“A paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e mentes, por meio de Cristo Jesus.” (Filipenses 4.7)
Vamos usar para a compreensão deste texto a figura de uma fortaleza, que deve ser mantida. E a promessa afirma que ele será guardada pela “paz de Deus, que excede todo o entendimento, por meio de Cristo Jesus.”
Na medida em que o coração é a parte mais importante do homem, pois dele procedem as fontes da vida, seria natural esperar que Satanás, quando ele pretende fazer mal à humanidade, que ele o faça com ataques mais fortes e constantes ao coração. O que podemos inferir pelo raciocínio, é certamente verdade na experiência, pois apesar de Satanás nos tentar de todas as formas, apesar de todos os portões da cidade da Alma Humana poderem ser atingidos, no entanto, contra todas as partes dos muros da mesma, ele se certificará de trazer suas grandes armas, para os pontos mais vulneráveis à sua mortal malícia, e sua força mais furiosa, é contra o coração. No coração, em que, já de si mesmo, o mal é suficiente, ele empurra as sementes de toda espécie de males.
Assim, mais uma vez, surge a segunda necessidade de que devemos ser duplamente cautelosos em guardar o coração com toda a diligência, pois se, por um lado, ele é o mais importante, por outro lado, Satanás, sabendo disso, faz seus ataques mais furiosamente e de modo determinado contra ele – então, a exortação vem com dupla força: “Mantenha o teu coração, com toda a diligência.” E a promessa também se torna duplamente doce, desde que o perigo é duplo, a promessa diz: “A paz de Deus guardará os vossos corações e as vossas mentes em Cristo Jesus nosso Senhor.”
I. Vejamos primeiro, então, amados, que a preservação que Deus confere aos santos nesta santa promessa, é: “a paz de Deus que excede todo o entendimento”, para lhes guardar por meio de Jesus Cristo. Isto é chamado Paz, e devemos entendê-la em um duplo sentido. Há uma paz de Deus, que existe entre o filho de Deus, e Deus o seu Juiz, uma paz da qual pode ser verdadeiramente dito que ultrapassa todo o entendimento. Jesus Cristo se ofereceu com uma satisfação todo-suficiente para todas as reivindicações da Justiça ofendida, de modo que agora Deus não encontra culpa em seus filhos. “Ele não vê nenhum pecado em Jacó, nem iniqüidade em Israel,” nem está irado com eles por causa de seus pecados – uma paz ininterrupta e indizível sendo estabelecida pela expiação que Cristo tem feito em seu benefício.
Assim flui a paz experimentada na consciência, que é a segunda parte da paz de Deus, pois, quando a consciência vê que Deus está satisfeito, e não está mais em guerra com a mesma, então torna-se também satisfeita com o homem; e a consciência, que estava acostumada a ser um grande perturbador da paz do coração, agora dá o seu veredicto de absolvição, e o coração descansa nos braços da consciência. Contra o filho de Deus a consciência não traz nenhuma acusação, ou se ela traz alguma acusação, isto é senão uma suave e gentil repreensão de um amigo amoroso, que aponta o que temos feito de errado; para que possamos nos corrigir, mas não o faz com trovões em nossos ouvidos e com a ameaça de uma punição. A consciência sabe muito bem que a paz é feita entre a alma e Deus, e, portanto, não sugere que haja mais alguma coisa, senão a alegria e a paz para ser buscada pelo crente.
