O meu Deus é humilde, não veio à Terra num redemoinho abrasador, nem num fogo devorador. Tornou-se um óvulo que se formou feto. Esvaziando-se e humilhando-se a si mesmo.
Muitos dizem que Ele é grande, mas na verdade ensinou-me que é pequeno. Apareceu na Palestina na forma de bebé, não podia falar, nem comer alimentos sólidos, não controlava a sua bexiga. Dependia de uma jovem para receber abrigo, alimento e amor.
Muitos hoje desejam reverência, honras e benefícios materiais ilimitados. Mas em humildade constante a visita de Deus à Terra aconteceu num sitio mal-cheiroso cheio de animais, sem assistentes e sem uma cama luxuosa para deitar o rei recém-nascido. Ele não quis grandes festas e reconhecimentos superiores, não estavam presentes pregadores famosos ou teólogos brilhantes para o receberem e celebrarem o seu nascimento.
Por breves momentos o céu foi iluminado por anjos, quem viu este espectáculo? Pastores analfabetos que cuidavam de rebanhos alheios. “Zés-ninguém”, que não deixaram os seus nomes.
Na altura os pastores tinham tão má reputação que os judeus igualavam-nos aos gentios, restringindo-os aos pátios externos do Templo. Nada mais adequado do que estes terem sido a escolha de Deus para ajudarem a celebrar o nascimento daquele que seria conhecido como o amigo dos pecadores.
O meu Deus é acessível, não precisa de roupas especiais ou posturas físicas diferentes para alguém se dirigir a Ele. Não precisa de orações que agradam ouvidos humanos, com uma sonoridade carregada de auto-promoção e exaltação, basta falar com o coração, num relacionamento sem medo, algo livre e maravilhoso.
Há quem o veja como alguém Santo e inacessível, fechado no Lugar Santíssimo, onde os impuros não podem entrar. Ele abraça pessoas impuras e partilha refeições com pecadores. Olha nos olhos dos piores pecadores, quando estes choram aos seus pés e diz que os ama.
Um Deus que se inclina para os oprimidos e desprezados. Planeou as circunstâncias em que ia nascer aqui na Terra, sem poder nem riqueza, sem direitos nem justiça. Vitima de maus-tratos e oprimido pelos ricos e poderosos. Identifica-se com aqueles que não se sentem enquadrados, com aqueles que todos os dias experimentam o desespero, sofrem dores, sentem um peso no peito, as injustiças da vida.
Acreditam que ele é pré-determinista, que determina tudo o que acontece sendo frio e indiferente. Conheço um Deus que chorou no funeral do seu amigo e compadeceu-se da dor daquela família, um Deus que lamentou com lágrimas nos olhos a destruição de Jerusalém, que suspirando disse “Como uma galinha ajunta os seus pintainhos, assim eu vos queria ajuntar debaixo das minhas asas”. Um Deus que chora no dia em que aquela mulher ou aquele homem decide se suicidar, no dia em que um filho seu é enganado por uma religião, que chora sempre que uma criança é violada e um idoso é mal tratado.
O maior lamento de Deus é o futuro estar nas nossas mãos e não na sua vontade.
Afirmam que é todo-poderoso e soberano, podendo todas as coisas de forma ilimitada. Interagindo sempre que quiser.Conheço um Deus que é limitado pelos homens, que se apaixonou por um povo rebelde, e nas loucuras do amor, decidiu humilhar-se a si mesmo, optando ir morar para dentro de uma tenda no meio do deserto, para poder estar próximo deles. Chorando através dos seus profetas, sempre que era rejeitado ou trocado, foi mal-compreendido e rejeitado. Não os pôde curar, porque eles não se viraram para Ele.
Através de um corpo humano, conseguiu andar fisicamente no meio da sinagoga e curou aqueles que eram vitimas de males físicos e espirituais à vários anos. Irritou-se com os seus seguidores por não conseguirem fazer chegar a sua presença a uma criança atormentada pelo mal. Será que todos estes malefícios foram permissão Dele, ou Ele só quando conseguiu lá chegar é que findou com tais tormentos?
Desesperadamente andou mais quilómetros, alterando a sua rota para puder falar com uma mulher de uma “fé” diferente, com um estilo de vida altamente pecaminoso. Porque Ele não habita num livro, nem é regido pela moral de uma instituição, age de formas imprevisíveis não estando preso a uma confissão religiosa. Não habita em templos feitos por mãos humanas, nem se submete a doutrinas teológicas, habita dentro do seu povo, que é um Corpo vivo que se move na Terra, e que supostamente deveria ter a sua boca e a sua compaixão, levar o seu poder e amor para alcançar aqueles que são vitimas do mundo.
Um Deus que não olha para a aparência, mas para o coração. Insiste em usar pessoas imperfeitas, conflituosas, problemáticas e sofridas. Talvez porque estas vêm a ter uma noção das suas marcas e têm compaixão daqueles que ninguém suporta.
Num dia fluíam dele milagres, no dia seguinte o seu poder ficava bloqueado pela falta de fé das pessoas.
O Deus que criou a matéria tomou a forma dentro desta, como uma poeta que se torna em verso, num poema.
A Palavra que se tornou carne, e vai-se revelando a todos aqueles que o buscam na sinceridade do coração, sempre que é trocado ou rejeitado chora, sempre que é incompreendido sente compaixão e misericórdia, se pudesse abraçava-te e já não te largava mais.
Este é o Deus que eu conheço.
Ricardo Gomes