Há alguns anos atrás eu fui ao supermercado para fazer uma pequena compra. Não era o que poderíamos chamar de “compra do mês”; era só uma “comprinha” daquelas para as necessidades de um ou dois dias. Portanto, saí com uma certa quantia em dinheiro e fiz questão de ir somando mentalmente o preço dos produtos que eu estava comprando, de modo a não exceder o valor que eu tinha em mãos. Depois que as mercadorias passaram pelo caixa, sobrou um pequeno troco – não me lembro o valor exato, mas eram apenas moedas. Aí então perguntei ao caixa se aquele valor daria para comprar algum chocolate, pois eu pensei em levar algo à minha esposa e filhos. Fui informado que, com aquela quantia, eu somente conseguiria comprar três unidades daquele chocolatinho em forma de bastão, o “Batom” da Garoto, e foi exatamente o que eu fiz!
Quando eu entreguei os chocolatinhos na mão dos meus dois filhos, Israel e Lissa, eles fizeram a maior festa. Achei que eu conseguiria causar a mesma boa impressão em minha esposa, a Kelly, mas, para meu espanto, a reação dela foi dizer-me:
– Que decadência!
Levei um susto com a frase dita por ela e com o olhar de censura recebido por mim! O olhar de “Don Juan” e o chocolatinho não haviam produzido resultado algum em minha tentativa de agradar a minha esposa! Assim sendo, disparei:
– Do que é que você está falando, mulher?
Ela sequer titubeou para responder:
– No início, quando começamos a namorar, você me trazia bombons da Kopenhagen. Depois que ficamos noivos, você começou a aparecer com caixinhas de bombons sortidos da Nestlé. Quando nos casamos, você começou a trazer os “Sonhos de Valsa” da Lacta. E agora “Batom”! Onde é que isto vai parar?
Caímos na gargalhada com o protesto da Kelly! Depois, no entanto, percebi que ela não havia apenas brincado. Comecei a repensar na minha dedicação em agradá-la e concluí que ela estava certa. Eu ainda a amava, e não achava que houvesse perdido este amor, mas as coisas deixaram de ser como haviam sido no começo!
É claro que um relacionamento amadurece e nem tudo será sempre como foi no começo. Eu poderia mencionar muitas coisas que melhoraram ao longo dos anos, mas o fato é que, neste aspecto específico (a expressão de valorização e carinho), eu havia decaído com relação ao que eu já havia sido antes! Chocolates populares também são gostosos, mas não são românticos!
Eu pedi perdão à minha esposa e prometi resgatar o que eu havia deixado de lado. E, obviamente, tratei de fazer o que eu deveria fazer: comecei a dar-lhe bombons da Kopenhagen novamente!
Se isto acontece ao nível do nosso relacionamento humano, natural, certamente também acontece no plano espiritual! Da mesma forma que perdemos a paixão e a intensidade do nosso amor por permitirmos o nosso envolvimento na rotina de um relacionamento com pessoas que realmente amamos, também acabamos permitindo que o nosso relacionamento com o Senhor sofra desgastes! E o Deus que nos chamou a um relacionamento de amor total não aceita isto! Ele protesta e pede de volta o que perdemos!
Nas visões do Apocalipse, que o apóstolo João recebeu na Ilha de Patmos, o Senhor lhe confiou algumas mensagens às Igrejas da Ásia. Na Carta endereçada à Igreja de Éfeso, o Senhor Jesus protestou com relação à decadência do amor que essa igreja vinha apresentando. Ele protestou pela perda do que chamou de “primeiro amor”:
“Conheço as tuas obras, tanto o teu labor como a tua perseverança, e que não podes suportar homens maus, e que puseste à prova os que a si mesmos se declaram apóstolos e não são, e os achaste mentirosos; e tens perseverança, e suportaste provas por causa do meu nome, e não te deixaste esmorecer. Tenho, porém, contra ti que abandonaste o teu primeiro amor. Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te e volta à prática das primeiras obras; e, se não, venho a ti e moverei do seu lugar o teu candeeiro, caso não te arrependas.” (Apocalipse 2.2-5)
O PRIMEIRO AMOR
O que é o “primeiro amor” a que o Senhor Jesus Se refere nesta mensagem?
