“E aconteceu que, concluindo Jesus este discurso, a multidão se admirou da sua doutrina; Porquanto os ensinava como tendo autoridade; e não como os escribas” [Mateus 7:28-29].
No livro de Mateus, nos capítulos 5 à 7, vemos o famoso Sermão do Monte onde, em resumo, Jesus trata acerca da forma como a Lei, as ordenanças de Deus, devem ser aplicadas. Jesus não fala sobre legalismo, mas sim de como viver na prática as ordenanças de Deus. Ele não foca as bençãos e maldições consequentes de nossa posição quanto a isso, mas sim a necessidade de viver segundo os princípios das ordenanças, não simplesmente obedecer às regras. Ao final desse discurso vemos, segundo o texto em destaque, que de fato os ensinamentos proferidos neste tão rico sermão são de um teor até então não observado. Jesus mencionou a lei, ordenou a obediência, mas ensinou a obedecê-la com sinceridade. Não pregou o legalismo, mas sim toda a profundidade do Reino de Deus.
Li recentemente mais um artigo discutindo a legalidade do dízimo. E como é de praxe foi seguido de uma calorosa discussão entre os leitores. Eu pessoalmente gosto de uma boa discussão acerca de ideias; ensina-nos novos conceitos, consolida nossas convicções, aprimora nossa argumentação e nos ajuda a aceitar o fato de que existe opiniões distintas das nossas cujos argumentos são tão fortes quanto os nossos, ou até mais. Contudo, o que se vê, na maior parte dos comentários sérios é uma dualidade de ideias diametralmente opostas: de um lado, aqueles que afirmam que o dízimo é uma farsa apoiados em textos sobre a revogação da Lei em Cristo, de outro lado, aqueles que defendem o dízimo como uma obrigação apoiados por textos que sugerem que Cristo apoia (ou pelo menos não proibiu) o dízimo. Como vemos, a discussão ocorre em torno da questão da legalidade, da aceitação – ou não – da Lei.
Se lermos Gálatas 3:24 veremos que a Lei foi dada para cuidar do homem até a vinda de Cristo. Ou seja, a obediência a essas regras serviriam para manter o coração do homem preparado para receber a Cristo. Mas por quê então ela deveria ser revogada? Notamos, pelo Sermão do Monte, que, apesar da Bíblia nos garantir diversas vezes que não o homem não está mais sob o julgo, sob a maldição, da Lei, os princípios nos quais essas regras foram fundamentadas permanecem passíveis de observância, caso contrário, Jesus não teria citado-os.
Lembre-se: a Bíblia é um livro de princípios, não de regras. Um exemplo disso vemos em Mateus 5:21-22: “Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; mas qualquer que matar será réu de juízo. Eu, porém, vos digo que qualquer que, sem motivo, se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e qualquer que disser a seu irmão: Raca, será réu do sinédrio; e qualquer que lhe disser: Louco, será réu do fogo do inferno”. Um assassinato nunca ocorre senão precedido de cólera; a abstenção da cólera certamente evitará o assassinato. Jesus não simplesmente pediu para seguirmos a regra “não matarás”, mas para vivermos o princípio do amor ao próximo, pois desta forma certamente a regra não será violada.
Por duas vezes (Mateus 9:13 e 12:7) Jesus afirmou: “Misericórdia quero, e não sacrifício”. Com isso ele diz que mais aceitável é o princípio da misericórdia do o sacrifício previsto na Lei. E isso não é algo novo. Veja Oséias 6:6: “Porque eu quero a misericórdia, e não o sacrifício; e o conhecimento de Deus, mais do que os holocaustos”. Já no antigo testamento Deus já desejava que os princípios de sua Lei, de seu Reino, estivesse nos corações dos homens. Por isso ele determinou a Lei, para que os corações estivessem familiarizados com os princípios. Mas infelizmente, como naqueles tempos, ainda muitos têm vivido sobre o julgo do legalismo. Há dois grupos de pessoas sob esse julgo:
Aqueles que obedecem a Lei por medo da maldição advinda pela desobediência;
Aqueles que obedecem a Lei como uma forma de receber as bênçãos prometidas.
O primeiro grupo, se esquece que somos redimidos por Cristo (Romanos 3:24) e portanto não podemos esperar que a justiça venha da Lei, pois estaríamos dizendo que o sacrifício de Cristo foi em vão (Gálatas 2:21). O segundo grupo se esquece que todos somos pecadores (Romanos 3:23; 1 João 1:8) e portanto não somos de forma alguma merecedores das bênçãos, mas a recebemos unicamente por conta do amor incondicional de Deus.
Diante de tudo isso, o que fazer? A Bíblia nos orienta que devemos buscar uma profunda transformação de nosso ser (Efésios 4:24; Romanos 12:2, João 4:23-24). Cristo não nos quer condicionados a regras que observamos inconscientemente, mas nos quer transformados, vivendo sobre Seus princípios, não sob regras. E com o nosso ser transformado, não somos “obrigados” a fazer algo, mas sentimos o desejo (ou até a necessidade) de fazê-lo por princípio, por amor. Isso deve ser espontâneo, nunca forçado.
Se verdadeiramente buscarmos o Reino de Deus e o que Ele representa, vivermos em comunhão com o Espírito Santo e humildemente aceitarmos Seu direcionamento, certamente estaremos obedecendo e vivendo por princípios, não por regras. Lembre-se: isso não é uma filosofia, mas é algo bem prático. Se não nos dedicarmos à oração, ao jejum e à leitura da Bíblia, tenha por certo que não atingiremos tal objetivo.