Certo dia Deus estava andando pelo meio do jardim que ele mesmo havia criado. Lá, entre tantas árvores do Éden havia além dos animais, um transparente rio e em suas margens o solitário e infeliz Adão. Mas porque está sentindo-se assim Adão? Pensou Deus. Em um rápido segundo ele avaliou que nem sua própria presença e seu interesse contínuo em procurá-lo diariamente o faziam feliz. Foi olhando para a alma de Adão que Deus descobriu que o ser humano necessita Dele com a mesma intensidade que precisa se relacionar com os seus semelhantes. Sendo assim ele afirmou: – “Não é bom que o homem esteja só”. Acabarei com a solidão existencial de Adão e lhe darei uma linda mulher que lhe será eterna companhia. Assim terei certeza que sua solidão desaparecerá e ele será finalmente feliz por intermédio do que farei em sua família. No começo até o próprio Adão acreditou nisso. Não parava de olhar para Eva e se encantar com sua formosura. Aquela presença parecia representar a encarnação da própria felicidade. Em fim sou feliz, pensou Adão. O tempo passou e aos poucos ele acostumara-se com aquele encanto de mulher. Não passava mais horas e horas olhando os detalhes de seus olhos e elogiando seu rosto. A felicidade da companhia de Eva tornara-se um lugar comum. Ele agora passava mais tempo arando a terra e dando alimento aos animais.
Ao entardecer, chegando Adão cansado em casa, Eva dirigiu-lhe um fruto já mordido a boca, e ele resolveu não recusar a fim de que ela não se sentisse rejeitada. Mas o pior aconteceu. Ao comer, ele olhou para ela e percebeu que tudo que há tanto tempo acreditara ser sua verdadeira felicidade era uma espécie de miragem. Sentiu pela primeira vez saudade de Deus e percebeu também que em Eva havia desajeites e que aquela alegria na verdade não era como antes. Por outro lado, Eva sentiu que seu amor por aquele homem não poderia resistir ao tempo e os dois se lembraram que Deus havia dito que eles não deveriam se iludir com o fruto do conhecimento da felicidade própria. Da felicidade que é conseqüência de se bastar a si mesmo.
Esse relato, se repete nessa época em que vivemos a tirania da felicidade. A revolução em nome do prazer tenta nos convencer diariamente que mais importante do qualquer outra coisa é sermos felizes. “Viva e seja feliz”, “O mais importante é ser feliz”. Mas a perseguição à felicidade se torna uma tentativa caótica, absurda e infrutífera quando agimos como se para alcança-lá devêssemos chegar a algum lugar ou nos apropriarmos de algo para obtermos plena realização. Sendo assim precisamos compreender o não ser da felicidade. Mesmo que a filosofia enfatize a verdade como o caminho, e a ética ensine o valor do dever, ou mesmo à psicologia diga: a essência da felicidade reside em sabermos conviver equilibradamente com os abismos e pontes que nós mesmos construímos, é necessário que afirmemos que a felicidade não poderá ser experimentada por quem não encontrar fora de si mesmo um sentido para sua própria existência. Adão precisava se relacionar com alguém, e por essa razão Deus deu-lhe Eva, porém esse relacionamento não poderia suplantar a amizade e cumplicidade que ele já nutria por Deus. Eva tomou o lugar de Deus e por algum tempo Adão achou que ela era responsável por sua felicidade. Quantas mulheres passam boa parte de suas vidas acreditando que sua felicidade depende de seus maridos? ou dos seus filhos? Quantos homens depositam no sucesso profissional a ilusão de que assim serão felizes? Mulheres e homens esquecem que Adão e Eva erraram por acreditarem nas mesmas coisas que ainda hoje acreditamos.
Para compreendermos o não ser da felicidade, precisamos desmascarar a ilusão de que ela representa um lugar onde devemos chegar. Ou mesmo acharmos que ela se concretizará com a chegada do novo. Do inédito. Todas as vezes que nos apropriamos de algo que muito queríamos, sentimos uma sensação muito boa de realização e felicidade. Porém, isso não significará que tal sentimento será suficiente para nos sentirmos realizados plenamente e o tempo todo. Depois de perceber que não era mais tão feliz assim, Adão chegou a culpar Deus pela sua infelicidade: – “a mulher que me deste”, ela foi a responsável em me oferecer o fruto da felicidade e eu te desobedeci. Quantos fazem de seus percalços uma fonte de projeção. Culpam todos pelos seus erros e insucessos, criam expectativas irreais e depois se frustram quando acordam da ilusão de ser feliz sem Deus.
Em busca da felicidade, também há quem tente eliminar o máximo o sofrimento e passe a negar a dor e buscar unicamente o prazer. A satisfação dos desejos passa a ser a caminhada para o bem estar próprio. Não se sente alegria pela alegria do outro, não há realização na conquista dos sonhos dos outros, porque em primeiro precisa vir os meus projetos e realizações. Não há sensibilidade para aproveitar cada momento da vida, pois se é feliz durante o curto caminho e não só no seu destino. E no caminho, a única certeza de felicidade é Deus.