Por João Calvino
“Rom 12:6 tendo, porém, diferentes dons segundo a graça que nos foi dada: se profecia, seja segundo a proporção da fé;
Rom 12:7 se ministério, dediquemo-nos ao ministério; ou o que ensina esmere-se no fazê-lo;”
“Tendo diferentes dons etc”. Paulo não fala agora simplesmente de cultivar entre nós o amor fraternal, mas recomenda a humildade, que é o melhor moderador de toda a nossa vida. Cada um deve desejar ter tanto para si mesmo, de modo a não precisar de qualquer ajuda dos outros; mas o vínculo de comunicação mútua é este, que ninguém tem suficiente para si, senão que é obrigado a tomar emprestado de outros. Eu admito, então, que a sociedade dos santos não pode existir, exceto quando cada um está contente com sua própria medida, e transmite aos outros os dons que recebeu, e permite, por seu turno, ser assistido pelos dons dos outros.
Mas Paulo pretendeu especialmente derrubar o orgulho que ele sabia ser inato ao homem; e que ninguém pode estar satisfeito caso todas as coisas não tenham sido concedidas a ele, ele nos lembra que de acordo com o sábio conselho de Deus, cada um tem sua própria porção que lhe foi dada; pois é necessário para o benefício comum do corpo que ninguém deve ser fornecido com a plenitude dos dons, para que não despreze descuidadamente seus irmãos. Aqui, então, temos o principal desígnio, que o apóstolo tinha em vista, que todas as coisas não se encontram em todos, mas que os dons de Deus são assim distribuídos de modo que cada um tenha uma parte limitada, e que cada um deve ser tão atento em compartilhar os seus próprios dons para a edificação da Igreja, que ninguém, por deixar a sua própria função, possa invadir a de outro.
Por esta ordem mais bonita, a segurança da Igreja, é de fato preservada; isto é, quando cada um compartilha com todos em comum o que ele recebeu do Senhor, de tal maneira, que não impeça os demais. Aquele que inverte essa ordem luta com Deus, por cujo decreto isto é ordenado; porque a diferença de dons não procede da vontade do homem, mas porque aprouve ao Senhor distribuir a sua graça dessa maneira.
“Se profecia, etc”. Agora, apresentando alguns exemplos, ele mostra como cada um em seu lugar, ou como se fosse ocupar seu posto, deve ser engajado. Pois todos os dons têm os seus próprios limites definidos, e afastar-se deles estraga os próprios dons. Mas embora a passagem pareça como algo confuso; ainda podemos apresentá-la desta maneira: “Aquele que tem profecia, prove-a pela analogia da fé; aquele que está no ministério deve cumpri-lo pelo ensino etc.” Aqueles que mantiverem este fim em vista, serão preservados corretamente dentro de seus próprios limites.
Mas esta passagem é entendida de várias formas. Há quem considere que, por profecia se entende o dom de prever, o que prevalecia no início do evangelho na Igreja; como o Senhor então havia designado em todos os modos louvar a dignidade e excelência da sua Igreja; e eles acham que o que é adicionado, de acordo com a analogia da fé, deve ser aplicado a todas as frases. Mas eu prefiro seguir aqueles que entendem essa palavra de modo mais amplo, até mesmo além do dom peculiar da revelação, pela qual qualquer um com habilidade e sabedoria executava a função de um intérprete para explicar a vontade de Deus. Daí a profecia no dia de hoje na Igreja Cristã ser quase nada mais do que o entendimento correto da Escritura, e a faculdade peculiar de explicá-la, na medida em que todas as antigas profecias e todos os oráculos de Deus foram concluídos em Cristo e no seu Evangelho. Pois neste sentido, isto é afirmado por Paulo quando ele diz:
“Eu quisera que vós todos falásseis em outras línguas; muito mais, porém, que profetizásseis; pois quem profetiza é superior ao que fala em outras línguas, salvo se as interpretar, para que a igreja receba edificação.” (1 Coríntios 14.5).
“Em parte conhecemos e em parte profetizamos” (1 Coríntios 13.9).
E não parece que Paulo pretenda aqui mencionar aquelas graças milagrosas pelas quais Cristo primeiro ilustrou seu evangelho; mas, pelo contrário, vemos que ele se refere apenas aos dons comuns, como deveriam continuar perpetuamente na Igreja.
Também não me parece ser uma objeção sólida, que o Apóstolo sem propósito colocou essa injunção sobre aqueles que, tendo o Espírito de Deus, não poderiam chamar Cristo de anátema; porque ele testemunha em outro lugar que o espírito dos profetas está sujeito aos profetas; e ele ordena o primeiro orador a ficar em silêncio, se alguma coisa for revelada ao que estava sentado (1 Coríntios 14.32) e pode ter sido pela mesma razão que ele deu esta advertência para aqueles que profetizavam na Igreja, isto é, que deveriam adequar suas profecias à regra de fé, para que não se desviassem da linha certa. Por fé ele quer dizer os primeiros fundamentos da religião, e qualquer doutrina que não seja achada em correspondência com estes que são aqui condenados como falsos.
Já para as demais frases há menos dificuldade. Aquele que é ordenado pastor, Paulo diz, deve executar seu ofício em ministrar; nem deve pensar que ele foi admitido no ministério para si mesmo, mas para os outros; como se ele tivesse dito: “Que ele cumpra seu ofício por ministrar fielmente, para que possa responder ao seu nome.” Assim também ele imediatamente acrescenta o que diz respeito aos mestres; porque pela palavra de ensino, ele recomenda a edificação saudável, de acordo com esta afirmação, – “Que aquele que se destaca no ensino saiba qual é a sua finalidade, para que a Igreja possa ser de fato instruída; e que ele estude para que possa tornar a Igreja mais informada por seu ensinamento”; porque um mestre é aquele que forma e edifica a Igreja pela palavra da verdade. Que ele também se destaque no dom de exortar, tendo isto em vista, tornar a sua exortação eficaz.
Mas esses ofícios têm muita afinidade e até mesmo conexão; não, porém, que eles não sejam diferentes. Ninguém na verdade pode exortar, exceto pela doutrina; e ainda, aquele que ensina não o faz, se não for dotado de qualificação para exortar. Mas ninguém profetiza, ensina ou exorta, sem, ao mesmo tempo ministrar. Mas é o suficiente se preservar essa distinção que encontramos para os dons de Deus, e que saibamos usar para produzir ordem na Igreja.
Texto de João Calvino, traduzido e adaptado por Silvio Dutra.