“Porque o Filho de Deus, Cristo Jesus, que foi, por nosso intermédio, anunciado entre vós, isto é, por mim, e Silvano, e Timóteo, não foi sim e não; mas sempre nele houve o sim. Porque quantas são as promessas de Deus, tantas têm nele o sim; porquanto também por ele é o amém para glória de Deus, por nosso intermédio.” (II Cor 1.19,20)
O apóstolo abençoado, para que ele pudesse ter melhor lugar no coração dos seus ouvintes, esforça-se aqui com toda a diligência para apagar qualquer imputação que eles poderiam ter contra ele; e que por isso a sua doutrina pudesse voltar com suas almas para as suas casas, e tivesse acesso mais livre para trabalhar em suas consciências.
Temos, portanto, com estas palavras uma justificativa de Paulo por não ter vindo até Corinto, segundo a sua promessa. Ele não fez esta alegação por qualquer inconstância da sua parte, mas sim em razão dos modos corrompidos que grassavam entre eles, como se vê no verso 23: “Eu, porém, por minha vida, tomo a Deus por testemunha de que, para vos poupar, não tornei ainda a Corinto”. O apóstolo como um homem, e como um homem santo, poderia prometer muitas coisas comuns desta vida, e poderia apresentar de modo justo o surgimento de vários motivos reais para os seus impedimentos.
Mas as coisas que ele promete, e fala como um apóstolo, não admitem tal incerteza. Portanto, seu cuidado é o de repudiar todos os pensamentos de hesitação nele, e para manter ao máximo o crédito do evangelho, que ele tinha ensinado, sabendo muito bem quão prontos os falsos mestres estariam para persuadir as pessoas que Paulo era tão superficial em sua pregação como ele era para manter sua palavra dada a eles. Portanto, “a nossa palavra é verdade, assim como Deus é verdade”, diz ele.
Há a mesma certeza das verdades evangélicas, como há no próprio Deus. “Jesus, que foi, por nosso intermédio, anunciado entre vós, isto é, por mim, e Silvano, e Timóteo, não foi sim e não; mas sempre nele houve o sim.” Daí pode ser observado:
Que o objetivo da pregação agora na dispensação do evangelho, é especialmente Jesus Cristo. Esta é a rocha sobre a qual a igreja é edificada.
Cristo deve ser o assunto do nosso ensino, em sua natureza, ofícios, e benefícios, para os deveres que nós temos para com ele, e o instrumento pelo qual recebemos tudo dele, é a fé.
Se pregamos a lei, e descobrimos a corrupção latente que há no coração dos homens, é apenas para fazer um caminho para a passagem do evangelho mais livremente em suas almas. E se nós lhe exortamos a santos deveres, é para fazer você andar de maneira digna do Senhor Jesus. Todo o ensino está reduzido ao evangelho de Cristo, seja para abrir caminho, como João Batista fez, para nivelar todos os pensamentos orgulhosos, e nos fazer inclinar a ele, ou para nos fazer caminhar dignamente da graça que recebemos dele.
O pão da vida deve ser quebrado; o sacrifício deve ser dissecado e colocado abertamente à vista; as riquezas de Cristo, até mesmo suas “insondáveis riquezas”, devem ser reveladas. O Filho de Deus, deve ser pregado a todos, e por isso Deus, que determinou que sejamos salvos por Cristo, tem também ordenado a pregação, para apresentar abertamente o Senhor Jesus, com os tesouros celestiais da sua graça e glória.
“Jesus Cristo, que entre vós foi pregado por mim, Silvano e Timóteo, não foi sim e não.”
Observe aqui, que o comentário de pregadores dos mistérios da salvação, é um excelente meio para fortalecer a fé de seus ouvintes, não no que diz respeito à verdade em si, mas no que diz respeito aos homens. Por isso agrada a Deus condescender com a nossa fraqueza, acrescentando um juramento às promessas, para mostrar a imutabilidade do seu conselho para conosco.
O “sim” do texto significa certo, constante, invariável. Os tempos variam, mas não a fé dos tempos. A mesma verdade fundamental o é em todas as épocas.
