Honestamente, devo este artigo às incansáveis reflexões da minha amiga Maria Martinez Lima – diretora do Colégio Batista Brasileiro – sobre o tema, durante nossas conversas e viagens de trabalho.
Estava outro dia ouvindo um podcast do Ed sobre dinheiro. Honestamente não foi fácil para mim ouvir o que ele disse. A mensagem defende o uso cristão do dinheiro, sua função social e sobretudo critica fortemente o sistema de meritocracia. Percebi que tenho muita dificuldade em lidar com assuntos relacionados à dinheiro. Coisas do tipo esmolas, doações, contribuições e até coisas mais crônicas como prazeres que o dinheiro pode proporcionar. Sim, prazeres sim! Aliás quem disse que dinheiro não traz felicidade é um “pobrão” mentiroso e invejoso. A questão é como não se tornar escravo das felicidades passageiras que ele proporciona. É saber desfrutá-lo. Enfim, isto é outra conversa.
O podcast acabou comigo e colocou em xeque uma das minhas principais crenças: a tal da meritocracia. Para mim, nada parece mais justo do que compensar uma pessoa por seus méritos e realizações. Por exemplo, uma equipe de vendas. Nada mais justo do que pagar mais para quem vendeu mais. E pagar menos a quem vendeu menos. Quem produz mais, teóricamente merece mais, porque fez mais do que os outros.
Neste ponto, alguma coisa me pareceu estranha no raciocínio. Foi quando lembrei que estamos vivendo numa sociedade pós-industrial, e o nosso conceito comum de 'valor' está completamente afetado pelo conceito trazido pela Revolução Industrial. Antes dela, para se produzir uma chave era preciso um ferreiro com habilidades e uns 3 dias de produção eu acho. O valor era alto, afinal a chave era feita num processo artesanal, e o “suor” humano era “valorizado” no processo já que, se o sujeito levasse 3 dias numa única chave, significaria que em um mês 7 chaves produzidas precisariam grantir o pão e o leitinho das crianças.
Mas com o advento da indústria, uma única máquina conseguia produzir, sei lá, 200 chaves por dia, num total de 4.400 chaves por mês. Muito mais, por muito menos. E assim o conceito de produtividade entrou nas nossas vidas.
O problema todo é que o mesmo conceito, aplicado as máquinas (coisas), está sendo aplicado às pessoas (humanos). Hoje uma pessoa precisa ser produtiva, senão está fora (lembra do Roberto Justos?). E aí trabalhamos mais, produzimos mais, ganhamos mais, gastamos mais… e muito mais (além da conta, afinal as propagandas nos induzem a comprar as 4.400 chaves produzidas por mês), e porque gastamos além do que tínhamos ficamos devendo, e porque devemos, trabalhamos… MAIS!
Assim, estamos “coisificando” o ser humano. Aí sonhamos menos, vivemos menos, temos menos tempo para as pessoas que amamos. E vivemos como “coisas”.
Nossa, tá bom, eu sei. Azedei o seu dia com tudo isso? Mas agora vem a parte do post que me faz sonhar: O modelo de sociedade proposto por Jesus. Um modelo diferente, onde todos valem pelo que são, e não pelo que fazem ou produzem. Uma sociedade onde somos com Ele, filhos de Deus. Onde reinamos com aquEle que é Rei! “Onde as pessoas valem mais do que as coisas” (Maria Martinez Lima). Você discorda? Acha que merece o que tem porque se esforçou? Lutou? Passou noites em claro trabalhando? Acha que você fez mais por merecer, e por isso foi recompensado?
Eu pergunto: E um bóia-fria que acorda todos os dias às 4 da manhã para pegar o pau-de-arara, corta cana de sol à sol, volta pra casa a noite, mal tem o que comer e vive uma subvida miserável? Esse cara merece menos do que eu e você?
“No fim do dia, ele disse ao administrador: “Chame os trabalhadores e faça o pagamento, começando com os que foram contratados por último e terminando pelos primeiros.” Os homens que começaram a trabalhar às cinco horas da tarde receberam uma moeda de prata cada um.
Então os primeiros que tinham sido contratados pensaram que iam receber mais; porém eles também receberam uma moeda de prata cada um. Pegaram o dinheiro e começaram a resmungar contra o patrão, dizendo: “Estes homens que foram contratados por último trabalharam somente uma hora, mas nós agüentamos o dia todo debaixo deste sol quente. No entanto, o pagamento deles foi igual ao nosso!” Aí o dono disse a um deles: “Escute, amigo! Eu não fui injusto com você. Você não concordou em trabalhar o dia todo por uma moeda de prata? Pegue o seu pagamento e vá embora. Pois eu quero dar a este homem, que foi contratado por último, o mesmo que dei a você. Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com o meu próprio dinheiro? Ou você está com inveja somente porque fui bom para ele?
E Jesus terminou, dizendo: – Assim, aqueles que são os primeiros serão os últimos, e os últimos serão os primeiros. “
Mateus 20:8,16
É fantástico e ao mesmo tempo um desafio conceber uma sociedade onde cada pessoa vale pelo que é. Um sistema de governo orientado pelo real valor do ser humano. Tenho a impressão que esta sociedade que mais parece uma utopia tem um nome: é o Reino de Deus. É o Reino que já está entre nós (Lucas 11:20)
E a chave para concretização deste Reino não foi produzida pelos moldes da meritocracia, mas forjada na cruz de só homem:
“Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis. (João 13:34)