pode negar, mas que não nos parece ser o principal objectivo das igrejas, como pretendem alguns. Valerá a pena toda a polémica que no passado se levantou sobre o batismo infantil? Será o batismo, um pormenor indispensável para a salvação, como alguns afirmavam? 2.1 – A importância do batismo para Paulo Gostaria que os eventuais leitores deste artigo, na minha página da internet, durante a leitura, tivessem sempre presentes as palavras de Paulo em I Coríntios 1:14/17 – Dou graças a Deus, porque a nenhum de vós batizei, senão a Crispo e a Gaio.
Para que ninguém diga que fostes batizados em meu nome. E batizei também a família de Estéfanas; além destes, não sei se batizei algum outro. Porque Cristo enviou-me, não para batizar, mas para evangelizar; não em sabedoria de palavras, para que a cruz de Cristo se não faça vã. Parece que alguma coisa nas nossas igrejas não está de acordo com o pensamento de Paulo, pois geralmente considera-se o batismo como a meta a atingir, como o ponto mais alto da nossa vida espiritual, em que se dá todo o realce ao facto de alguém ter sido batizado em determinada igreja, pois tal facto funciona como uma identificação do crente com a sua igreja, e outros até consideram o batismo como a porta de entrada na Igreja do Senhor, confundindo igreja local ou denominação, com a Igreja do Senhor. 3. Ideias básicas. O que é um sacramento, ou ritual, ou ordenança, ou mandamento. Menciono os quatro termos que têm servido para designar o batismo, que para uns é um sacramento, outros preferem o termo ritual ou ordenança, e outros chamam-lhe mandamento.
Só este pormenor já tem dado origem a polémicas entre os teólogos. Penso no entanto, que esse pormenor é absolutamente secundário, pois o importante é saber o que é o batismo em geral e em particular o batismo infantil. A esmagadora maioria das igrejas evangélicas não aceita a doutrina da regeneração batismal, ou seja, a salvação pelo batismo, e no caso do batismo infantil, nunca esteve em dúvida, nem nas igrejas do protestantismo histórico, que as crianças que morressem sem batismo não corriam qualquer perigo. Em muitos casos o batismo acaba por se tornar um meio de mostrar a que igreja se pertence. Só me lembro dum único caso numa igreja do protestantismo tradicional em Portugal, em que uma revista de “Educação Cristã” !!! por influência do ecumenismo considerou o batismo como um meio de remissão de pecados, para justificar a parte final do Credo Niceno (aceite pelos católicos), que afirma … Professamos um só batismo para remissão dos pecados. Compreende-se a dificuldade, pois é grande a influência, no protestantismo histórico, quer do Credo Niceno, quer do Credo Romano (Conhecido como Credo Apostólico, designação que me recuso a aceitar).
Embora considere estes dois credos, como respeitáveis documentos da história do cristianismo, não deixam de ser produtos da teologia, não são palavra inspirada e como tal devem ser considerados (produtos da teologia). No caso do Credo Romano, a afirmação de que Jesus Cristo … nasceu da Virgem Maria, padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos…. certamente que foi bem útil e oportuna no seu contexto histórico, em que se considerava Cristo como verdadeiro Deus, mas não verdadeiro homem. No entanto, na nossa época, confere uma desastrosa ênfase a Jesus Cristo como homem (já ninguém duvida disso), negligenciando a sua natureza divina, e parecendo até negar a sua eternidade, pelo facto de ter nascido da Virgem Maria. Não seria melhor deixar ficar estes velhos credos no seu lugar na história, onde têm o seu valor, em vez de os “trazer” para os nossos dias? Mas então, o que é, ou para que serve o batismo? A fim de não nos tornarmos repetitivos, sobre o assunto, aconselho a leitura do meu artigo “Batismo por Aspersão”, que se encontra nesta página da internet, em especial o seu primeiro capítulo “Significado e simbolismo do batismo”, em que chego à conclusão de que o batismo com água é o sinal visível do batismo com o Espírito Santo.
É somente pelo batismo com o Espírito Santo que se dá a regeneração e a entrada na Igreja do Senhor. O sacramento, ou ritual, ou ordenança, ou mandamento do batismo será sempre consequência e nunca origem do batismo do Espírito Santo, cuja acção está e estará sempre, fora do controle dos pastores e das igrejas. Assim, penso que o batismo infantil não faz sentido, e não tem fundamento bíblico, como iremos demonstrar.
4. Qual a importância do batismo infantil, para os que o defendem? Antes de examinar os argumentos bíblicos apresentados para justificar o batismo infantil, vamos tentar compreender os que o defendem. Vejamos porque defendem o batismo infantil.