É um fogo de grande intensidade em nosso íntimo, que coloca Jesus acima de todas as demais coisas! Isto foi bem exemplificado numa parábola de Cristo:
“O reino dos céus é semelhante a um tesouro oculto no campo, o qual certo homem, tendo-o achado, escondeu. E, transbordante de alegria, vai, vende tudo o que tem e compra aquele campo.” (Mateus 13.44)
O Senhor está falando de alguém que, além de transbordar de alegria por ter encontrado o Reino de Deus, ainda se dispõe a abrir mão de tudo o que tem para desfrutar do seu achado. Estas duas características são evidentes na vida de quem teve um encontro real com Jesus.
Esta alegria inicial foi mencionada por Jesus na Parábola do Semeador. O problema é que alguns cristãos permitem que ela desapareça diante de algumas provações:
“O que foi semeado em solo rochoso, esse é o que ouve a palavra e a recebe logo, com alegria; mas não tem raiz em si mesmo, sendo, antes, de pouca duração; em lhe chegando a angústia ou a perseguição por causa da palavra, logo se escandaliza.” (Mateus 13.20,21)
Outros cristãos, por sua vez, até mesmo diante das mais duras provações, ainda permanecem transbordantes desta alegria:
“Chamando os apóstolos, açoitaram-nos e, ordenando-lhes que não falassem em o nome de Jesus, os soltaram. E eles se retiraram do Sinédrio regozijando-se por terem sido considerados dignos de sofrer afrontas por esse Nome.” (Atos 5.40,41)
O primeiro amor é o nosso primeiro momento de relacionamento com Cristo em que nos devotamos de todo o nosso ser a Ele. Abrimos mão de tudo por causa de Jesus:
“O reino dos céus é também semelhante a um que negocia e procura boas pérolas; e, tendo achado uma pérola de grande valor, vende tudo o que possui e a compra.” (Mateus 13.45,46)
O Reino de Deus passa a ser prioridade absoluta! É quando amamos a Deus de todo o nosso coração e alma, com todas as nossas forças e entendimento! Este primeiro amor nos leva a vivermos intensamente a fé. Foi assim desde o início da era cristã:
“Então, os que aceitaram a palavra foram batizados, havendo um acréscimo naquele dia de quase três mil pessoas. E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações. Em cada alma havia temor; e muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos. Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos.” (Atos 2.41-47)
Os relatos de Atos dos Apóstolos nos revelam uma Igreja viva, cheia de paixão e fervor:
“Da multidão dos que creram era um o coração e a alma. Ninguém considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía; tudo, porém, lhes era comum. Com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça. Pois nenhum necessitado havia entre eles, porquanto os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores correspondentes e depositavam aos pés dos apóstolos; então, se distribuía a qualquer um à medida que alguém tinha necessidade.” (Atos 4.32-35)
Este amor nos leva à prática de buscarmos intensamente ao Senhor. Aliás, vale ressaltarmos que há um padrão de busca que Deus determinou para nós. É quando Ele Se torna mais importante para nós do que qualquer outra pessoa ou coisa! Devemos chegar a um ponto tal neste anseio por Ele que nada mais importe!
O ser humano foi criado para buscar a Deus. Este propósito divino é claramente revelado nas Escrituras. Na pregação do apóstolo Paulo em Atenas, ele fez a seguinte afirmação:
“O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas. Nem é servido por mãos humanas, como se de alguma coisa precisasse; pois ele mesmo é quem a todos dá vida, respiração e tudo mais; de um só fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação; para buscarem a Deus se, porventura, tateando, o possam achar, bem que não está longe de cada um de nós.” (Atos 17.24-27)
A declaração bíblica é muito específica: o homem foi criado e estabelecido por Deus nesta Terra para buscá-Lo! Ainda que, em cegueira espiritual, o fizesse tateando, o homem deveria buscar a Deus. E Deus quer ser achado pelo ser humano, fato esse que fez com que Paulo afirmasse que Ele “não está longe de cada um de nós”!
