“Declarou-lhes, pois, Jesus: Eu sou o pão da vida; o que vem a mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede.” (João 6.35)
“Eu sou o pão da vida”. Primeiro, ele mostra que o pão, que eles pediram com escárnio nos versos anteriores, está diante de seus olhos; e, em seguida, os repreende. Ele começa com doutrina, para fazer mais evidente que eles eram culpados de ingratidão. Existem duas partes da doutrina; pois ele mostra onde devemos buscar a vida, e como podemos apreciá-la. Nós sabemos o que deu ocasião para Cristo usar essas metáforas; era porque o maná e a alimentação diária tinham sido mencionados. Mas, ainda assim esta figura está melhor adaptada para ensinar as pessoas ignorantes do que um estilo simples. Quando comemos o pão para a nutrição do corpo, vemos mais claramente não apenas a nossa própria fraqueza, mas também o poder da graça divina, em que, sem pão, Deus desse ao corpo um poder secreto de nutrir a si mesmo. Assim, a analogia que é traçada entre o corpo e a alma, nos permite perceber mais claramente a graça de Cristo. Porque quando aprendemos que Cristo é o pão pelo qual nossas almas devem ser alimentadas, isto penetra mais profundamente em nossos corações do que se Cristo simplesmente dissesse que ele é a nossa vida
Deve ser observado, no entanto, que a palavra pão não expressa o poder vivificante de Cristo tão plenamente como nós o sentimos; porque o pão não faz começar a vida, mas nutre e sustenta a vida que já possuímos. Mas, graças à bondade de Cristo, não somente continuamos a possuir a vida, mas temos o início da vida, e, portanto, a comparação é em parte inadequada; mas não há nenhuma inconsistência nisto, pois Cristo adapta seu estilo às circunstâncias do discurso que anteriormente tinha apresentado. Agora, a questão que tinha sido levantada nos versos anteriores, qual das duas era a alimentação mais eminente entre os homens, a de Moisés (maná) ou a do próprio Cristo? Esta é também a razão pela qual ele chama isto de pão apenas, pois foi somente o maná que eles opuseram a ele, e, portanto, julgou suficiente contrastá-lo com um tipo diferente de pão.
A doutrina é simples, “Nossas almas não vivem por um poder intrínseco, por assim dizer, ou seja, por um poder que elas têm, naturalmente, em si mesmas, mas emprestam a vida a partir de Cristo.”
“Aquele que vem a mim”. Ele agora define a maneira de tomar esse alimento; é quando recebemos a Cristo pela fé. Pois é de nenhum proveito para os incrédulos que Cristo seja o pão da vida, porque permanecem sempre vazios; assim, então, Cristo se torna nosso pão, quando chegamos a ele como pessoas famintas, para que ele possa nos saciar. Vir a Cristo e crer nele, nesta passagem, é a mesma coisa; mas a palavra anterior destina-se a expressar o efeito da fé, ou seja, que é em consequência de sermos impulsionados pelo sentimento de nossa fome que nós corremos a Cristo para buscar vida.
Aqueles que inferem desta passagem que comer Cristo é a fé, e nada mais, raciocinam inconclusivamente. Eu prontamente reconheço que não há nenhuma outra maneira em que nós nos alimentamos de Cristo a não ser por crermos; mas o comer é o efeito e fruto da fé, em vez da própria fé. Porque a fé não olha para Cristo apenas como à distância, mas o abraça, para que ele possa se tornar nosso e habitar em nós. Ela nos faz ser incorporados a ele, ter vida em comum com ele, e, em suma, tornar-nos um com ele (João 17.21).
Portanto, é verdade que é por fé que comemos Cristo, desde que também compreendamos de que maneira a fé nos une a ele.
“Nunca mais terá sede”. Isto parece ser adicionados sem qualquer boa razão; porque a função do pão não é a de matar a sede, mas aliviar a fome. Cristo, portanto, atribui ao pão mais do que a sua natureza permite. Eu já disse, que ele emprega a palavra pão sozinha, porque foi exigido pela comparação entre o maná e o poder celestial de Cristo, pelo qual nossas almas são sustentadas em vida. Ao mesmo tempo, a palavra pão, significa, em geral, tudo o que nos alimenta, e que era um costume comum de sua nação. Porque os hebreus, pela figura de linguagem chamada sinédoque, usam a palavra pão para o jantar ou ceia; e quando pedimos a Deus o nosso pão de cada dia (Mateus 6.11), nós incluímos bebida e todas as outras partes da vida. O significado, pois, é: “Quem deve valer-se a Cristo, para ter a vida dele, não terá falta de nada, mas terá em abundância tudo o que contribui para sustentar a vida.”
Texto de João Calvino, traduzido e adaptado por Silvio Dutra.