“Porém ao rei de Judá, que vos enviou a consultar o Senhor, assim lhe direis: Assim diz o Senhor, o Deus de Israel, acerca das palavras que ouviste: Porquanto o teu coração se enterneceu, e te humilhaste perante Deus, quando ouviste as suas ameaças contra este lugar e contra os seus moradores, e te humilhaste perante mim, e rasgaste as tuas vestes, e choraste perante mim, também eu te ouvi, diz o Senhor” (II Crônicas 34.26,27)
Estas palavras são uma parte da mensagem que a profetisa Hulda enviou ao bom rei Josias, pois, como a mensagem foi sobre ele e seu povo, por isso a resposta dela é exata, tanto para ele quanto para o povo, conforme está registrada nos versos anteriores.
Vemos o prefácio à sua mensagem, fortalecido com a autoridade de Deus, “Assim diz o Senhor Deus de Israel”, de modo que as palavras carregam em si a força e poder da majestade do autor.
Aqui está a sua sabedoria, portanto, pois deixa de lado a sua própria autoridade, e fala em nome do Senhor. Lemos sobre Josias, que ele era um homem de coração reto, e que fez o que era reto aos olhos do Senhor, por isso mandou consultar Hulda, pois desejava conhecer que juízos o Senhor traria contra o povo de Judá em razão de seus grandes pecados contra Ele. Desse relato das Escrituras podemos aprender que Deus envia profetas portadores da Sua palavra àqueles que são de coração reto, e onde há um verdadeiro desejo de conhecer a sua vontade.
Esta é a misericórdia de Deus para com aqueles que são verdadeiros de coração. Ele irá dar-lhes mestres adequados aos seus desejos, mas aqueles que são de corações falsos terão mestres adequados, que irão instruí-los de acordo com as suas concupiscências, 2 Tes 2.11. Se forem como Acabe, terão quatrocentos falsos profetas para ensinar a falsidade, para agradar seus desejos, 1 Reis 22.6, mas se forem como Davi, terão Natãs. Se forem como Josias, devem ter Huldas e Jeremias.
Isso deve nos ensinar a trabalhar para a sinceridade, para que nossos corações se encaminhem de modo correto em direção a Deus, e então ele vai enviar pessoas de um espírito reto para nos ensinar em conformidade com o seu próprio coração, Jer 3.15.
Israel se voltou para os ídolos e por isso teve muitos falsos profetas.
Eles não podiam suportar a palavra de Deus porque a julgavam algo muito simples, e desejavam ter mais sacrifícios, mais cerimônias, e um governo mais glorioso, segundo o julgamento carnal e terreno.
Mas, foquemos agora o título de nossa mensagem: “O Coração Terno” que extraímos da citação do texto: “Porquanto o teu coração se enterneceu, e te humilhaste perante Deus”. Esta foi a causa apresentada através de Hulda de que Josias seria poupado e não veria as misérias que deveriam acontecer ao seu povo, em razão do Juízo do Senhor.
A ternura de coração pode ser uma causa da remoção de juízos; mas a grande e primeira causa sempre será a misericórdia de Deus.
A ternura de coração, ou quebrantamento de coração tem sido posta por Deus como uma condição para a libertação do juízo e da condenação.
De modo que um arrependimento que não for acompanhado por isto não será um verdadeiro arrependimento.
Esta condição colocada por Deus não significa que contenha em si algum mérito da nossa parte quando nos quebrantamos, porque tudo é feito por causa do exclusivo mérito de Jesus e em razão da sua graça e misericórdia.
Um “coração terno” possui três propriedades concorrentes:
1. É sensível; 2. É flexível; 3. É moldável.
Em primeiro lugar, um coração terno é sempre um coração sensível. Ele tem a nova vida, e portanto é sensível. É um sinal de vida num cristão quando ele é sensível a inconveniências. Por isso, Deus plantou afeições no homem, como que para poder preservar a sua vida, como o temor e o amor. O temor que faz um homem evitar muitos perigos. Por isso, Deus nos deu temor para nos levar a fazer as pazes com ele, para que possamos ser livres de inconvenientes; e do maior deles que é o fogo do inferno.
E um coração terno é flexível e moldável. Agora, o que significa isto? Um coração que se rende ao toque de qualquer coisa que é colocada diante dele, e que não se comporta como uma pedra que retorna de volta quando é jogada contra uma parede.
