Preste atenção.
Há muito tempo atrás alguém me disse para ter cuidado de, quando jogar fora a água da bacia, não jogar também o bebê que está dentro dela junto. Algo estranho está acontecendo nas igrejas reformadas ou diretamente oriundas destas. Estranho, mas não surpreendente. Me refiro à crítica aberta a prática bíblica de dizimar.
Por que não acho surpreendente? Porque algo parecido aconteceu há cerca de meio século no seio dessas mesmas igrejas.
Movidas pela ojeriza – natural, diga-se – ao movimento pentecostal, as igrejas reformadas passaram a hostilizar qualquer coisa que pudesse sequer lembrar ou fazer referência a práticas exacerbadas usadas à exaustão por essas denominações. E com isso, chutou para fora de sua doutrina os dons espirituais, expulsos pela doutrina cessacionista, que não tem base bíblica, e toda e qualquer manifestação sobrenatural, como, por exemplo, a profecia e a expulsão de demônios, práticas corriqueiras no ministério, mas que nas igrejas mais tradicionais viraram, respectivamente, soberba e desequilíbrio emocional.
Com isso, ou melhor, com a falta dessas coisas, que fazem parte da Bíblia e de qualquer igreja em tese espiritual, elas acabaram esfriando. Os pentecostais rumaram a um cristianismo arminiano com traços de fanatismo, regado a parco conhecimento das Escrituras, enquanto que boa parte dos reformados transformaram suas igrejas em exércitos de incrédulos abaixo de zero.
Faltou equilíbrio de ambos os lados. Os pentecostais trouxeram a bagunça. Os tradicionais jogaram o bebê fora junto com a água da bacia. E agora, com o advento do neopentecostalismo e sua busca ávida e incessante por riquezas materiais, prosperidade e poder temporal, o fenômeno se repete. A pergunta que faço é bem simples, simplista, diria.
Seria comum, há pelo menos um século atrás, em uma igreja tradicional reformada, a pregação contra o dízimo, sob o argumento de ele se trataria de uma prática legalista do Antigo Testamento?
Sejamos sinceros e encurtemos o tempo. Há pouco mais de vinte anos atrás, ninguém em sã consciência, em uma igreja tradicional reformada, equilibrada, fundamentada na doutrina bíblia, teria coragem de pregar contrariamente à prática de dizimar.
Não há sequer um relato ou registro, entre os grandes pregadores dessas denominações que apontem para isso, nem lá atrás, entre os mais proeminentes reformadores, nem antes, quando se chega aos pais da igreja. O que aconteceu, então?
Por que tem tanta gente apedrejando a prática bíblica de dizimar? De onde surgiu essa tese de ele é da lei e, portanto, foi abolido pela Nova Aliança? E por que ninguém suscitava essa tese entre as gerações que nos antecederam? Parece óbvio que houve desvio doutrinário. Mais do que isso, há muita má-fé envolvida. Acabaram jogando o bebê (doutrina bíblica do dízimo) fora junto com a água da bacia (teologia da prosperidade, neopentecostalismo).
Anos atrás, começando a caminhada no ministério, (frise-se, sou contrário a teologia da prosperidade, considero o movimento pentecostal o pai e a mãe de todas as heresias do século XX e trabalhei dois anos sem receber nada do ministério, porque a igreja não tinha estrutura para assim proceder), incomodado com essa postura nova da igreja de Cristo, e ortodoxo de doutrina, resolvi consultar um pastor mais experiente e sábio do que eu.
Mandei um e-mail, expus a dificuldade em entender o que estava acontecendo, e ele, Pastor Walter Campelo, do site Luz Para o Caminho, atenciosamente me respondeu, eis algumas de sua sábias palavras:
Caro Pr. Neto:
Não posso concordar de forma alguma com o posicionamento daqueles que querem colocar o dizimar como algo opcional em nossos dias. Continuo a entendê-lo como bíblico e válido. Não vi em nenhum momento o dizimar ter sido revogado, muito ao contrário, quando Jesus diz aos fariseus:
“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que dizimais a hortelã, o endro e o cominho, e desprezais o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer estas coisas, e não omitir aquelas” – (Mateus 23:23) Ele está afirmando que é necessário o dizimar, levando em conta o juízo, a misericórdia e a fé. E a nós diz:
“Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus (Mateus 5:20)
O que implica que nós começamos onde os fariseus param.