Algumas vezes, de fato, a verdade é mais explicitada e desdobrada, como temos no Novo Testamento diversas verdades mais claramente reveladas do que no Antigo. Mas não se trata de uma nova fé, mas de uma explicação mais ampla da antiga fé. A verdade divina é sempre a mesma. Se tem havido sempre uma igreja, sempre tem havido uma verdade divina. Agora ela é um artigo da nossa fé em todos os momentos para crermos numa igreja universal. Certamente deve haver uma verdade universal para ser a semente da igreja. Portanto, deveríamos procurar o que era este “Sim”, esta doutrina positiva naqueles tempos apostólicos de pureza da Igreja, antes de ser corrompida.
A igreja não foi por muito tempo uma virgem; mas sempre houve alguns que sustentavam a verdade de Cristo em todas as épocas. Nossa igreja atual sustenta a mesma verdade positiva como fizeram os apóstolos antes de nós. Por isso dizemos: “Nossa igreja foi antes de Lutero, porque a nossa doutrina é apostólica, como também é a nossa igreja que continua assim, porque ela é construída sobre a doutrina apostólica.” Coloquemos o caso, que não podemos confirmar os homens na Palavra e na fé, como eles ridiculamente afirmam; qual é o propósito disto? A partir de uma ignorância de homens em casos particulares isolados, eles irão concluir que somos ignorantes da igreja de Cristo, na qual nunca estivemos?
Assim, a verdadeira igreja pode facilmente ser discernida. Os pontos de religião onde os nossos adversários diferem de nós, não passam de invenções da sua própria lavra.
Elas não eram “sim” nos tempos apostólicos. O purgatório, a invocação de santos e sacramentos de diversos tipos, foram criados por eles mesmos posteriormente. E de fato, durante mil anos depois de Cristo, nunca se ouviu falar das muitas diferenças entre nós e eles, nem foram elas anteriormente estabelecidas por qualquer conselho até o Concílio de Trento.
Nossos pontos positivos são fundamentados nas Escrituras Sagradas. Buscamos o “Bom e Velho Caminho” como Jeremias nos adverte, Jer 6.16. Lá não havia estes acréscimos à Palavra no tempo de Abraão entre os bem-aventurados patriarcas, nem no tempo de Cristo, não, nem muitas centenas de anos depois. Eles vieram pouco a pouco, pela invenção humana, em proveito próprio.
Eles mantêm muitas das nossas verdades, mas eles acrescentam algo próprio para eles. Eles acrescentam a necessidade da tradição às Escrituras, méritos para a fé; acrescentam santos a Cristo em adoração divina. Eles têm sete sacramentos para os nossos dois (ceia e batismo).
Para tocar somente num outro ponto que faz fronteira um pouco com este citado anteriormente. A verdade divina é de natureza inflexível. Isto atravessa outra regra deles, pois sustentam que podem dar o sentido atual das Escrituras.
O quê!
Acaso a verdade varia de acordo com os julgamentos dos homens? Devemos trazer a regra correta à madeira torta para ser medida? Seria o julgamento de qualquer homem a regra da verdade infalível de Deus? Deveríamos conceber que os homens devem interpretar as Escrituras assim, e dizer como é que elas devem ser agora? E deveriam outros que lhes sucedem dizer depois como é que deve ser interpretado então? e devemos crer em tudo isso?
Deus proíbe.
Este “sim” declara que ninguém pode dispensar a lei de Deus. Esta palavra escrita é semelhante em todos. A verdade é verdade, e o erro é erro, ainda que os homens achem que seja ou não. A razão é razão, entre os turcos, bem como entre nós.
A luz da natureza é a luz da natureza em todos os países, bem como aqui.
Os princípios da natureza não variam como a linguagem, são coisas puras. E se os princípios da natureza inviolável e indispensável são assim, muito mais é a divindade.
Sujeira é sujeira, todos nós afirmamos. A opinião não deveria ser a regra das coisas, mas a natureza da coisa em si.
Portanto, o que é contra a natureza, ninguém pode dispensar. Deus não pode negar a si mesmo. O que nada é numa época, também não é em outra, e para sempre nada.
