Por mais forçoso que seja para nós, admitir que não podemos ter plena felicidade, alegria e paz enquanto estivermos aqui neste mundo, esta é uma grande realidade da qual todos compartilhamos. Alguns conseguem enganar a si mesmos julgando ter a citada plenitude, porque aprenderam a usar sistematicamente em suas vidas alguns mecanismos de sublimação psicológica, por meio dos quais brincam com o infortúnio e riem de todas as circunstâncias que aqui ocorrem justamente como propósito de nos entristecer, furtar nossa alegria e por fim tornar-nos infelizes.
Outros há que violam e cauterizam suas consciências tornando-se blindados para uma correta avaliação de nossa natureza decaída no pecado, e assim nada pecaminoso que possam praticar ou ver em outros lhes afeta.
E as razões para o auto-engano se multiplicam permitindo que aqueles que fogem da verdade relativa a si mesmos pensem que são de fato pessoas plenas de felicidade neste mundo que Deus amaldiçoou.
Na verdade o homem já foi pleno de felicidade, paz e alegria, mas isto, somente antes de o pecado entrar no mundo, porque desde então, toda a sua descendência, sem qualquer exceção, pôde jamais desfrutar de tal plenitude aqui na Terra.
Por quê vivemos então? Para qual propósito?
É na resposta a esta indagação que entendemos a razão de Cristo nos ter sido dado como Salvador.
Não propriamente para que tenhamos esta plenitude referida aqui embaixo, mas para que a tenhamos quando partirmos para estar para sempre com Ele no céu.
Todavia, é verdadeiro que podemos experimentar momentos desta plenitude quando, por concessão divina somos visitados sobrenaturalmente com poder pelo Espírito Santo, que enche as nossas almas da mais pura alegria e paz, e sentimos como se estivéssemos vivendo na própria perfeição do céu.
Mas logo temos que deixar o nosso Monte da Transfiguração e descer para o seu sopé onde encontraremos a realidade deste mundo e a nossa própria realidade.
E quem, em sã consciência pode se sentir plenamente feliz, alegre e em paz quando tem diante de si o seu próprio pecado e os que vê em outros? Por mais que nos santifiquemos, sempre haverá muita escória no nosso ouro necessitando ainda ser expurgada, e a presença desta escória, o pleno conhecimento das nossas fraquezas, impurezas, inabilidades, certamente nos entristecem, e até mesmo ao Espírito Santo com o qual fomos selados para o dia da redenção.
Todavia, permanece a realidade da alegria e da esperança espiritual de sabermos que somos perdoados por Deus, e que a multidão de suas misericórdias haverá de nos assistir no tempo oportuno, para nos perdoar e purificar dos nossos erros.
Como poderíamos estar sempre em plenitude de felicidade diante do Deus que é perfeitamente justo e santo, quando sabemos que não somos dotados da mesma santidade que Adão possuiu um dia no Éden?
Como poderemos estar sempre sossegados e em paz sabendo que temos uma natureza terrena decaída no pecado, que sempre necessitará ser mortificada e despojada?
Como disse antes, ficamos alegres por saber que fomos alcançados pelo perdão e pela misericórdia de Deus em relação à nossa condição de pecadores que somos, nos regozijamos em Cristo por ser o nosso Salvador, mas ao mesmo tempo somos contristados pelo conhecimento real da nossa condição de criaturas decaídas no pecado.
Ainda que saibamos que formos reconciliados com Deus, que por meio de Cristo foi desfeita a inimizade que tínhamos contra Ele, e que fomos tornados Seus filhos amados – nos entristecemos porque não queremos desapontá-lo, e não raro desapontamos tanto a Ele quanto a nós mesmos, por causa do pecado que detestamos, e que apesar de ter sido destronado por Cristo, ainda opera em nossos membros.
Jesus não veio a este mundo para nos tornar plenamente felizes aqui. Ao contrário, Ele ensinou claramente que a vida que temos deve ser odiada por nós, porque é pecaminosa em sua essência. Evidentemente, isto não é em si mesmo, um motivo de alegria para nós sabermos que somos dotados de tal natureza.
Quão distante da verdade está portanto o ensino que devemos ir a Jesus para termos plena paz, alegria e felicidade na Terra.
Está errado porque Ele veio com o propósito de nos perdoar e salvar num mundo de aflições e tribulações, por meio das quais está nos santificando gradualmente para aquela vida perfeita que teremos somente quando estivermos no céu – é por esta esperança que devemos nos alegrar, mas não por todas as nossas presentes condições terrenas.