“7 seca-se a erva, e caem as flores, soprando nelas o hálito do SENHOR. Na verdade, o povo é erva;
8 seca-se a erva, e cai a sua flor, mas a palavra de nosso Deus permanece eternamente.” (Isaías 40.7,8)
“Seca-se a erva”. Isso pode ser entendido como relacionado com a beleza dos campos, que é dizimada por uma única rajada de vento, como é dito no Salmo 103.16: “pois, soprando nela o vento, desaparece; e não conhecerá, daí em diante, o seu lugar.”; pois sabemos que o vento é chamado de “o Espírito de Deus” em outras passagens. Mas estou mais inclinado a pensar que a metáfora é adaptada para o presente assunto; porque em outra forma a aplicação disto seria um tanto obscura.
Por isso, o Profeta explica o objeto que ele tem em vista, dizendo que os homens, com toda a sua glória, nada mais são do que a erva; isto é, porque o Espírito de Deus vai rapidamente levá-los para longe por uma única respiração.
“Soprando nelas o hálito do SENHOR”. O significado pode ser explicado assim: “Embora sejam ilustres os dons com que os homens são dotados, mas assim que o Espírito de Deus soprar sobre eles, eles sentirão que eles nada são.” Porque a falsa confiança com que se intoxicaram surge desta fonte, que eles não comparecem diante de Deus, mas, voluntariamente se inflaram.
Para que eles não possam enganar a si mesmos com um tolo prazer em falsidade, o Profeta os conduz à presença de Deus, e admite que, aparentemente, eles floresciam, quando se encontravam afastados de Deus; mas assim que o Senhor soprou sobre eles, toda a sua força e beleza pereceu e decaiu.
Mas pode-se pensar que ele atribui ao “Espírito de Deus” um ofício que está grandemente em desacordo com a sua natureza; porque é inerente a ele “renovar pelo seu poder a face da terra.” (Salmo 104.30). Por outro lado, se o Senhor retirar o seu Espírito, tudo é reduzido a nada. Aqui Isaías afirma que é extremamente o contrário, e parece contradizer Davi. Mas não há nenhum absurdo em dizer que todas as coisas são renovadas pelo poder do Espírito, e ainda, que o que antes parecia ser algo que está reduzido a nada; porque nós nada somos, senão em Deus, e, a fim de que possamos começar a ser algo nele, devemos primeiro ser convencidos, que somos vaidade.
Por isso o Senhor sopra sobre nós, para que saibamos que de nós mesmos nada somos.
“Na verdade, o povo é erva”. O Profeta acrescentou isto, para que todos saibam que ele não estava falando de estrangeiros, mas de pessoas que glorificavam o nome de Deus; porque os judeus podem ter pensado que eles eram mais excelentes, e ocupavam uma posição mais elevada do que os outros homens, e que por esse motivo eles deveriam ser isentados da sorte comum. Ele, portanto, endereça isto expressamente e por nome, para que eles não possam reivindicar qualquer coisa para si em detrimento de outros; como se ele tivesse dito, que eles agiriam sabiamente se, através de uma convicção da sua pobreza, jogassem fora toda a confiança em si mesmos.
Em uma palavra, o profeta, depois de ter mencionado a consolação, mostra de que forma os homens devem estar preparados para recebê-la; porque eles não são capazes disso até que sejam antes reduzidos a nada. Nossa dureza deve ser portanto suavizada, nossa arrogância deve ser derrubada, nossa glória deve ser envergonhada, e os nossos corações devem ser subjugados e humilhados, se quisermos receber qualquer vantagem das consolações que os profetas nos trazem pelo comando de Deus.
“Seca-se a erva”. Esta repetição é novamente adicionada com o objetivo de levar a nada a glória da carne, mas, ao mesmo tempo, contém em si um consolo muito valioso, que Deus, quando ele tem abatido o seu povo, imediatamente o levanta e o restaura. Assim, o contexto portanto é este: “A grama de fato seca e perece, mas a palavra do Senhor permanece para sempre.”
Depois de ter aprendido quão vazios e destituídos somos de todas as bênçãos, quão transitória e evanescente é a glória da carne, o único consolo que nos resta, para que possamos ser elevados pela palavra do Senhor, assim como por uma mão estendida, é que somos frágeis e caídos, mas a palavra do Senhor é durável e eterna, e, em um palavra, aquela vida que precisamos nos é oferecida a partir de uma outra esfera.
“Mas a palavra de nosso Deus permanece para sempre”. Esta passagem compreende todo o Evangelho em poucas palavras; pois consiste de um reconhecimento da nossa miséria, pobreza e vazio, que, sendo sinceramente humildes, podemos voar para Deus, por quem somente poderemos ser perfeitamente restaurados.
Que não fiquem portanto, os homens enfraquecidos ou desencorajados pelo conhecimento de sua nudez e vazio; porque a palavra eterna é exibida a eles e pela qual podem ser abundantemente apoiados e acolhidos. Nós somos igualmente ensinados que não devemos buscar consolo de qualquer outra fonte senão na da eternidade, que não deve ser procurada em qualquer outro lugar além de Deus; uma vez que nada que seja firme ou durável irá ser encontrado na terra. Nada é mais tolo do que ficar satisfeito com o estado presente, o qual vemos ser fugaz; e está enganado cada homem que espera ser capaz de obter a felicidade perfeita, somente quando ele subir até Deus, a quem a Escritura chama eterno, para que saibamos que a vida flui para nós a partir dele; e na verdade ele nos adota para ser seus filhos sob esta condição, para nos fazer participantes da sua imortalidade.
Mas isso seria inútil, se a forma de buscá-lo não nos fosse indicada; e, portanto, ele exibe a palavra, a partir da qual não devemos em nenhum aspecto nos desviar; porque se nos desviarmos no menor grau da palavra, estaremos envolvidos em labirintos estranhos, e não encontraremos nenhuma maneira de nos desembaraçar. Agora, a palavra é chamada eterna, e não apenas em si, mas em nós; e isso deve ser especialmente observado, pois, caso contrário, poderíamos não obter qualquer consolo. E assim Pedro, um expositor fiel dessa passagem, a aplica para nós, quando diz que “somos regenerados por esta semente incorruptível”, que é, diz ele, “a palavra que é pregada” (1 Pedro 1.23,25). Daí inferimos, o que mencionei um pouco antes, que a vida está preparada para os mortos que virão sedentos à fonte que está exposta a eles; porque o poder que está escondido em Deus nos é revelado pela palavra.
Texto de João Calvino, traduzido e adaptado por Silvio Dutra.