Declaração do Glorioso Mistério da Pessoa de Cristo – Parte 2
Capítulo 1 – O fundamento de tudo repousa na vindicação das palavras de nosso bendito Salvador, nas quais ele declara ser a rocha sobre a qual a igreja é edificada. Mateus 16.18. “Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.”
A pretendida ambiguidade atribuída a estas palavras, tem sido levantada pelos interesses seculares dos homens, para dar ocasião à controvérsia prodigiosa entre cristãos, ou seja, se Jesus Cristo ou o papa de Roma são a rocha sobre a qual a igreja é edificada.
Os santos homens da antiguidade para os quais Cristo era precioso, sendo imaculados, e sem os desejos de grandeza secular e poder, nada sabiam disto. Testemunhos podem ser dados, eles têm sido multiplicados por outros para este propósito. Mencionarei alguns poucos deles.
Inácio diz em sua Epístola a Filadelfo. “Ele” (isto é, o Cristo ) “é o caminho que conduz ao Pai, a rocha, a chave, o pastor.” E Orígenes expressamente afirma em relação a estas palavras que foram proferida pelo Senhor em Mt 16.18:
“Se você deve pensar que toda a igreja foi edificada em Pedro somente, o que devemos dizer de João, e de cada um dos apóstolos? O que, nos atreveremos a dizer, que as portas do inferno não prevalecerão apenas contra Pedro?”
Assim, ele expressa em comum acordo com a opinião dos antigos, que não havia nada – peculiar na confissão de Pedro, e na resposta dada pelo Senhor à mesma, bem como em si mesmo, senão que ele falou em nome de todos os demais apóstolos.
Eusébio, em Prgeparat . Evangel , liv. i. cap. 3, afirma: “Ele comprova a veracidade das predições divinas do cumprimento glorioso daquela palavra da promessa de nosso Salvador, que ele iria construir sua igreja na rocha” (isto é, ele mesmo), “de modo que as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Porque esta é o único fundamento inabalável; esta é a bendita rocha da fé, confessada por Pedro, tu és o Filho do Deus vivo.”
(O próprio Pedro foi edificado nesta rocha, e quanto trabalho ele deu ao Senhor para ser edificado e confirmado. A começar por sua negação, sua resistência para ir à casa de Cornélio, sua dissimulação em Antioquia, quando foi repreendido por Paulo, e as tantas situações que devem ter ocorrido e que não estão registradas nas Escrituras, que demonstram que Pedro era um homem comum tal como nós, mesmo quando já era um crente, e necessitava continuar debaixo do trabalho de aperfeiçoamento operado pela Rocha da igreja, na qual somos firmados, a saber, nosso Senhor Jesus Cristo – nota do tradutor).
Agostinho, assim se expressou: “Sobre esta rocha que tu tens confessado a mim mesmo o Filho do Deus vivo, edificarei a minha igreja. Edificar-te-ei sobre mim, e não em ti”. E ele declarou mais plenamente sua mente, ao afirmar: “A Igreja no mundo é abalada por várias tentações, como por inundações e tempestades, mas não cai, porque ela é construída sobre a rocha (Petra) de onde Pedro tomou seu nome (Petros). Porque a rocha não é chamada Petra procedente de Pedro, mas Pedro é chamado de Petros na rocha; assim como Cristo não é assim chamado por ser procedente de cristão, senão que cristão é procedente de Cristo. Por isso, disse o Senhor, sobre esta rocha edificarei a minha igreja; porque Pedro havia dito. Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. Sobre esta rocha, que tens confessado, eu edificarei a minha igreja. Porque Cristo era a rocha sobre cujo fundamento o próprio Pedro foi construído. Porque outro fundamento, ninguém pode colocar, salvo o que já está posto, o qual é Jesus Cristo.” – I Coríntios 3.11.