Contudo, Deus não esperava apenas que os homens O buscassem, mas que também o fizessem da forma correta! Através do profeta Jeremias, o Senhor Deus deixou bem claro o que é necessário para que O encontremos – não apenas uma busca qualquer, mas uma busca de todo o nosso coração:
“Buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo o vosso coração.” (Jeremias 29.13)
Este amor também faz com que trabalhemos para Deus. Jesus relacionou este amor com obras quando disse a Pedro que se ele O amasse, ele deveria pastorear o Seu rebanho (Jo 21.15-17). O apóstolo Paulo falou que o amor de Cristo (ou o entendimento da profundidade deste amor) nos constrange a não mais vivermos para nós, e sim para Ele:
“Pois o amor de Cristo nos constrange, julgando nós isto: um morreu por todos; logo, todos morreram. E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou.” (2 Coríntios 5.14,15)
Foi este “constrangimento” de amor que fez com que o apóstolo Paulo trabalhasse mais do que os demais apóstolos:
“Mas, pela graça de Deus, sou o que sou; e a sua graça, que me foi concedida, não se tornou vã; antes, trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo.” (1 Coríntios 15.10)
Isto também deve ser assim conosco hoje. O primeiro amor é uma profunda resposta ao entendimento do amor de Cristo, o que nos leva a buscarmos e a servirmos ao Senhor com intensidade e paixão.
A PERDA DO PRIMEIRO AMOR
Alguns acham que, se o primeiro amor nos leva ao trabalho, então a perda do primeiro amor poderia ser definida como sendo “uma diminuição da produtividade”. Porém, de acordo com a mensagem de Jesus na Carta à Igreja de Éfeso, a perda do primeiro amor não é apenas uma questão de “relaxarmos” no trabalho de Deus, pois o Senhor lhes disse: “Conheço as tuas obras, tanto o teu labor como a tua perseverança” (Ap 2.2a). A palavra grega traduzida como “labor” é “kopos”, que, de acordo com a Concordância de Strong, significa: “intenso trabalho unido a aborrecimento e fadiga”. Este tipo de labor seguido de perseverança, por parte dos efésios, não nos permite concluirmos que eles tenham demonstrado alguma queda de produtividade no serviço ao Senhor.
“Perder o primeiro amor” também não é “enfrentar uma crise de desânimo” ou “desejar desistir”, uma vez que, nesta mensagem profética, o Senhor Jesus elogia a persistência desses cristãos de Éfeso: “e tens perseverança, e suportaste provas por causa do meu nome, e não te deixaste esmorecer” (Ap 2.3).
A perda do primeiro amor também não pode ser vista como sendo um momento de crise no trabalho ou na dedicação, uma vez que é algo que Deus “tem contra nós”:
“Tenho, porém, contra ti que abandonaste o teu primeiro amor. Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te e volta à prática das primeiras obras; e, se não, venho a ti e moverei do seu lugar o teu candeeiro, caso não te arrependas.” (Apocalipse 2.4,5)
Portanto, a perda do primeiro amor é uma queda, é chamada de pecado, e necessita arrependimento. Há muitos crentes que continuam se dedicando ao trabalho do Senhor, mas perderam a paixão. Fazem o que fazem por hábito, por rotina, por medo, pelo galardão, por quaisquer outros motivos, os quais, acompanhados daquele primeiro amor intenso, fariam sentido, mas sozinhos não!
A queixa que o Senhor faz é o fato de que esses crentes haviam abandonado o primeiro amor. A palavra grega “aphiemi”, traduzida como “abandonar” neste texto bíblico, tem um significado bem abrangente. A Concordância de Strong define esta palavra da seguinte maneira: “enviar para outro lugar; mandar ir embora ou partir; de um marido que divorcia sua esposa; enviar, deixar, expelir; deixar ir, abandonar, não interferir; negligenciar; deixar ir, deixar de lado uma dívida; desistir; não guardar mais; partir; deixar alguém a fim de ir para outro lugar; desertar sem razão; partir deixando algo para trás; deixar destituído.”
Essas expressões refletem, não uma perda que possa ser denominada como sendo meramente acidental, mas um ato voluntário de abandono, de descaso.