4.1 – No caso da população católica e ortodoxa, a sua grande preocupação é a salvação da criança (ou adulto) que não tenha sido batizado, embora, como o Pastor Manuel Pedro Cardoso afirma no seu artigo “Batismo Infantil (MC)” até o Catolicismo já abandonou a ideia do Limbo, para onde iriam as crianças que viessem a falecer sem o batismo. Philipe de Landes (pedobatista), no seu livro “Estudos Bíblicos sobre o Batismo de Crianças”, publicado em 1947, afirma que: Não há nenhuma passagem bíblica que, bem interpretada, ensine a doutrina da regeneração batismal, mas há pelo contrário muitas passagens que categoricamente condenam as cerimónias e os ritos religiosos como meios de alcançar a salvação. S. Paulo afirma que nada vale a circuncisão ou a incircuncisão, mas antes o ser uma nova criatura Gálatas 6:15. O rito do batismo nenhum poder tem para regenerar; é apenas um símbolo da regeneração, isto é do novo nascimento produzido pelo poder de Deus João 1:13 .
4.2 – Outro pressuposto de que partem os que defendem o batismo infantil, é que o sacramento do batismo é a “porta” de entrada na Igreja. Mas afinal, em que igreja ? Penso que há aqui uma confusão entre a igreja local, organização humana, como por exemplo a Igreja dos Irmãos, a Igreja Metodista, a Igreja da Assembleia de Deus, as Igrejas Batistas, a Igreja Católica etc…. e a Igreja do Senhor ou Igreja Universal, que é o conjunto de todos os remidos, de todos os lugares e todos os tempos, em que nenhum sacramento poderá interferir. Certamente que pelo batismo, o adulto ou criança ou bebé, se identifica com a sua igreja, passa a ser membro dessa igreja. (No caso do bebé, nas igrejas pedobatistas, será “membro não-comungante”, ou como sugere o Pastor Cardoso, no referido artigo, “membro não-professo”, expressão que me parece bem melhor).
Seria impensável que alguma igreja ou algum pastor tivesse poderes para admitir alguém na Igreja de Jesus, o conjunto dos remidos de todos os tempos e de todos os lugares, pois Jesus é a única porta dessa Igreja. Segundo Apocalipse 3:7 Jesus é aquele …que tem a chave de David; o que abre e ninguém fecha; e fecha e ninguém abre. E que diríamos quando um crente é excluído da sua igreja? Será que a igreja que exlui tem poderes para fechar as portas da Igreja de Jesus?!!
4.3 – Outra ideia que transparece dos textos pedobatistas é a de que a criança não batizada, fica de certa maneira abandonada pela sua igreja, ficando impossibilitada de entrar nos caminhos do Senhor, ou pelo menos, com esse caminho de certa maneira dificultado. É compreensível, e até louvável, esta preocupação com as crianças, mas penso que a solução adoptada para as ajudar, é fruto duma mentalidade ritualista. O batismo, assim como todo o ritual religioso, destina-se somente a dar testemunho duma realidade espiritual e nunca poderá ser a sua origem. É pena o batismo infantil não poder fazer cristãos, pois nesse caso o protestantismo tradicional teria muito mais jovens que foram batizados na tenra infância. Na época em que vivemos, época de secularização com forte apelo ao raciocínio, já há pouco “espaço” para uma religião mística com ênfase nos rituais.
A experiência das últimas décadas tem mostrado que o melhor meio de mobilizar os jovens é através de escolas dominicais bem organizadas, em que os jovens sejam incentivados ao estudo e investigação bíblica, em que sejam incentivados a “discordar com base bíblica” em vez se serem pressionados a adoptar uma atitude passiva de meros receptores das ideias dos seus pastores ou professores de escola dominical.
5. Argumentos apresentados a favor do batismo infantil. Procurei investigar e seleccionar os argumentos a favor do batismo infantil. Fui à biblioteca do Seminário Evangélico de Teologia, cuja tradição está mais relacionada com o batismo infantil, e procurei ler os livros que têm servido para a formação de várias gerações de pastores do protestantismo tradicional, embora este Seminário seja propriedade da Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal, que tem uma posição mais aberta que o típico protestantismo tradicional, pois tanto aceita o batismo como a apresentação de crianças.
Pessoalmente, penso que é a atitude mais correcta. Não vale a pena levantar problemas e escandalizar os crentes devido a um pormenor não essencial à salvação. É verdade que essa imparcialidade nem sempre tem funcionado, pois tem havido uma certa pressão a favor do batismo infantil, e os crentes favoráveis à apresentação de crianças não têm apresentado os seus argumentos, ou talvez não lhes tenha sido dada oportunidade para exporem os motivos da rejeição do batismo infantil. A apresentação de crianças tem sido mais tolerada do que divulgada em pé de igualdade com o batismo infantil. Tenho dúvidas, por exemplo, de que fosse possível este estudo ser publicado nalguma revista da IEPP, mas se isso vier a acontecer, darei graças a Deus por esta abertura, infelizmente pouco vulgar nas igrejas evangélicas, quer favoráveis ao batismo infantil, quer defendendo a posição contrária. Todos são unânimes em concordar que não há em todo o Novo Testamento, passagens didácticas sobre o batismo infantil que se possam utilizar de acordo com as regras da hermenêutica, para se firmar uma sólida doutrina, sobre o batismo infantil.
