No dia 3 de fevereiro, mudei de casa pela décima primeira vez, agora pra minha casa. Muita coisa pra arrumar, armários pra montar e paredes pra pintar. Sobre o muro, próximo a porta, uma fileira de pedras me chamou a atenção. Lembrei que tinham me avisado sobre os dois cachorros infernais do vizinho, que latem dia e noite sem cessar. Conclui que as pedras estavam ali prontas para serem lançadas nos perturbadores de plantão. Elas serão muito úteis! Pensei comigo.Um segundo depois, repensei e as joguei fora, pois usaria uma outra estratégia.
Nos dias seguintes, sempre que voltava da padaria trazendo alguns pães, pegava um pedaço e jogava pra eles; o Scooby – uma mistura de pastor com vira-lata e o Tigre – um bassê que não honra em nada seu nobre pedigree. Bem, o resultado foi mais rápido do que previ, em uma semana conquistei o respeito deles que atendem meus pedidos de silêncio. O próprio vizinho, dono deles, ficou surpreso com a calma com que eles me observam quando apareço no muro. A fórmula óbvia havia funcionado: “Pedras por Pães”.
Alguns dias depois deste episódio, me surpreendi numa crise de fúria-cômica enquanto fazia meu filho, Vitor, de apenas onze meses, nanar. Minha raiva era tanta que tive vontade de esganar o lindo garotinho no berço. Foi quando joguei a toalha e passei o bastão para a Ju, minha esposa. Então deitei na cama com uma sensação de frustração e impotência gigantesca. Me senti fraco e pequeno, como na verdade sou. Sentir raiva do filho é um sentimento desolador em qualquer situação, pois, antes de mais nada, joga na cara nossa debilidade e instabilidade emocional.
Pois bem! Fiz uma breve oração que mais pareceu um gemido e me levantei para o segundo “Round”. Fui até a sala, peguei o Vitor no colo com todo carinho, debrucei-o sobre meu peito e finalmente o fiz dormir. A tempestade de pedras havia passado e mais uma vez, de uma forma trôpega, havia trocado-as por pães.
Há algum tempo tenho procurado uma fórmula de comportamento capaz de tirar toda aura mística da mensagem de Cristo, transformando-a em algo prático para pessoas de carne e osso, como eu. Nesta busca, ironicamente, o próprio satanás me deu a dica, dizendo a Jesus: “Se é mesmo o Filho de Deus, transforme esta pedra em pão”(Lucas 4.3). Jesus não atendeu o pedido naquele contexto, porém, no decorrer de sua vida terrena, Ele o fez centenas de vezes: salvando uma prostituta de ser apedrejada, alimentando multidões, curando enfermos e transformando os corações até de oficiais romanos. Seu comportamento tornava as pedras inúteis no momento onde os homens as achavam insubstituíveis. Ele nos mostrou o padrão de comportamento mais consciente e eficaz para transformar o próprio mal em bem, a própria morte em vida.
Busco hoje, me distanciar cada vez mais dos “aleluias”, “amens” e de todo tipo de “firulas eclesiásticas”, para ir de encontro a esta fórmula, difícil, mas possível, capaz de transformar “pedras em pães”.
“Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com [o bem].
Carta de Paulo aos Romanos. 12.21