É crescente no Brasil a participação cristã no processo político. Ou talvez deva dizer que a sua participação outrora simplesmente cidadã assumiu ares evangélicos nos últimos anos. A cada eleição vários candidatos evangélicos lançam seus nomes para apreciação de suas denominações, muitos deles até disputando o mesmo eleitorado, na expectativa de assumir um mandato e cumprir a sua “MISSÃO”. Não faltam argumentos e até encontram respaldo bíblico para tal empreitada. Devido à insistência de grupos evangélicos, algumas igrejas têm sido identificadas como redutos de grupos políticos. No jargão político, o curral eleitoral trocou o gado pela ovelha já que o povo de Deus é visto como um rebanho dócil, obediente e fiel. Para alguns oportunistas, a chance de sair do anonimato pode começar pelo meio de um eleitorado que de fora é tido como ingênuo.
Os principais personagens bíblicos citados para respaldar a via política são: José, filho de Jacó, que foi governador do Egito e Daniel, que também foi governador, porém na Babilônia. No entanto, as circunstâncias em que ocorreram esses episódios são totalmente excepcionais. Tanto José como Daniel foram protagonistas dos cativeiros do povo israelita e não consta na Bíblia que tenham levantado palanques e sim altares ao Senhor, razão pela qual sofreram perseguições e foram presos até que Deus os exaltou. É bem certo que nessa época não havia definição para a palavra democracia, mas é também evidente que não houve aspiração pelo poder em nenhum dos casos citados. Ambos personagens foram instrumentos nas mãos de um Deus que queria dar testemunho do Seu poder a outras nações.
Esse mesmo Deus concedeu a Daniel várias visões proféticas, entre elas a do filho do homem que chegou até o ancião de dias (Dn 7:13). Pois a este filho do homem, que a maioria dos teólogos e comentaristas bíblicos identifica como sendo Jesus Cristo, “foi-lhe dado o domínio, e a honra, e o reino, para que todos os povos, nações e línguas o servissem” (v.14). É necessário esclarecer que o reino a que se refere esta passagem foi estabelecido quando Jesus ressuscitou e voltou para o Pai, e que este reino “não passará”, ou seja, não será jamais destruído, pois é um reino eterno, ainda que não seja deste mundo.
Para entender melhor o reino a que nos referimos, recorremos ao próprio Jesus, quando afirma: “se eu expulso os demônios pelo Espírito de Deus, é conseguintemente chegado a vós o Reino de Deus” (Mt 12:28). Este Reino de Deus aqui na terra, constituído desde a vinda de Jesus conforme vimos anteriormente, é manifesto através dos seus súditos, isto é, dos cristãos. E a sua natureza é tão contrária ao poder secular estabelecido que grande parte dos crentes primitivos foram perseguidos e até mortos pelas autoridades constituídas. Essa situação não é diferente hoje, pois a palavra revela que aquele que quiser seguir fielmente a Cristo padecerá perseguições. Sendo assim, a preocupação por ocupar cargos e mandatos no âmbito secular é despropositada uma vez que busca assumir os postos daqueles que lhes são naturalmente opositores.
Obviamente, os cristãos que almejam o poder secular estão transitando na contramão da direção divina. O profeta Zacarias transmitiu assim a mensagem do Senhor: “virão muitos povos e poderosas nações buscar em Jerusalém, o Senhor dos Exércitos e suplicar a benção do Senhor” (Zc 8:22) grifo meu – e “Iremos convosco, porque temos ouvido que Deus está convosco” (v.23). Ou seja, as outras nações seguirão a Israel e ao povo de Deus, isto quer dizer, se converterão ao Senhor dos Exércitos e farão parte do Reino de Deus quando observarem a glória e o poder de Deus na vida do seu povo.
O texto do livro de Daniel ainda nos mostra que todo o “reino, e o domínio, e a majestade dos reinos debaixo de todo o céu serão dados ao povo dos santos do Altíssimo” (Dn 7:27). Isto sucederá após o juízo final, depois de derrotado o anticristo e não será através de nenhuma eleição, mas mediante a intervenção divina. Intervenção como outras tantas já realizadas através da história e que a Bíblia é portadora de como Deus mudou a sorte de povos, reis e nações sempre que assim o quis. Quantas profecias se cumpriram pelo zelo do Senhor à sua palavra. Profecias pronunciadas por homens cheios da justiça de Deus e por isso mesmo ungidos para falar tanto a Israel como às demais nações. Portanto, se hoje o meio cristão acredita que deve tomar o poder secular para mudar o ciclo das coisas ou alguma lei é por falta de conhecimento, de entendimento da palavra de Deus e até de unção.
Há dois mil anos as nações eram menos civilizadas e os tiranos se multiplicavam entre os povos. Egípcios, caldeus, medos, persas, gregos e, depois, romanos, dominaram o que se tinha por mundo até então. Foi nesse cenário que Jesus deixou sua igreja. Sob o domínio político do império romano – os mais sanguinários combatentes, onde a cultura predominante era a grega – repleta de deuses mitológicos, os discípulos deveriam ir e pregar o evangelho.
A história é conhecida e já foi mencionada, entretanto, recordemos a orientação paulina a Tito, quando estava em Creta: “admoeta-os a que se sujeitem aos principados e potestades, que lhes obedeçam e estejam preparados para toda boa obra” (Tt 3:1), e a todos os que estavam em Roma: “Toda alma esteja sujeita às autoridades superiores; porque não há autoridade que não venha de Deus” (Rm 13:1). Finalmente, o apóstolo Pedro, escrevendo aos estrangeiros dispersos na Europa e Ásia Menor, orientou-os assim: “sujeitai-vos, pois, a toda ordenança humana por amor ao Senhor; quer ao rei, como superior (…) porque assim é a vontade de Deus, que fazendo o bem, tapeis a boca à ignorância dos homens loucos” (1 Pe 2:13-15).
Fica evidente que os principais líderes da igreja de Cristo não ensinaram a seus seguidores em nenhum momento que deveriam aliar-se às autoridades ou mesmo tomar as rédeas do poder mundano. Aliás, quando isso ocorreu no transcurso da história descaracterizou totalmente a mensagem do evangelho. Não obstante, uma preocupação comum na maioria de suas epístolas diz respeito aos falsos profetas que surgiriam para fazer desviar o povo da verdadeira vontade de Deus. Falando sobre autoridade, certa vez Jesus contou a parábola do juiz iníquo, sobre o dever de orar sempre e nunca desfalecer. Narra a estória de uma viúva que insistentemente apresentava ao juiz a sua queixa e não era atendida até o dia que este a atendeu para que deixasse de importunar. Conclui indagando que se um iníquo agiu assim, Deus “não fará justiça aos seus escolhidos, que clamam a ele de dia e de noite, ainda que tardio para com eles”? (Lc 18:7) E logo afirma que depressa, lhes fará justiça.
Eduardo Vasconcellos é bacharel em Teologia