Não há monarca no mundo que possa prescindir da lei da natureza, ou da lei de Deus. Porque a opinião de qualquer homem no mundo não é a regra pela qual ele possa viver confortavelmente, mas a luz indubitável da palavra escrita de Cristo.
Eu falo isso o bastante para atravessar suas práticas fundamentais, que, quando Deus lhes chama para se levantarem para sua causa e verdade, eles irão dobrar e curvar a sagrada verdade (que é sempre “sim e amém”) para as suas próprias finalidades. Como se a opinião de qualquer homem no mundo fosse a regra de sua fé e obediência. Isto é tornar Deus, não Deus. O certo não é o certo? A lei não é a lei? Não é a palavra de Cristo, uma palavra que não se altera mas que se mantém firme por toda a eternidade, conforme ele mesmo o afirma?
Assegurem para si mesmos que há uma verdade de Deus que devemos manter até a morte, não somente na oposição à heresia, mas resistindo contra toda forma de impiedade que nós encontrarmos.
João Batista foi um mártir, quando ele se levantou contra Herodes, e disse: “Tu não deves possuir a mulher do teu irmão Filipe” – Mt 14.3. Ele não seria alimentado por reprovar seu pecado, mas clamou contra a ilegalidade que lhe custou a vida. Os homens devem sofrer pela verdade, e não negar a menor palavra de Deus, porque é uma centelha divina de si mesmo.
“Porque quantas são as promessas de Deus, tantas têm nele o sim; porquanto também por ele é o amém.”
Isso vem depois dessa maneira. A palavra que eu preguei, diz Paulo, é invariável, porque o próprio Cristo é sempre sim, e eu tenho pregado nada, senão Jesus Cristo entre vocês. Minha pregação, então, deve ser uma certa e imutável verdade.
Em seguida, elas são “amém”; porque, é, em Cristo, que elas são cumpridas. Nele são feitas, e nele são realizadas.
Todo o cumprimento das promessas são em Cristo; por causa dele foram dadas em primeiro lugar, e nele devem ser realizadas. Como o próprio Cristo foi ontem e hoje, e o mesmo para sempre, assim sucede com todas as promessas de Deus feitas por ele, sem dúvida, eterna, e imutavelmente fiel para todas as gerações.
Aqui estão diversas verdades que se oferecem à nossa consideração.
Em primeiro lugar. Tome nota, que, desde a queda do homem, aprouve ao nosso bom Deus estabelecer um pacto de graça em Jesus Cristo, e para torná-lo um segundo Adão, por quem podemos ser restaurados à uma melhor condição que nunca tivéramos no primeiro Adão. Nesta condição feliz, não pode haver relacionamentos entre Deus e o homem sem alguma promessa em seu Cristo, de modo que agora Deus trata tudo por promessas conosco. A razão é esta.
Como podem pobres pó e cinza se atreverem a desafiar qualquer coisa da grande Majestade do Céu, sem um mandado dele?
Como pode a consciência ser satisfeita? (Consciência, você sabe, é um conhecimento em conjunto com Deus).
Como é possível descansar tranquilo em qualquer coisa, senão naquilo que seguramente nos vem de Deus?
E, portanto, para qualquer bem que eu espere de Deus, deve haver alguma promessa e palavra da sua boca para este bem que espero, sendo este o seu curso constante de prover para o seu povo. Enquanto vivermos neste mundo estamos sempre em esperança. “Nós nos gloriamos na esperança da glória de Deus” – Rom 5.2. Agora, a esperança parece ser a promessa, da qual uma parte não está ainda realizada.
No que o céu difere da terra, senão nisso? O céu é um lugar de plenas realizações. Aqui temos algumas realizações para nos encorajar, mas estão sempre sob alguma promessa ainda não cumprida. E, portanto, a forma de nossa apreensão de Deus neste mundo é muito diferente da que existe no céu.
Aqui isto é pela fé e esperança; não é pela visão. A visão está apta para desempenho. A fé e a esperança sempre olham para a Palavra revelada, Deus, portanto, governa sua igreja desta forma para o seu bem maior. Ora! o que podemos ter de Deus, senão pela manifestação de sua própria boa vontade? Podemos procurar o favor de Deus para qualquer coisa, em nós mesmos? Isto é uma grande presunção.