Cap. II – Contra esta rocha, este fundamento da igreja, a pessoa de Cristo, e a fé da igreja sobre ele, grande oposição tinha sido feita pelas portas do inferno. Sem mencionar a ira do mundo pagão, se esforçando por todos os efeitos da violência e crueldade para arrancar a igreja deste fundamento; todas as heresias com as quais desde o início, e por alguns séculos foi importunada, consistiram na oposição direta à eterna verdade sobre a pessoa de Cristo.
Seu início se deu no início da igreja, antes mesmo da escrita do Evangelho de João ou de suas revelações, e, na verdade antes de algumas das epístolas de Paulo. E embora o seu início, tenha sido pequeno e, aparentemente, desprezível, ainda assim, estava cheio do veneno da velha serpente, e se difundiram em várias formas, até que não havia mais nada de Cristo, nada que se relacionasse a ele, e nada às suas duas naturezas, divina e humana, nem seus atributos e operações, que não tivesse sido atacado e agredido por eles. Especialmente quando tão logo o evangelho havia subjugado o império Romano a Cristo, e até mesmo seus governantes, o mundo inteiro ficou durante alguns séculos cheio de tumultos, confusão, e desordens escandalosas sobre a pessoa de Cristo, através das oposições amaldiçoadas que lhe foram feitas pelas portas do inferno. A igreja verdadeira nunca teve qualquer descanso desses conflitos por cerca de 500 anos.
Mas nesse período de tempo, o poder da verdade e da religião começou a decair universalmente entre os cristãos nominais, e Satanás aproveitou para fazer esses estragos e destruição da igreja, por superstição, falsa adoração, e profanação da vida, e que ele havia falhado em sua tentativa contra a pessoa de Cristo, ou a doutrina da verdade concernente a isto.
Seria um trabalho tedioso, e poderia não ser de muito lucro para aqueles que são totalmente alheios em relação às coisas passadas há tanto tempo atrás, e que parecem não lhes dizer respeito, dar-se conta de tantas heresias pelas quais se tentou derrubar esta rocha e fundamento da igreja; e até mesmo para aqueles que investigaram os registros da antiguidade, isto seria completamente inútil. Porque quase todas as páginas deles à primeira vista apresentam aos leitores uma conta de apenas alguns deles. Ainda que eu estime isto como útil, a saber, que o tipo mais comum de cristãos deve, pelo menos, em geral, estar familiarizado com o que já se passou em relação à pessoa de Cristo, desde o início. Porque há duas coisas relacionadas a isto, onde sua fé está muito interessada.
Porque primeiro, há evidências que nos são dadas quanto à verdade das previsões das Escrituras sobre esta fatal apostasia da verdade, e da oposição ao Senhor Jesus Cristo; e, em segundo lugar, uma eminente demonstração do seu poder e fidelidade em decepcionar e vencer as portas do inferno, no enfrentamento dessa oposição.
A defesa da verdade desde o princípio; foi deixada ao encargo de guias e líderes da igreja em suas diversas capacidades. E foi pela Escritura que eles cumpriram o seu dever, confirmado com a tradição apostólica. Isso foi deixado ao seu encargo pelo grande apóstolo: Atos 20.28-31; 1 Tim 6.13,14; 2 Tim 2.1, 2; 5.23,24; 4.1-4; e quando alguns deles falhavam neste dever, eram reprovados pelo próprio Cristo: Apo 2.14,15,20.
E todos os crentes deveriam também cumprir fielmente o seu dever relativo à defesa da verdade, de acordo com o mandamento que lhes fora dado: 1 João 2.20,27; 4.1-3; 2 João 8,9. Todos os verdadeiros crentes em suas várias épocas, pela vigilância mútua, pregação, ou escritos, de acordo com suas chamadas e habilidades, usando eficazmente os meios externos para a preservação e propagação da fé da igreja. E os mesmos meios são ainda suficientes para os mesmos fins. A pretensa defesa da verdade com as artes e os braços de outro tipo, tem sido a ruína da religião, e a perda da paz de cristãos, além da recuperação. E isso pode ser observado, que enquanto este único modo de se preservar a verdade foi mantido, embora inúmeras heresias surgissem uma após outra, e algumas muitas vezes juntamente, elas nunca fizeram qualquer grande progresso, nem chegaram a uma consistência, pela qual pudessem se afirmar em oposição contra a verdade, mas os erros e seus autores eram como meteoros cadentes que apareciam por pouco tempo, e desapareciam.
