Apesar de, desde muito cedo, ter compreendido e aceitado os cânones calvinistas, em particular a Confissão Londrina, minha formação teológica não foi tradicional. No seminário que fiz não se formavam pastores comprometidos com a Palavra de Deus, ao contrário, formavam-se teólogos liberais, que faziam da Bíblia apenas um objeto de pesquisa dentro dos “tubos de ensaio” da alta crítica. Consequentemente, nossos mestres também eram, pelo menos na sua maioria esmagadora, liberais, e seus ensinamentos buscavam “desconstruir” ao máximo a fé que para eles era demasiadamente ingênua, e já não “funcionava” mais.
Lembro-me que uma das grandes crises nos pensamentos deles era a questão da canonicidade bíblica, que, fruto de uma época pré-moderna, era inaceitável aos nossos dias.
Certa vez, buscando ilustrar isso, um desses professores, disse-nos que ler as cartas de Paulo como se fossem universais era um grave erro. O argumento era simples. Se elas foram escritas para uma igreja em particular, por exemplo, aos coríntios, aos romanos, aos efésios, então deveriam ser interpretadas como que apenas cartas de um homem sábio, no caso Paulo, ajudando os cristãos daquelas localidades a resolver problemas pontuais, dos quais não nos dizia respeito. “Nós somos xeretas” dizia ele. É evidente que tais ensinos nada mais são do que sujeitar a Escritura ao pensamento humano, buscando tirar dela o valor divino.
No entanto, por algum tempo, o argumento pareceu-me coerente. Mas com um pouco mais de boa vontade, e com mais piedade, pude verificar que a história não era bem assim.
De fato as cartas tiveram uma motivação fundante, no entanto, há firmes indícios de que elas não se restringiram apenas a elas.
Em primeiro lugar, a tradição da igreja nos diz que essas cartas transitavam entre todas as igrejas, a ponto de já no século II serem contadas como inspiradas.
Em segundo lugar, nós temos o testemunho da própria Bíblia. O apóstolo Pedro, por exemplo, não só refere-se às cartas de Paulo, nos mostrando que pelo menos algumas delas chegaram às suas mãos, como as coloca no rol de Escrituras Sagradas. Além disso, o próprio Paulo, nos dá alguma pista, quando orienta a igreja de Colossos a trocar a carta que havia recebido do apóstolo, com uma carta que fora enviada aos laodicenses.
A ainda o fato da unanime aceitação desses escritos pelas várias tradições cristãs ao longo dos séculos, tanto em relação à autenticidade, como a canonicidade. Mesmo o mais cético teólogo liberal teria dificuldade em afirmar que nenhuma carta é autêntica.
E por fim, precisamos levar em conta que, muitos dos temas tratados nas epístolas, apesar de serem oriundo de questões locais, têm suas respostas fundamentadas na chamada doutrina dos apóstolos, assim como no ensinamento dado diretamente por Jesus. Sendo assim, em qualquer caso tratado, a igreja de hoje tem total liberdade de aplicar os princípios usados pelo apóstolo em suas questões atuais, talvez com a necessidade de alguma contextualização, mas sem modificar em nada a essência do ensino.
Portanto, acredito piamente que podemos sim apoiar nossas vidas na verdade bíblica, como o homem sábio que constrói sua casa sobre uma rocha. Os ventos de doutrina podem uivar e se lançar sobre ela, mas sua força não será abalada. Louvemos ao Senhor pela Sua Inextinguível Palavra, pois ela é a luz do nosso caminho.