E ainda, Deus vai governar sua igreja por promessas em todas as épocas, mantendo os fiéis em oração e dependência dele.
Deus examinará qual é o crédito que ele está recebendo entre os homens; se eles vão confiar em sua promessa nua e crua ou não.
Ele pode nos fazer o bem, e não nos dar qualquer promessa, mas ele vai provar a sua graça em nós, por nos lançar contra todas as dificuldades e desânimos, até que a coisa prometida seja realizada para nós.
As promessas são, por assim dizer, a estadia da alma numa condição imperfeita; e assim é a fé nelas, até a que nossa esperança termine em plena posse. E devemos saber que as promessas divinas são melhores do que todas as realizações terrenas. Deixe que Deus nunca dê tanto ao homem no mundo, e se ele não tiver uma promessa de coisas melhores, tudo dará em nada no final. E, portanto, Deus prova os espíritos de seus servos contra todas as tentações, tanto na mão direita e na esquerda, por doces promessas. Ele vai tê-los vivendo pela fé, que sempre tem relação com uma promessa. Esta é uma base geral, então, que Deus agora, em Cristo Jesus tem designado para governar a sua igreja por meio de promessas.
Mas o que é uma promessa?
A promessa não é senão uma manifestação de amor; uma intenção de fazer o bem e remover algum mal de nós.
A declaração de um livre engajamento do homem neste tipo é uma promessa. Isto sempre vem do amor à promessa, e transmite bondade para a alma crente.
Agora, que amor pode existir em Deus por nós, desde a queda, que não deva estar fundamentado numa base melhor do que nós mesmos? Se Deus nos ama, isto deve estar em que primeiro ele nos tem amado. Posto que isto, nos vem da base das promessas que são em Jesus Cristo. Todas as relações entre Deus e nós devem estar nele que é capaz de satisfazer a Deus por nós. O Criador Todo-Poderoso deve ter todas as nossas dívidas liquidadas antes de entrar numa aliança de paz conosco.
Agora, este Cristo tem operado perfeitamente e, assim, tem reconciliado os pecadores perdidos.
Ele deve receber tudo de bom para nós, e devemos tê-lo em segunda mão a partir dele. As promessas em Cristo são como os espíritos no corpo. Eles correm por todas as eras da igreja. Sem ele não há misericórdia nem conforto para ser obtido. Deus não pode olhar para esta nossa amaldiçoada natureza fora de Cristo, e, portanto, todo aquele que apreende qualquer misericórdia de Deus, deve apreendê-la em Cristo, a semente prometida. Para tornar isto mais claro: nossa natureza desde a queda é odiosa a Deus; um pecador, amaldiçoado, a natureza permanece no melhor de nós; e, portanto, que Deus possa olhar com paz habilmente a respeito disto, que ele possa ver isto nAquele que é sem mácula, e nAquele a quem ele ama, o seu próprio Filho Unigênito, que tomou a nossa natureza sobre Si.
Agora, a nossa natureza em Cristo deve ser necessariamente amável e aceitável; e se Deus sempre nos ama, isto é porque Cristo foi predestinado antes da fundação do mundo para ser um sacrifício para nós, para ser a cabeça de sua igreja – 1 Pe 1.10.
Ele foi ordenado para nos fazer o bem antes de nós mesmos termos sido criados. Cristo é o primeiro amado, e então nós. Deus nos ama em seu amado. “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” – Marcos 1.11. Como se o Senhor tivesse dito, estou satisfeito por ele. Cristo é o Filho de Deus por natureza, nós por adoção. Seja como for o que é bom em nós é primeiro e principalmente nele. Deus transmite tudo pelo Filho natural aos filhos adotados. Portanto, todas as promessas são feitas para nós em Cristo. Ele as leva a de Deus para nós. Ele próprio é a primeira promessa, e todas são “sim e amém nele”. Elas não são dirigidas a nós fora dele, mas somos eleitos em Cristo, santificados por ele, absolvidos do pecado por meio dele. “Pelas suas pisaduras fomos sarados”, Isa 53.5.