O Senhor Jesus tampouco está exortando esta igreja por não O amarem mais! Não se tratava de uma ausência completa de amor, pois ainda havia amor! No entanto, o amor deles havia perdido a sua intensidade e não era mais o amor que Ele esperava encontrar neles!
PORQUE PERDEMOS O PRIMEIRO AMOR
O primeiro amor é como um fogo. Se colocamos lenha, ele fica mais inflamado. Contudo, se jogamos água, ele se apaga! Falhamos por não alimentarmos o fogo e por permitirmos que outras coisas o apaguem!
Muitas coisas contribuem para que o nosso amor pelo Senhor perca a sua intensidade. No entanto, há quatro coisas, especificamente, que eu gostaria de enfatizar aqui. Se quisermos nos prevenir e evitar esta perda, ou se quisermos uma restauração, depois que perdemos este amor, precisaremos entender estes aspectos e a maneira como eles nos afetam:
1. O convívio com o pecado
2. A falta de profundidade
3. A falta de tratamento
4. As distrações
O primeiro fator de esfriamento do nosso amor para com o Senhor é “o convívio com o pecado”:
“E, por se multiplicar a iniquidade, o amor de muitos se esfriará.” (Mateus 24.12)
Ao falar do “convívio com o pecado”, ao invés do pecado em si, estou pretendendo estabelecer uma diferença importantíssima. É óbvio que quem vive no pecado está distante de Deus. A ausência do primeiro amor é chamada de “pecado”, mas este pecado não é necessariamente ocasionado por um outro pecado na vida da pessoa que sofreu esta perda. Muitas vezes esta frieza é gerada pelo “convívio com o pecado dos outros”! Creio que, em Mateus 24.12, Jesus está Se referindo aos pecados da sociedade em que vivemos. Devido à multiplicação do pecado à nossa volta (e não necessariamente em nossas vidas), passamos a conviver com algumas coisas que, ainda que não as pratiquemos, passamos a tolerar!
Precisamos ter o cuidado de não nos acostumarmos com o pecado à nossa volta. Muitas vezes o enredo dos filmes que nos proporcionam entretenimento faz com que nos acostumemos com alguns valores contrários ao que pregamos. Acabamos aceitando com naturalidade a violência, a imoralidade, e muitos outros valores mundanos. Ainda que não cedendo a esses pecados, se não mantivermos um coração que aborreça o mal, ficaremos acostumados com esses valores errados a ponto de permitirmos que o nosso amor se esfrie! Precisamos agir como Ló, que se afligia com as iniquidades das pessoas à sua volta:
“E, reduzindo a cinzas as cidades de Sodoma e Gomorra, ordenou-as à ruína completa, tendo-as posto como exemplo a quantos venham a viver impiamente; e livrou o justo Ló, afligido pelo procedimento libertino daqueles insubordinados (porque este justo, pelo que via e ouvia quando habitava entre eles, atormentava a sua alma justa, cada dia, por causa das obras iníquas daqueles)… porque o Senhor sabe livrar da provação os piedosos e reservar, sob castigo, os injustos para o Dia de Juízo.” (2 Pedro 2.6-9)
O segundo fator que contribui para o esfriamento do nosso amor pelo Senhor é a nossa falta de profundidade na vida cristã. Há muitas pessoas que vivem superficialmente o seu relacionamento com Cristo.
Na Parábola do Semeador, Jesus falou sobre a semente que caiu em solo pedregoso. O resultado é uma planta que brota depressa, mas não desenvolve a profundidade, porque a sua raiz não consegue penetrar profundamente no solo que não tem muita terra, tornando-se assim superficial. O risco que esta planta corre, pelo fato de que ela se desenvolveu na superfície, é que, saindo o sol (figura do calor das provações), ela pode morrer rapidamente:
“A que caiu sobre a pedra são os que, ouvindo a palavra, a recebem com alegria; estes não têm raiz, crêem apenas por algum tempo e, na hora da provação, se desviam.” (Lucas 8.13)
O segredo de não nos afastarmos do Senhor nem perdermos a alegria inicial é o desenvolvimento da profundidade em nossa vida espiritual. Muitos cristãos vivem somente dos cultos semanais. Não investem tempo num relacionamento diário, não oram, não se enchem da Palavra, não procuram mortificar a sua carne para viverem no Espírito, não se envolvem no trabalho do Pai. São cristãos sem profundidade, que vivem meramente na superfície!
