No século IV havia muitas divergências a respeito das doutrinas de Deus e de Cristo. Visando resolver as questões, a igreja celebrou seu primeiro concilio universal, a fim de diminuir os conflitos doutrinários. Esse concílio ficou conhecido como Concílio de Niceia, foi convocado e presidido por Constantino. Na ocasião foi estabelecida a doutrina de trindade, expressa no Credo de Niceia (oficialmente chamado de Credo Niceno-Constantinopolitano).
Assim como no século IV, tenho percebido em nossos dias a dificuldade que cristãos têm de explicar e fundamentar essa doutrina. Ao visitar algumas igrejas, observo membros, que na tentativa de explicar a trindade, ensinam heresias. Já presenciei um professor, em um estudo para jovens, negar a doutrina da trindade, afirmando que o Pai é Deus, o Filho é Deus e o Espírito é apenas o espírito de Deus. Também tenho sido muito questionado por jovens e adolescentes quanto a essa temática, a maioria, busca saber como fundamentar essa doutrina na Bíblia ou como entende-la.
Esse quadro me preocupa, pois, estou convencido de que a doutrina da trindade é a principal da Bíblia, ela é fundamental. Será que o “evagelicalês” brasileiro precisa voltar a Niceia? Nesse cenário escrevo esse texto, visando ajudar cristãos brasileiros a entenderem e explicarem a trindade quando questionados.
Antes de definir trindade e explanar como a doutrina se fundamenta nas Escrituras, gostaria de dizer o que ela não é. Trindade não é a noção de que Pai, Filho e Espirito Santo são apenas manifestações distintas da mesma pessoa, Deus o Pai (Sabelianismo). Trindade não é a noção de que que Deus se apresentou de três modos distintos (Modalismo). Trindade não é a noção de que na essência de Deus há três pessoas que coexistem em um relacionamento hierárquico (Subordinacionismo).
Quando se fala de trindade, precisa-se reconhecer que estamos diante de um paradoxo. Isso significa que a doutrina da trindade parece conter verdades contraditórias mas é um ensino bíblico. Por exemplo, a Soberania de Deus e a Responsabilidade Humana ou a Humanidade e Divindade de Cristo, não se sabe como elas se relacionam mas crer-se que ambas são ensinos bíblicos, o mesmo pensamento se aplica à trindade. Portanto, antes de qualquer definição, é necessário entender e reconhecer que o paradoxo da trindade é uma verdade que está acimada da nossa capacidade de entendimento. Digo isso porque a maioria das heresias relacionadas a doutrina da trindade, que tenho ouvido nesses anos na membresia das igrejas, é consequência da tentativa de explicar a trindade de forma que faça sentido racional e lógico.
Wayne Grudem define a doutrina da trindade do seguinte modo: “Deus existe eternamente como três pessoas – Pai, Filho e Espirito Santo – e cada pessoa é plenamente Deus, e existe um só Deus” [1]. Gosto dessa definição pois ela traz três verdades que são necessárias para entender e explanar a trindade: (1) Deus é três pessoas; (2) As três pessoas são plenamente Deus; (3) Só há um Deus. Também creio que essa definição é adequada para um texto objetivo, como é o caso.
É popular dizer que a doutrina da trindade encontra-se somente no Novo Testamento. Porém no Antigo Testamento encontre-se várias passagens que demonstram que Deus existe em mais de uma pessoa (Gn 1.26; 3.22; 11.7; Is 6.8), o que começa a lançar luz na primeira verdade da definição apresentada acima. Muitos teólogos também usam Isaías 61.10 para afirmar que essa doutrina está presente no Antigo Testamento mesmo que não explicitamente.
No Novo Testamento a doutrina aparece de forma explícita e claramente pode-se perceber que Deus é três pessoas distintas. João 1.1-2 diz que “Ele estava no princípio com Deus”, se Ele, o Verbo (que é revelado como Cristo nos versos 9-18), “estava com” significa que é uma pessoa distinta. Outros textos fazem distinção entre o Filho e o Pai: Jo 17.24; Hb 7.25; 1Jo 2.1. Além disse em João 16.7 percebe-se a diferença pessoal entre Jesus e o Consolador (que é o Espirito Santo). Encontra-se também alguns versos em que as três pessoas aparecem juntas: Mt 28.19;1Co 12.4-6; 2Co 13.14; 1 Pe 1.2; Ef 4.4-6; Jd 20-21.