Então, o que queremos dizer com sensiblidade, flexiblidade e modabilidade, pode ser comparado à cera que se rende e é flexível e moldável para receber a impressão que é aplicada à mesma.
Em um coração terno não há resistência, e é moldado por cada verdade, e tem uma maleabilidade e aptidão para receber qualquer impressão, e para executar qualquer desempenho; é de uma têmpera de fato capaz de ser um coração para ser moldado pelo Espírito Santo.
Deus deve primeiro nos tornar aptos, para em seguida, usar-nos na sua obra. Como uma roda deve ser feita primeiro para poder rodar, assim o coração deve ser mudado em primeiro lugar, e, em seguida, ser usado de uma maneira nova.
Um coração terno, tão logo que a Palavra é dita, rende-se a ela. Ele treme diante das ameaças da Palavra, obedece seus preceitos, se deleita com as promessas, e as promessas adoçam o coração.
Para todos os deveres relativos a Deus, e todos os ofícios de amor aos homens, um coração terno está, portanto, qualificado.
Mas a dureza do coração é bastante oposta a isto. Pois, assim como coisas mortas são insensíveis, não cederá ao toque, mas rejeitará e lançará de volta tudo o que for lançado sobre ele.
Tal coração pode ser quebrado em pedaços, mas não vai receber qualquer impressão, como uma pedra pode ser quebrada, mas não será maleável.
Um coração duro é realmente apenas como cera para o pecado e o diabo, mas é como uma pedra para Deus ou para a bondade. Por isso é comparado na Escritura a uma pedra.
Mas do filho de Deus se diz ter um coração de carne.
Todas as pessoas, por natureza têm um coração de pedra, e este somente pode ser transformado em coração de carne por meio da fé em Jesus Cristo, senão sempre será um coração de pedra insensível para com Deus e a Sua Palavra.
Um coração terno é feito terno por Aquele que o fez ser assim, porque não há criatura no mundo que possa suavizar e converter o coração. Somente Deus pode e deve transformá-lo, pois todos estamos, pela nossa natureza terrena, mortos e endurecidos em delitos e pecados.
Por isso Deus faz a promessa de Ezequiel 11.19,20:
“Dar-lhes-ei um só coração, espírito novo porei dentro deles; tirarei da sua carne o coração de pedra e lhes darei coração de carne; para que andem nos meus estatutos, e guardem os meus juízos, e os executem; eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus.”
É especialmente por se ouvir a Palavra de Deus que o coração é quebrantado, porque ela é como um martelo para quebrar e um fogo para derreter o coração endurecido, Jeremias 23.9.
Mas não é somente por este meio que o coração de pedra é quebrado, porque um pote pode ser partido em pedaços, e ainda continuar a não ter qualquer utilidade, e é isso que pode ocorrer ao coração de alguém que se enche de temores quanto ao senso de um julgamento de Deus contra os seus pecados, e ainda não ser como a cera maleável.
Então há necessidade também que o Espírito Santo opere revelando o conforto da Palavra, e que pelo seu poder, regenere e renove o coração.
Assim o trabalho de Deus em quebrar o coração tem apenas por alvo prepará-lo para se tornar terno.
O coração é feito terno pelo sangue de Cristo. Somente o sangue de Jesus, a paixão de nosso amado Salvador pode derreter o coração duro do homem, quando este considera o amor que Deus revelou ao nos enviar o seu Filho para morrer em nosso lugar, para que a sua justiça pudesse ser satisfeita, de modo a sermos libertados do inferno, de Satanás e da morte espiritual e eterna.
Esta é a forma de se receber um coração terno, e a forma de preservá-lo, ou seja, de mantê-lo terno pelo trabalho renovador diário do Espírito Santo sobre ele, pelo aperfeiçoamento e aumento da graça que foi implantada em nós na nossa conversão, permanecendo nós sensíveis à vontade de Deus e à Sua Palavra, pelo exercício cotidiano e constante da vigilância, da oração, tendo paciência nas provações e permitindo com mansidão a mortificação dos nossos pecados e a implantação e crescimento das virtudes de Cristo operados pelo Espírito.
NOTA: Este texto é uma releitura feita pelo Pr Silvio Dutra, com a tradução e redução do original em inglês de um sermão, em domínio público, de autoria de Richard Sibbes.