O nosso Professor, Pastor Manuel P. Cardoso refere-se à ausência de uma referência explícita no Novo Testamento que justifique um sim ou um não ao baptismo infantil. No entanto, vários argumentos, nem sempre coincidentes e por vezes até contraditórios, têm sido apresentados para justificar o batismo infantil, tais como: Para que as crianças possam pertencer à Igreja. Porque as elas são crentes. Porque não podem crer mas os pais crêem por elas. Porque estão perdidas devido ao pecado original. Porque seus pais são crentes. Porque nasceram na Igreja, etc. etc. Vamos examinar os principais argumentos. Sobre a posição contrária, o anti-pedobatismo, não tive acesso a muita literatura, mas como o Pastor Manuel P. Cardoso afirma no seu artigo que os argumentos dos anabaptistas eram os mesmos que hoje são usados contra as Igrejas que baptizam crianças, julgo haver maior coerência nos argumentos dos que defendem o batismo só de pessoas conscientes. No entanto, nas livrarias evangélicas ligadas às igrejas anti-pedobatistas, não encontrei literatura desenvolvida sobre o assunto, salvo pequenas referências em livros de evangelização. O único livro, contrário ao batismo infantil, que aborda o assunto com certo desenvolvimento, encontrei-o na biblioteca do próprio Seminário Evangélico de Teologia. 5.1
Vamos iniciar esta listagem dos argumentos apresentados a favor do batismo infantil, pelo argumento mais tradicional. Segundo Lutero, as crianças devem ser batizadas porque podem crer e podem ter fé. Calvino, que defende que o batismo de João e o batismo cristão são um só (Institutas Volume IV Capítulo XV – 7), também admite que as crianças tenham algum conhecimento de Deus, o que justifica o seu batismo (Institutas Volume IV Capítulo XVI – 19) Wesley, no seu tratado sobre o batismo afirma que as crianças, devido ao pecado original, não podem ser salvas sem o batismo. Penso que nos nossos dias, este argumento já não é muito utilizado pelos adeptos do batismo infantil.
Só uma única vez, um pastor com formação luterana, ao serviço da Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal me apresentou o argumento de que as criança devem ser batizadas “porque têm fé, e ninguém pode garantir que elas não pensem”, justificando a sua afirmação pelo facto dum bebé com alguns dias de vida já reconhecer a sua mãe. A respeito da possibilidade do bebé, com alguns dias, ou mesmo alguns meses de vida, ter conhecimento de Deus ou ter alguma capacidade de raciocínio e poder de decisão, para se arrepender e pedir, ou pelo menos desejar conscientemente o batismo, resolvemos pedir a opinião a três médicos e dois psicólogos, tendo recebido até ao momento, as seguintes opiniões:
Prof. Victor Franco – Professor de Psicologia da Universidade de Évora
1- A questão do baptismo de crianças é uma questão teológica e de prática religiosa sobre a qual a Psicologia não tem de dar opinião; da mesma forma que não podem ser argumentos psicológicos a fundamentar ou legitimar tal prática. 2- O desenvolvimento cognitivo do bebé não se organiza, nos primeiros tempos de vida, como verdadeiro pensamento. As investigações feitas desde há 50 anos (e de que Piaget será o nome mais conhecido) mostram que o pensamento das crianças até aos 2 anos é pré-lógico, pré-verbal e não representativo (sem representação mental da realidade). 3- Se o baptismo e a decisão/conversão forem uma questão de compreensão simbólica de um acto abstracto, então só bastante mais tarde no desenvolvimento infantil estão completas as estruturas lógicas que o permitem. 4- Piaget designa o período até aos 2 anos de Pensamento sensório-motor. Porque o pensamento se organiza em termos de acção sobre os objectos e em função das modalidades perceptivas. A criança sente (vê, ouve, etc..), organiza (pré-logicamente) as suas emoções dentro dos quadros perceptivos da sua realidade interna e externa, mas sem representação mental nem “pensamento”.
5- Por tudo isto não pode decidir (não organiza simbolicamente o pensamento) nem comunicar a decisão (pensamento pré-verbal). A defesa do batismo dos bebés não pode em caso algum fazer-se como base num argumento de “conversão” ou “decisão”, ou de argumentos científicos relacionados com as competências cognitivas das crianças.