Em nenhum momento nos foi informado que a prática do dízimo foi abolida. Argumentam que a lei foi cumprida em Cristo, mas o dizimar é anterior à lei (veja Abraão dizimando a Melquisedeque). Lembrando-nos sempre que Jesus foi:
“Chamado por Deus sumo sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque” (Hebreus 5:10)
E Cristo se identifica diretamente com a sua Igreja:
“E, caindo em terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues?” (Atos 9:4)
Assim, da mesma forma que Abraão dizimou a Melquisedeque, ainda hoje somos conclamados a dizimar a Jesus Cristo. Não houve revogação, não houve mudança.
Não sei o que querem estes que falam contra o dízimo. Especialmente a (nome oculto) que chama igrejas que afirmam ser o dízimo bíblico de “igrejas malaquianas”, como se o livro de Malaquias não fizesse parte da Bíblia, ou como se a sua mensagem não tivesse qualquer relevância.
Outro ponto que muitos defendem é que em II Coríntios 9:7 é dito que a contribuição deve ser feita conforme cada um tem proposto em seu coração. Assim, se você não tem proposto em seu coração o dizimar, ou se vai fazê-lo com o coração entristecido, não precisa. Mas, este texto fala de oferta de amor, e não de dízimo. O Dízimo é primícias, e a oferta é retirada do que sobeja. Um é dever, o outro é opção.
(…)
Bom, caro irmão, o fato é que biblicamente, não consigo ver de nenhuma outra forma: o dízimo continua sendo um dever para qualquer um que faz parte do povo de Deus. A obra continua e continua havendo necessidade de provimento para a obra.
Que Deus o abençoe grandemente…
No amor e no serviço do Senhor
Walter Andrade Campelo
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Pois bem, naquele momento essa resposta me foi suficiente.
Tempos depois de pesquisas e análises só vieram confirmar essas palavras.
É claro que o modus operandi das igrejas neopentecostais no tocante a arrancar ofertas de sua clientela é algo que causa revolta e repulsa.
A tal ponto que muitos ministros sérios hoje temem em falar sobre o tema – dinheiro – em suas congregações, com medo (medo mesmo) de serem mal interpretados, visto que, por causa dessas igrejas/empresas o tema se tornou tabu para quem tem um mínimo de vergonha na cara. Seria compreensível, se a Bíblia não falasse sobre o assunto.
E é claro que fala. Não como os pedintes de auditório falam, distorcendo textos e contextos ao seu bel prazer para enriquecerem às custas de seu rebanho. Mas fechar os olhos para tudo o que está escrito na Bíblia sobre finanças, trabalho, fidelidade, semeadura e ofertas, pode ser temeroso. Diria mais, chega a ser covardia.
Será que o fato de surgirem comentários do tipo “Todo pastor é ladrão” ou “Pequenas igrejas, grande negócios” justificam meu silêncio?
Ou será que esse não é mais um plano perspicaz do diabo para enfraquecer financeiramente as igrejas sérias, enquanto que ministérios mercenários enriquecem e tomam conta de um espaço que não deveria ser deles?
Sinto muito. Continuo trabalhando fora da igreja, todas as horas por dia que minha empresa me determina, pois defendo a prática da ‘fabricação de tendas’ por parte dos pregadores. Deus sempre se deu bem como homens trabalhadores. Mas não vou deixar de explicar para minhas ovelhas que o dízimo é bíblico, não há sequer (como o sábado e o sacrifício de animais) um, repito, um só versículo bíblico que fundamente sua retirada da pregação da igreja.
E argumentar que era uma prática da lei é de uma falta de exegese e hermenêutica tamanhas, que beira os abusos cometidos pelas igrejas (neo)pentecostais.
Pastores, acordem. E, cuidado.
Não joguem fora o bebê junto com a água da bacia.
Vocês já cometeram esse erro uma vez, embora nesses últimos dias muitos tem trabalhado para tentar corrigi-lo (Como John Piper, por exemplo). O debate teológico é um dos poucos lugares da obra de Deus em que dá para separar o joio do trigo.
Neto Curvina
Ministro do Evangelho