Se Cristo não tivesse satisfeito a ira de Deus por carregar as nossas iniquidades na cruz, nós estaríamos sujeitos em todo o tempo à condenação. Se ele não tivesse nos libertado dos nossos pecados, nós teríamos ficado para sempre sob o peso deles.
“Vocês ainda estão nos vossos pecados”, diz Paulo, “se Cristo não ressuscitou”, 1 Coríntios 15.17. Nós estamos livres de nossas dívidas, porque Cristo, nosso fiador está fora de prisão. Ele está no céu, e, portanto, estamos em liberdade.
As promessas são uma escritura lavrada de doação que temos da parte de e por Cristo, que é o primeiro objeto de tudo o que Deus tem para nós. Por que o anjos nos servem? Porque se concentram no Jacó, que é Cristo, que une o céu e a terra juntos. Assim, os anjos, porque eles servem a Cristo em primeiro lugar, tornam-se da mesma forma nossos ajudadores. Nós temos uma promessa de “vida eterna”, mas esta vida está “em seu Filho” – 1 João 5.11.
Deus nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nele, Ef 1. 8, e nos faz filhos nele, o Filho natural.
Qualquer que seja a prerrogativa que nos agrade, ela é de Cristo em primeiro lugar, e por isso pertence a nós; mas não mais do que pela fé que nos faz um com ele.
Assim, como podes tu pensar em Deus, que é “um fogo consumidor” Heb. 12.29, e não pensar nele como ele está satisfeito e pacificado com a tua pessoa em Cristo, que tomou a tua natureza sobre ele, para ser um fundamento de conforto, e um segundo Adão, uma pessoa pública, a justiça divina satisfatória para todos os que são membros do seu corpo?
Podemos pensar em Deus com todo o conforto, quando o vemos apaziguado em seu Cristo. Contanto que ele ame a Cristo, ele não pode deixar de nos amar.
Nunca pense ter a graça, ou a salvação, ou qualquer coisa sem Cristo. Porventura Deus me ama? Porventura ele faz bem à minha alma para o meu próprio bem, aparte de seu Filho? Não, certamente. Então eu deveria fugir da sua presença, se ele não me olhasse através do seu Filho amado, e aceitasse nele a minha pessoa. Por isso nosso Salvador ora: “eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim.” (João 17.23)
Isso deveria nos orientar na nossa relação com Deus, para não irmos diretamente a ele, mas por uma promessa. E quando temos uma promessa, olhemos para Cristo, em quem ela é cumprida. Se pedirmos alguma coisa a Deus, em nome de Cristo, ele no-la dará, João 14.13. Se não agradecemos a Deus por nada, agradeçamos-lhe por Cristo, por termos isto nele. Que conforto é , que possamos ir a Deus em Cristo e reivindicar as promessas com ousadia, porque nos ama com o mesmo amor que ele tem para com o seu Filho Unigênito amado.
“Nada pode nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus” – Rom 8.35.
Se um príncipe devesse amar um homem, se seu amor estiver fundado sobre o amor que ele tem ao seu próprio filho, certamente tal pessoa pode ter o conforto: que o amor nunca vai decepcioná-la, porque é um afeto natural, e, portanto, inalterável. Ele sempre vai amar o seu filho, e, portanto, sempre se deleitará naquele em quem o em seu filho se deleita. Agora, Cristo é o Filho eterno e amado do seu Pai, em quem ele está sempre satisfeito, e através do qual ele não pode ficar ofendido com aqueles que lhe pertencem. Assim, certamente como Deus ama a Cristo, então certamente ele ama a todos que estão unidos a ele. Nada há no mundo que possa nos separar do amor de seu próprio Filho; nem há algo capaz de separar o seu amor de nós, que somos um com ele – Rom 8.35.
Deus ama o corpo místico de Cristo, bem como o seu corpo natural. Ele está à sua direita na glória do céu, você acha que ele deixará o seu corpo místico, a sua igreja, em estado de humilhação aqui na terra? Não, certamente. Deus ama a cada membro de seu Filho? Porque assim como ele nos deu a Cristo, também o tem selado e ungido para ser um Salvador para o seu povo.