Cada uma das três pessoas são plenamente Deus. É evidente que o Deus Pai é plenamente
Deus em todo o antigo Testamento onde Deus é reconhecido como Senhor soberano e em alguns textos do Novo Testamento (At 4.24; Mt 26.39; Mt 6.9-10). Em João 1.1-4 é notório que Jesus é plenamente Deus, além de outros textos como: Jo 20.28-29; Hb 1.1-3; Tt 2.13; 2 Pe 1.1; Rm 9.5. Em Isaías 9.6 a profecia apresenta o Messias como “Deus Forte”. O Espirito Santo também é plenamente Deus, basta observar textos como: At 5.3-4; 1Co 3.16. Entendendo que Deus Pai e Deus Filho são plenamente Deus, então as “expressões trinitárias” que aparecem nos textos que foram apresentados no parágrafo acima (Mt 28.19; 1Co 12.4-6; 2Co 13.14; 1 Pe 1.2; Ef 4.4-6; Jd 20-21) também podem ser usados como base para afirmar que o Espirito Santo é plenamente Deus. Vale observar que, afirmar que as três pessoas são plenamente Deus, implica em crer que tais são iguais em poder e que andam em comunhão perfeita e indissociável (pois Deus é perfeito e imutável: Jó 11.7; Sl 102.25-27).
Deus é três pessoas, as três pessoas são plenamente Deus porém há só um Deus. É claro nas Escrituras que existe somente um Deus: Dt 6.4-5; 1 Rs 8.60; Is 44.6-8; 45.5-6,21-22; Rm 3.30; Tg 2.19. Conclui-se que Deus é três pessoas distintas: Pai Filho e Espirito Santo. O Pai é plenamente Deus, o Filho e plenamente Deus e o Espirito Santo é plenamente Deus. O Pai não é o Filho, o Filho não é o Espirito, o Espirito não é o Pai (pessoas distintas). Porém, não são três deuses mas é apenas um Deus. Eis o paradoxo, eis o mistério da Trindade.
Em Efésios 1.3-14, Paulo mostra como o Deus trino trabalha no plano de redenção. Do verso a 3 ao verso 6, Paulo apresenta a obra do Pai, que é aquele que planeja. Do verso 7 ao verso 12, ele apresenta a obra do Filho, que é aquele que executa o plano, redimindo e remindo os que haviam sido eleitos pelo Pai. No verso 13 e 14, o Apostolo apresenta a obra do Espirito Santo, que é aquele que tem aplicado esse plano na vida dos eleitos do Pai. Repare que no fim de cada bloco a expressão encontra-se a expressão “para louvor da sua glória”. Todos os atos de Deus na história são para louvor da sua própria glória. Nós somos beneficiados e Deus recebe a glória. Cito o início de uma oração Puritana:
TRÊS EM UM, UM EM TRÊS, DEUS DA MINHA SALVAÇÃO,
Pai celestial, Filho bendito, Espírito eternal,
Eu te adoro como único Ser, única Essência,
Único Deus em três Pessoas distintas,
Por trazeres pecadores ao teu conhecimento e ao teu Reino.
Ó Pai, tu me amaste e enviaste Jesus para me redimir;
Ó Jesus, tu me amaste e assumistes minha natureza;
Derramastes teu sangue para lavar meus pecados,
Consumaste justiça para cobrir a minha iniquidade;
Ó Santo Espírito, tu me amaste e entraste em meu coração,
Lá implantaste a vida eterna,
Revelaste-me as glórias de Jesus… [2]
Entendendo que você compreendeu a doutrina da trindade, creio que a melhor forma de você explica-la para alguém é primeiramente mostrando que é um paradoxo. Depois apresentando as três verdades sobre a trindade (Deus é três pessoas – As três pessoas são plenamente Deus – Só há um Deus) fundamentando-as nas Escrituras. Caso você esteja explicando para um não cristão, ao final, apresente o plano de redenção a ele, crendo que Deus soberanamente fará sua vontade.
Diante de uma verdade tão gloriosa, como a doutrina da trindade, termino citando Agostinho de Hipona. Faço das palavras dele minhas palavras: “Senhor, único Deus, Deus Trindade, tudo que disse de ti nesses livros de ti vem. Reconheçam-no os teus, e se algo há meu, perdoa-me e perdoem-me os seus. AMÉM.” [3]
Referências Bibliográficas:
[1] GRUDEM, Wayne A. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999. p. 165
[2] FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. São Paulo: Vida Nova, 2007. p. VIII.
[3] AGOSTINHO. A trindade. São Paulo: Paulus, 1994. p. 557.