Com o decorrer do tempo, quando o poder do império Romano deu proteção à religião cristã, um outro modo foi fixado para esse fim de preservar a verdade, com a utilização de assembleias de bispos e outros como eles foram chamados de concílios gerais, com uma composição mista, em parte civil e em parte eclesiástica, com respeito à autoridade dos imperadores, que começaram a chamada jurisdição da igreja. Este método foi iniciado no Concílio de Niceia, onde embora houvesse uma determinação de doutrina sobre a pessoa de Cristo, então, em agitação, e oposição, à sua natureza divina, de acordo com a verdade, ainda assim diversos males e inconvenientes se seguiram. E a partir daí a fé dos cristãos começou a ser mais esclarecida com base na autoridade dos homens, e já não se colocava mais tanto peso no que era claramente ensinado nas Escrituras.
Os Arianos, que negam a divindade de Cristo, acharam uma incrível vantagem neste Concílio para expandir sua convicção contrária às Escrituras.
Em concílios posteriores, como em Éfeso e em Calcedônia, a natureza divina de Cristo continuou sendo discutida quanto se era da mesma essência ou substância que a de Deus Pai.
No entanto, tal era o vigilante cuidado de Cristo sobre a igreja para a preservação desta sagrada verdade fundamental, relativa à sua pessoa divina, e a união de suas naturezas, mantendo as suas propriedades e operações distintas, que, não obstante toda a facção e desordem que havia naqueles Concílios, e as escandalosas contestações de muitos dos seus membros; a determinação contrária a isto, em grandes e numerosos concílios; a fé foi preservada inteira nos corações de todos que realmente criam, e triunfou sobre as portas do inferno.
Mencionei essas poucas coisas que pertencem à promessa e predição de nosso bendito Salvador, Mt 16.18, para mostrar que a igreja sem qualquer desvantagem para a verdade, pode ser preservada sem essas assembleias gerais, que em épocas posteriores provaram ser mais perniciosas para a corrupção da fé e da adoração. Sim, desde o início eles estiveram tão distantes da única forma de preservar a verdade, que a mesma quase sempre era prejudicada pela adição da autoridade deles para a sua confirmação. Também não houve qualquer um deles, em que o mistério da iniquidade não tivesse trabalhado para a colocação de algum lixo no fundamento da apostasia fatal, que mais tarde abertamente se seguiu. O próprio Senhor Jesus Cristo, tinha tomado isto sobre si, para construir sua igreja sobre esta rocha de sua pessoa, por verdadeira fé dele e nele.
Ele envia o seu Espírito Santo para dar testemunho dele, em todos os efeitos abençoados do seu poder e graça. Ele confirma a sua palavra pela ministração fiel dela, para revelar, declarar, fazer conhecido, e reivindicar a sua verdade sagrada, para a convicção de opositores. Ele afirma que nada poderá prevalecer contra a fé nele, e o amor a ele, nos corações de todos os seus eleitos. Portanto, a par das oposições a esta verdade sagrada, este artigo fundamental da igreja e da religião cristã, acerca de sua pessoa divina, sua constituição e uso, quanto a sua natureza humana conjugada substancialmente a ela, e subsistindo nela, ainda que seja contestado com mais sutileza e pretextos capciosos do que nos séculos anteriores, ainda assim, pelo cumprimento do nosso dever e da ajudas da graça a nós proposta, vamos finalmente triunfar nesta causa, e transmitir esta verdade sagrada inviolavelmente àqueles que nos sucederem na profissão dela.