Esta é a razão pela qual Deus nos vê com um olhar tolerante, não apresentando uma constante resistência ao desagrado que ele encontra em nós: ele nos olha no seu Filho; o seu amor por nós é baseado em seu amor a Cristo. E daí decorre a nossa busca ousada de Deus, o Pai, para que possamos ir até ele em todas as angústias com conforto, e dizer: “Senhor, olha para o teu filho a quem tu tens dado para nós, e contempla nele seus membros pobres agora diante de ti. Em nós mesmos temos medo, mas no teu amado temos alegria em tua presença.”
Se tocarmos nas vestes de nosso irmão mais velho, temos a certeza de obter uma bênção, mas em nós mesmos, Deus não pode suportar nos ver. Se trouxermos Benjamin ao nosso pai, ou seja, se levarmos Cristo junto conosco, então venha e seja bem-vindo.
Sobre quais razões imutáveis está o amor de Deus e a fé de um cristão edificada? Como as portas do inferno prevalecerão contra a fé de um verdadeiro crente, quando é feita a promessa, e a promessa que nos vem do Deus de amor? Se o amor de Deus por Cristo falhasse, logo a fé de um cristão sincero ficaria abalada. As promessas não deveriam ter qualquer efeito, as quais devem ser “sim e não”, e “sim e amém”.
Se as promessas pudessem ser abaladas, o amor de Deus e de Cristo deveriam ser incertos. Derrubados seriam o céu e a terra, se derrubássemos a fé de um verdadeiro cristão perseverante. Não há nada no mundo com esta firmeza que a alma crente possui; o fundamento no qual está firmada faz com que seja inabalável.
Nossa união com o Senhor Jesus nos faz como o monte Sinai, que não pode ser abalado. Mas devemos saber que existem três graus ou etapas do amor, do qual a promessa é o último:
1. Amor interior.
2. Cura realizada.
3. A manifestação da realização pretendida antes de ser cumprida.
O amor ocultado não conforta nesse ínterim. Portanto, Deus, que é amor, não somente nos assiste para o presente, e também para a misericórdia futura almejada; porque ele vai nos fazer descansar docemente em seu peito, e confirmará a nós mesmos em seus propósitos graciosos, nos dando nesse meio tempo muitas “ricas e preciosas promessas” – 2 Pe 1.4. Ele não somente nos ama, e se manifesta em ações agora, como também expressa o seu futuro cuidado por nós, para que possamos ser edificados nele, tão certo como se tivéssemos a coisa já realizada.
Por isso vemos como Deus nos ama. Ele não tem somente um agrado interior e boa vontade para conosco em seu peito, mas o manifesta por palavra. Ele revela a ternura de suas entranhas para conosco, para que possamos ter o conforto de antemão. Deus quer que vivamos pela fé, e que sejamos confirmados na esperança, porque estas graças nos capacitam para a promessa. Se não houvesse promessas, não poderia haver fé nem esperança.
O que é a esperança, senão a expectativa daquelas coisas que diz a Palavra? E o que é a fé, senão um edificar sobre a promessa de Deus? A fé olha para a palavra da coisa prometida; espera pela coisa prometida na palavra. A fé olha para o coisa prometida, esperando a posse e o cumprimento da mesma. “A fé é a evidência do que não se viu” – Heb 11.1, tornando aquilo que está ausente como apresentado a nós. A esperança espera para a realização do bem contido na palavra. Se não tivéssemos nada prometido, para que precisaríamos de esperança? e onde estaria o fundamento da fé? Deus, porém, está disposto a satisfazer ambos (para que possamos ter sabedoria celestial, por confiar num fundamento firme, e não como tolos, que “confiam na vaidade”- Sl 4.2; em misericórdia nos dá promessas, e as sela com um juramento para o nosso maior alento. Este amor que levou o Todo-Poderoso a se ligar a nós em “preciosas promessas”- 2 Pe 1.4, nos fornecerá também a graça necessária até que entremos na posse delas.