A questão da profundidade nas coisas espirituais é aplicada não somente em nossa vida com Deus, mas também nos que servem a Satanás. Na Carta à Igreja de Tiatira, no Apocalipse, o Senhor Jesus elogiou os que não conheceram as profundezas de Satanás:
“Mas eu vos digo a vós, e aos restantes que estão em Tiatira, a todos quantos não têm esta doutrina, e não conheceram, como dizem, as profundezas de Satanás, que outra carga vos não porei. Mas o que tendes retende-o até que eu venha.” (Apocalipse 2.24,25 – RC)
O mesmo princípio da profundidade que se aplica à vida espiritual de quem se encontra no Reino de Deus também se aplica a quem está no Reino das Trevas. Se quem vive no engano do Reino das Trevas chega a desenvolver uma profundidade nesta caminhada que leva à perdição, então nós, que conhecemos a verdade, não podemos nos relacionar com esta verdade de um modo meramente superficial. Se desenvolvermos raízes profundas em Deus, não fracassaremos na fé!
O terceiro fator que contribui para o esfriamento do nosso amor pelo Senhor é a falta de tratamento em algumas áreas das nossas vidas. Já vimos na Parábola do Semeador que um dos exemplos de como o potencial de frutificação da Palavra de Deus pode vir a ser abortado na vida de alguém é a falta de raiz, de profundidade. Mas há um outro exemplo que o Senhor Jesus nos deu nesta parábola – da semente que caiu entre espinhos:
“Outra caiu no meio dos espinhos; e estes, ao crescerem com ela, a sufocaram.” (Lucas 8.7)
Os espinhos não pareciam ser tão comprometedores porque eram pequenos. E, justamente por não parecem perigosos, não foram arrancados. Depois, eles cresceram e sufocaram a semente da Palavra, abortando assim o propósito divino de frutificação.
“A que caiu entre espinhos são os que ouviram e, no decorrer dos dias, foram sufocados com os cuidados, riquezas e deleites da vida; os seus frutos não chegam a amadurecer.” (Lucas 8.14)
As áreas que não são tratadas em nossas vidas talvez não pareçam tão nocivas hoje, mas serão justamente as áreas que poderão nos sufocar na fé e no amor ao Senhor posteriormente.
A queda espiritual nunca é um ato instantâneo ou imediato. É um processo que envolve repetidas negligências da nossa parte, e são estas mesmas “inocentes” negligências que nos vencerão depois. Por isso, devemos dar mais atenção às áreas que precisam ser trabalhadas em nossas vidas!
O quarto fator no esfriamento é o que eu chamo de “distrações”. Diferentemente do cristão que está travando uma luta contra o pecado, o cristão que costuma ser enredado pelas distrações é, via de regra, alguém que não tem cedido ao pecado, mas perde o alvo ao distrair-se com coisas que talvez sejam até mesmo lícitas, mas roubam-lhe o foco.
A Bíblia diz que, quando Moisés foi ao Egito com uma mensagem de libertação, o Faraó aumentou o trabalho do povo para que eles se esquecessem da idéia de adoração a Deus:
“Disse também Faraó: O povo da terra já é muito, e vós o distraís das suas tarefas. Naquele mesmo dia, pois, deu ordem Faraó aos superintendentes do povo e aos seus capatazes, dizendo: Daqui em diante não torneis a dar palha ao povo, para fazer tijolos, como antes; eles mesmos que vão e ajuntem para si a palha. E exigireis deles a mesma conta de tijolos que antes faziam; nada diminuireis dela; estão ociosos e, por isso, clamam: Vamos e sacrifiquemos ao nosso Deus. Agrave-se o serviço sobre esses homens, para que nele se apliquem e não dêem ouvidos a palavras mentirosas.” (Êxodo 5.5-9)
Este quadro, no meu entendimento, é uma ilustração da estratégia que Satanás tenta aplicar hoje contra os cristãos. Aliás, na tipologia bíblica, Faraó é uma figura do Diabo, o nosso antigo tirano e opressor, de quem Deus nos libertou (Cl 1.13). Hoje em dia há muitas pessoas que se envolvem tanto em seus trabalhos e negócios que não têm tempo sequer de se lembrarem de buscar a Deus. Já na Antiga Aliança, Deus exigia um dia semanal de descanso, onde as pessoas não somente paravam de trabalhar, mas também usavam esse tempo para buscarem e adorarem ao Senhor. Infelizmente, este tem sido um fator de distração e esfriamento para muitos cristãos sinceros, que não cederam às pressões do mundo ou do pecado.
