“Porque qualquer que, nesta geração adúltera e pecadora, se envergonhar de mim e das minhas palavras, também o Filho do Homem se envergonhará dele, quando vier na glória de seu Pai com os santos anjos.” (Marcos 8.38)
Um sentimento de vergonha nunca teria sido experimentado, se o homem tivesse permanecido em inocência. Não há espaço para vergonha no céu, porque lá não há pecado. Mas desde que o homem se tornou uma criatura culpada e corrompida, é altamente compreensível que ele ficasse envergonhado e confundido diante de Deus. Sua vergonha deveria subir ainda à auto-aversão. Mas tão estranhamente tem Satanás cegado os olhos dos homens, que, ao contrário disto, o pecado lhes parece um objeto para se gloriarem; e a religião é considerada como a única coisa da qual precisamos ter vergonha. Daí a iniquidade é aplaudida, e a piedade desprezada. O Evangelho, mais especialmente, é feito objeto de reprovação e ridicularização, e cada método, que a inteligência do homem pode conceber, é usado para levar a santidade vital a descrédito e desprezo.
Mas o nosso bendito Senhor adverte seus seguidores contra o ceder às impressões de medo, ou dissimularem o seu apego a ele por causa de um desejo de conciliar a estima dos homens.
I. Quem são aqueles que têm vergonha de Cristo.
Embora a “geração” entre a qual nosso Senhor peregrinou tenha sido distinguida pela sua maldade, todavia a geração atual pode ser também chamada de “adúltera e pecadora”, porque os afetos dos homens são quase universalmente alienados de Deus, seu apropriado Senhor e Esposo, e o mundo, com todas as suas vaidades é recebido pelo seu abraço. Que muitos dentre eles devam se envergonhar de Cristo e de suas palavras, é a consequência natural de tal estado de coisas.
Para determinar quem são aqueles que possuem tal caráter, vamos apresentá-los sob as seguintes divisões distintas:
1. Aqueles que negam abertamente tudo que diz respeito a Cristo.
Quão numerosa é esta classe, uma pequena observação será suficiente para nos ensinar. Se a generalidade dos homens, fosse provar neste momento que nunca existiu uma pessoa como Jesus Cristo, nada teria para ser mudado na sua conduta; uma prova segura de que eles nunca tiveram qualquer relação com ele afinal. Na verdade, eles consideram o temor dele como superstição, o amor dele como entusiasmo, e tudo o que diz respeito a ele como um sintoma de fraqueza e insensatez.
E o que é isso, senão “ter vergonha dele”, ou, como outro evangelista o expressa, “negar a ele”? Enquanto eles o consideram como indigno de qualquer atenção de suas criaturas, eles o degradam como um impostor, e conduzem isto até um desprezo universal.
2 . Aqueles que, enquanto sentem algum respeito por ele, têm vergonha de manifestar o que sentem diante dos homens.
Muitos estão convencidos em suas mentes, que as palavras de Cristo são verdadeiras, e que os que são obedientes a elas são os melhores e mais felizes da humanidade; mas eles não se atrevem a se unir a este povo desprezado, para não compartilharem o descrédito que se lança sobre eles. Eles têm vergonha de serem vistos conversando com qualquer servo distinto de Cristo, ou serem encontrados em uma igreja onde o Evangelho é pregado fielmente; ou se aventurar a ir para lá a qualquer momento; eles assumem um ar de leveza e indiferença estranho aos seus sentimentos reais. Eles podem ouvir o Evangelho ser difamado, e os ministros fiéis do Evangelho serem condenados como hipócritas e fanáticos, e não se atrevem a abrir os lábios em sua defesa; sim, eles podem até mesmo participar de alegrias profanas, muito mais rápido do que possam expressar os sentimentos reais de seus corações. Embora, num sentido, eles “creem em Cristo, eles não ousam confessar o Seu nome.”
E o que é isso, senão se envergonhar de Cristo?
3. Aqueles que professam de fato uma consideração por Cristo, mas que em circunstâncias de provações têm medo de manter uma conduta consistente.
Muitos mestres do evangelho estão longe de possuir aquela coragem que é necessária para mantê-los em tempos de perseguição. O próprio Pedro, embora naturalmente corajoso, foi tentado a negar o seu Senhor com juramentos e imprecações; nem foi restaurado ao favor de Deus, sem muitas lágrimas amargas de arrependimento. E não há razão para temer que muitos de nós, se conduzidos a circunstâncias semelhantes, sejamos semelhantes a ele? Quão poucos existem entre nós, que, como Daniel, persistem no caminho do dever, Dan 6.10, quando tudo ao seu redor se tinha retirado dele, e quando uma morte cruel deveria ser a consequência imediata de sua fidelidade a Cristo? No entanto, a negação de sacrificar nossas vidas pela causa de Cristo nos marcaria como pessoas que se envergonham de Cristo, e nos sujeitaria ao seu descontentamento eterno.