Ele nos fará depender dele, tanto para a felicidade quanto para todas as graças tranquilizantes, que podem apoiar a alma, até que chegue ao seu perfeito descanso em si mesmo.
Agora, essas expressões da graça de nosso bom Deus podem ser reduzidas a diversas classificações. Eu vou apresentar, senão uns poucos exemplos, e mostrar como nós podemos fazer um uso confortável delas.
Primeiro, há algumas promessas universais para o bem de toda a humanidade, como a de que Deus nunca iria destruir o mundo de novo, etc, Gên 9.11.
Em segundo lugar, há outras promessas que dizem respeito mais particularmente à Igreja.
E estas são promessas.
(1) Relativas às coisas exteriores.
(2) Relativas às coisas espirituais e eternas, de graça e glória.
É na forma de prometer que se admite esta distinção. Todas os promessas de Deus são feitas para nós também:
(1) Absolutamente, sem qualquer condição. Assim, foi a promessa do envio de Cristo para o mundo, e sua vinda gloriosa novamente para julgamento. Deixe o mundo ser como quiser, mas Cristo veio, e virá novamente, com milhares de anjos, para nos julgar, no tempo final, 2 Tim 4.1.
(2) Condicionalmente, como a promessa da graça e da glória para os filhos de Deus, pelas quais ele vai perdoar seus pecados, caso se arrependam, etc. Deus lida com os homens (como fazemos na forma de comércio uns com os outros), propondo a misericórdia por aliança e condição, mas o pacto da graça é sempre um “pacto gracioso”. Pois ele não somente dá coisas boas, mas nos ajuda na realização da condição, pelo seu Espírito, ele trabalha os nossos corações para crer e se arrepender.
Assim, todas as promessas de coisas externas são condicionais, assim como Deus tem prometido proteção contra a doença contagiosa, e de problemas e guerra; que ele será “um esconderijo”- Sl 32.7, e um “libertador” do seu povo em tempos de perigo – Sl 40.17, que ele fará isso e aquilo que for bom para eles. Mas estas são condicionais; assim ele vê em sua sábia providência que elas podem ajudar a preservar as coisas espirituais boas neles, e a fazer avançar as graças do homem interior. Porque Deus toma liberdade em nossa condição exterior para nos afligir ou para nos fazer o bem, segundo aquilo que possa melhor promover o bem-estar de nossa alma. Porque, o que podemos fazer com esses corpos, virará pó. Nós devemos deixar o mundo para trás de nós. Portanto, ele olha para o nosso principal estado em Cristo, a “nova criatura”; e, assim quão longe estão as bênçãos exteriores de poderem valorizar e aumentar isto, assim também ele demora a concedê-las, ou então ele as nega a eles, aos mais queridos dos seus queridos.
Porque não podemos ainda apreciar as bênçãos desta vida como convém, mas a nossa natureza corrompida é tal, que, exceto que nós tenhamos uma breve temporada de posse das mesmas, vamos ficar fartos ou não as digeriremos. Portanto, elas são todas dadas com exceção da cruz, como diz Cristo, “E todo aquele que tiver deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe ou mulher, ou filhos, ou campos, por causa do meu nome, receberá muitas vezes mais e herdará a vida eterna.” Mat 19.29, mas “com a perseguição”. Certifique-se disto, que de qualquer tipo mais ele terá. Deixe que os cristãos procurem cruzes temporais naquelas coisas boas que eles gostam nesta vida.
Nota do tradutor:
1 – Estamos apresentando apenas o corpo inicial do sermão de Sibbes, sem as aplicações do autor, que ocupam várias páginas.
2 – Sibbes, para exemplificar o desvio da fé e prática da genuína Palavra de Deus, como registrada na Bíblia, valeu-se da citação de um único segmento da cristandade, todavia, isto cresceu e muito depois dos seus dias (séc XVI), e assumiu diferentes formas de acréscimos e adulterações do texto bíblico pela invenção e/ou artimanha de homens e demônios,* que nos faltaria espaço para enumerá-los.
* “Ora, o Espírito afirma expressamente que, nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos de demônios.” (I Timóteo 4.1)
Richard Sibbes