Na Parábola da Grande Ceia, Jesus revelou que muitos perdem a consciência do convite de Deus por causa das distrações causadas por coisas lícitas e que podem ser consideradas até mesmo como bênçãos divinas, como, por exemplo, a aquisição de propriedades, a melhoria da capacidade de produção, ou até mesmo a constituição de uma família (Lc 14.15-24)! Isso mesmo! Até o casamento, uma instituição divina (e portanto uma bênção!), pode se tornar uma distração, algo que pode atrapalhar a nossa dedicação ao Senhor:
“O que realmente eu quero é que estejais livres de preocupações. Quem não é casado cuida das coisas do Senhor, de como agradar ao Senhor; mas o que se casou cuida das coisas do mundo, de como agradar à esposa, e assim está dividido. Também a mulher, tanto a viúva como a virgem, cuida das coisas do Senhor, para ser santa, assim no corpo como no espírito; a que se casou, porém, se preocupa com as coisas do mundo, de como agradar ao marido. Digo isto em favor dos vossos próprios interesses; não que eu pretenda enredar-vos, mas somente para o que é decoroso e vos facilite o consagrar-vos, desimpedidamente, ao Senhor.” (1 Coríntios 7.32-35)
Até mesmo o nosso próprio serviço prestado ao Senhor pode se tornar uma distração! Os irmãos de Éfeso perderam o seu primeiro amor, ainda que não tivessem parado de trabalhar para Deus! Encontramos também uma clara advertência do Senhor Jesus no episódio bíblico de Marta e Maria (Lc 10.38-42). Enquanto Maria estava aos pés de Jesus, Marta se queixava pelo fato de haver ficado sozinha na cozinha, servindo. Não creio que Marta estivesse trabalhando somente para manter a casa em ordem. Penso que ela tinha uma boa motivação: ela queria ser uma boa anfitriã; ela queria receber e servir bem ao Senhor Jesus! No entanto, até mesmo os bons motivos podem se tornar distrações, e por isso Jesus disse o seguinte a Marta:
“Respondeu-lhe o Senhor: Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada.” (Lucas 10.41,42)
“Uma só coisa é necessária”! Nada, absolutamente nada é mais importante do que a nossa concentração em buscá-Lo sem distração alguma! Precisamos vigiar com relação a todas as coisas (até mesmo as coisas boas e lícitas que podem ser consideradas como bênçãos em nossas vidas!) que podem nos distrair, tirar o nosso foco de termos o Senhor Jesus em primeiro lugar!
Este é um caminho de proteção do nosso amor pelo Senhor. O nosso cuidado nestas quatro áreas é útil para prevenirmos e evitarmos a perda (ou depreciação) do nosso primeiro amor. Contudo, há os que já perderam o seu primeiro amor! Assim sendo, é preciso fazer alguma coisa com relação à perda já sofrida. Para essas pessoas, eu gostaria de compartilhar o que eu tenho entendido nas Escrituras como sendo o caminho de volta.