Na verdade, é a tais pessoas que nosso Senhor, mais imediatamente se referiu nas palavras diante de nós, e, portanto, não podemos hesitar em classificá-los entre aqueles a quem o aviso em nosso texto é dado.
Em relação a todos estes, nosso Senhor claramente nos informa,
II. O tratamento que eles devem esperar de sua mãos.
Há um dia vindo, quando “o Filho do Homem”, que agora é tratado com tanto desprezo, aparecerá em todo o brilho da “glória do seu Pai”, acompanhado pelas miríades de “seus santos anjos”, e irá convocar o universo ao seu tribunal. “Então ele se envergonhará daqueles que agora têm vergonha dele”.
A seus servos fiéis ele confessará; ele declarará, diante de todos, a sua aprovação deles, e seu prazer neles; ele os receberá como seus irmãos, e co-herdeiros juntamente com ele de sua herança eterna. Mas nenhum olhar de amor atestará seguramente aqueles que, por covardia, ou por amor ao pecado, o negaram. Ele virará o rosto para eles, como aquele que se envergonha deles. Se eles começarem a protestar que o conheciam, e a justificar os supostos serviços que lhe prestaram, ele os reprovará, e, com um olhar de indignação e aversão, negará ter qualquer conhecimento deles, Mateus 7.22,23. Ele os afastará da sua presença, como indignos de seu favor, ou da companhia de seus fiéis. E, oh! quem pode conceber a angústia que esses pecadores desprezados devem suportar; quando o Salvador do mundo retaliar desta maneira o tratamento que recebeu das mãos deles?
Isto, eu digo, é a recompensa que eles devem esperar dele.
Ele claramente lhes avisou quanto a isso, e portanto, e apesar disto, não lhe deram a devida consideração. Mas, para que possam ver como este justo castigo será, deixem-nos apenas considerar a insensatez e perversidade de sua conduta.
Que insensatez é virar as costas para Cristo, por causa do medo de um olhar de desprezo, ou de ter um nome sob reprovação! que insensatez ter “medo daqueles, que somente podem matar o corpo, em vez de temer aquele que pode destruir o corpo e a alma no inferno!”. Como tal conduta não os tornaria desprezíveis, e não os submeteria à sentença com a qual são ameaçados?
Que maldade desesperada é também se envergonhar dele, que é o unigênito amado do Pai, e o objeto de incessante adoração para todos os exércitos do céu! que horrível impiedade é deitar desprezo sobre ele que deixou sua glória por eles; que por causa deles “não escondeu o seu rosto de ser envergonhado e cuspido”; sim, que, pela alegria de salvar suas almas vivas, suportou a cruz e desprezou a vergonha, e se tornou obediente até à morte, até mesmo à morte maldita da cruz! Deixe-os apenas contemplarem a sua bondade para com eles, e então considerarem se o castigo da sua ingratidão excede a sua enorme ofensa.
Aplicação
1. Como é necessário coragem para aqueles que abraçam o Evangelho!
Não é possível ser fiel a Cristo, e ao mesmo tempo escapar das censuras do mundo. E a nossa única alternativa é “ser fiel até a morte”, ou renunciar a toda esperança de seu favor. Os covardes e incrédulos terão a sua parcela juntamente no lago de fogo e enxofre, Apocalipse 21.8. Roguem a Deus para revestir as suas almas com coragem, para que possam “fazer os seus rostos como um pedra” contra todo o mundo ímpio que lhes despreza, e manterem a sua firmeza até o fim.
2. Quão desejável é que estejamos olhando para o julgamento futuro!
Se atentarmos apenas às preocupações desta vida, ficaremos ansiosos para preservar a nossa reputação no mundo. Mas se considerarmos que em breve um julgamento infalível será passado sobre nós, não daríamos atenção às calúnias que circulam em relação a nós, ou ao desprezo que é derramado sobre nós. Esta foi a experiência do apóstolo Paulo, I Cor 4.3,4, e considerações semelhantes produzirão igual benefício para as nossas almas.
3. Quão importante é olharmos apenas para Cristo!
Quanto mais ampliada for a nossa apreensão de sua excelência e glória, mais seremos encorajados a confessá-lo diante dos homens. Paulo suportou mais por ele do que qualquer outro discípulo; nem mesmo a censura e o sofrimento poderiam movê-lo. E por que ele era assim inabalável? Ele mesmo nos diz: “Eu não me envergonho, porque eu sei em quem tenho crido”, II Tim 1.12. Assim, vamos obter uma completa persuasão de seu poder e fidelidade para nos apoiar em nossas tribulações, e sermos recompensados por elas, e não temeremos o rosto do homem. Mais nos gloriaremos por sermos contados como dignos de sofrer por causa dele, e de termos a honra de ser assim, conformados à sua imagem.
Texto de Charles Simeon, em domínio público, traduzido e adaptado pelo Pr Silvio Dutra.