O CAMINHO DE VOLTA
O caminho de volta é o caminho da restauração. Foi o próprio Senhor Jesus que propôs o caminho da restauração:
“Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te e volta à prática das primeiras obras; e, se não, venho a ti e moverei do seu lugar o teu candeeiro, caso não te arrependas.” (Apocalipse 2.5)
Cristo mencionou três passos práticos que devemos dar a fim de voltarmos ao primeiro amor:
1. Lembra-te!
2. Arrepende-te!
3. Volta à prática das primeiras obras!
O primeiro passo é um ato de recordação, de lembrança do tempo anterior à perda do primeiro amor. Não há melhor maneira de retomá-lo do que esta: relembrarmos os primeiros momentos da nossa fé, da nossa experiência com Deus! O profeta Jeremias declarou:
“Quero trazer à memória o que me pode dar esperança.” (Lamentações de Jeremias 3.21)
Algumas lembranças têm o poder de produzirem em nós um caminho de restauração. Muitas vezes não nos damos conta do que temos perdido. Uma boa forma de dimensionarmos as nossas perdas é contrastarmos o que estamos vivendo hoje com o que já experimentamos anteriormente em Deus.
Recordo-me de uma ocasião em que fui visitar os meus pais e entrei no quarto que, quando solteiro, eu compartilhava com os meus irmãos. O simples fato de eu entrar naquele ambiente trouxe à minha memória inúmeras lembranças. Revivi em minha mente os momentos de oração e intimidade com Deus que eu havia passado lá. Recordei, emocionado, as horas que, diariamente, eu passava lá, trancado em oração!
Sem que ninguém me falasse nada, percebi que a minha vida de oração já não era como antes. Estas lembranças ocasionaram naquela época uma retomada da minha dedicação à oração, e, até mesmo hoje, ao recordar aqueles momentos da poderosa visitação de Deus que eu vivi naquele quarto, sinto-me motivado a resgatar o que eu deixei de lado!
Contudo, a lembrança em si do que eu havia provado lá não produziu mudança alguma. Ela simplesmente trouxe um misto de saudade com tristeza e arrependimento, pelo fato de eu ter deixado de lado algo tão importante!
E esta é exatamente a segunda atitude que Jesus pediu aos irmãos de Éfeso: “Arrepende-te!” Não basta termos saudades de como as coisas eram anteriormente! É preciso que sintamos dor por termos perdido o nosso primeiro amor! Precisamos lamentar, chorar, e clamar pelo perdão de Deus! É imperativo reconhecer que a perda do primeiro amor é mais do que um desânimo, ou qualquer outra crise emocional! É um pecado de falta de amor, de desinteresse para com Deus!
À semelhança dos profetas do Antigo Testamento, Tiago definiu como devemos nos posicionar em arrependimento diante do Senhor. Deve haver choro, lamento e humilhação:
“Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós outros. Purificai as mãos, pecadores; e vós que sois de ânimo dobre, limpai o coração. Afligi-vos, lamentai e chorai. Converta-se o vosso riso em pranto, e a vossa alegria, em tristeza. Humilhai-vos na presença do Senhor, e ele vos exaltará.” (Tiago 4.8-10)
O fato de nos humilharmos perante o Senhor é o caminho para a exaltação (restauração) diante d’Ele. Se reconhecermos que abandonamos o nosso primeiro amor, teremos que separar rapidamente um tempo para orarmos e chorarmos em arrependimento diante do Senhor e para buscarmos uma renovação.
Eu sei que recordar e chorar pelo passado também não é a cura em si, mas é um passo em sua direção! É um estágio de preparação, por assim dizer. Por isso o conselho proposto pelo Senhor na Carta à Igreja de Éfeso ainda tem um terceiro passo prático: “Volta à prática das primeiras obras!” Portanto, não basta apenas revivermos as lembranças e chorarmos! Temos que voltar a fazer o que abandonamos! Essas primeiras obras a que Cristo Se refere não são o primeiro amor em si, mas estão atreladas a ele – são uma forma de expressarmos e alimentarmos o nosso primeiro amor! Elas têm a ver com a forma pela qual O buscávamos e também a maneira como O servíamos. Jesus não protestou porque os efésios não O amavam mais, e sim porque já não O amavam mais como anteriormente! Precisamos mais do que o reconhecimento da nossa perda! Precisamos voltar a agir como no início da nossa caminhada com Cristo!
É tempo de resgatarmos o nosso amor ao Senhor e dar-Lhe nada menos que um amor total! Que possamos sempre nos apossar da graça do Senhor, para vivermos intensamente a nossa obediência ao Maior Mandamento!