Entendemos algo desta dupla paz? Façamos uma pausa aqui, e nos perguntemos acerca dessa parte doutrinal – façamos disto uma pergunta experimental aos nossos corações: “Vem, minha alma, tu estás em paz com Deus? Viste o teu perdão assinado e selado com o sangue do Redentor? Vem, responda a isso, meu coração, tu tens os teus pecados lançados sobre a cabeça de Cristo, e viste todos eles lavados nos rios vermelhos de seu sangue? Podes sentir que agora há uma paz duradoura entre ti e Deus, de modo que, aconteça o que acontecer, Deus não estará irado contigo – que não te condenará e que não irá te consumir em sua ira, nem te esmagará em seu furor? Se é assim, então, meu coração, tu precisas apenas responder à segunda pergunta – Está a minha consciência em paz? Pois, se o meu coração não me condena, Deus é maior do que o meu coração, e tem conhecimento de todas as coisas, e se a minha consciência dá testemunho comigo, que sou um participante da preciosa graça da salvação, então eu sou feliz! Eu sou um daqueles a quem Deus deu a paz que excede todo o entendimento.”
Agora, porque isto é chamado de “a paz de Deus?” Supomos que é porque ela vem de Deus, porque foi planejada por Deus, porque Deus deu o seu Filho para fazer a paz, porque Deus dá o seu Espírito para dar a paz na consciência, porque, na verdade, é o próprio Deus na alma, reconciliado com o homem, de quem procede a paz. E portanto é verdade que este homem terá a paz – a paz do próprio Cristo, isto porque sabemos que ele próprio é a nossa paz. E, portanto, podemos perceber claramente como Deus se confunde com a paz que temos com o nosso Criador, e com a nossa consciência.
Então nos é dito que ela é “a paz de Deus que excede todo o entendimento.” O que ele quer dizer com isso? Ele quer dizer de tal paz, que o entendimento não pode compreendê-la, nunca pode atingi-la. O entendimento do mero homem carnal não pode compreender esta paz. Aquele que tiver um olhar filosófico para descobrir o segredo da paz do cristão, se encontrará em um labirinto. “Eu não sei como é, nem por que ela é”, diz ele, “Eu vejo esses homens caçados pela terra, eu viro as páginas da história, e os encontro sendo caçados para a sepultura. Eles andaram em peles de ovelhas e peles de cabra, necessitados, aflitos e maltratados, no entanto, também vejo na face do cristão uma serenidade calma. Eu não consigo entender isso, eu não sei o que é. Eu sei que eu, mesmo em meus momentos mais alegres, estou perturbado, que quando meus prazeres são mais elevados, ainda há ondas de dúvida e medo em toda a minha mente. Então, por que é isso? Como é que o cristão pode alcançar um descanso tão calmo – tão calmo e tão sossegado?” O entendimento nunca poderá chegar a essa paz que o cristão tem atingido. O filósofo pode nos ensinar muito, mas ele nunca poderá nos dar as regras para alcançar a paz que os cristãos têm em sua consciência.
E dessa paz é dito também que “guardará a mente em Cristo Jesus.” Sem Cristo Jesus esta paz não existiria; sem Cristo Jesus esta paz, mesmo quando existe, não pode ser mantida. Visitas diárias do Salvador, buscas contínuas com os olhos da fé dAquele que sangrou na cruz, farão com que essa paz seja longa e duradoura. Mas mantenha Jesus Cristo, o canal de nossa paz, à distância, e ela desaparece e morre. Um cristão não tem paz com Deus, exceto por meio da expiação de nosso Senhor Jesus Cristo.
II. Assim, apresentamos o primeiro ponto, quanto ao que é essa paz. Agora, o segundo é: como essa paz é obtida? Você vai notar que embora esta seja uma promessa, ela tem preceitos anteriores, e é somente pela prática dos preceitos que podemos obter a promessa. Volte agora para o quarto versículo, e você vai ver a primeira regra e regulação para a obtenção da paz. Cristão, você desejaria desfrutar “a paz de Deus, que excede todo o entendimento?”
A primeira coisa que você tem que fazer é “regozijai-vos sempre.” O homem que nunca se alegra, mas que está sempre triste, e gemendo e chorando, que esquece o seu Deus, que esquece a plenitude do Senhor, e está sempre murmurando quanto às provas do caminho e às fraquezas da carne, este homem perderá a possibilidade de desfrutar de uma paz que excede todo o entendimento. Cultivem, meus amigos, uma disposição alegre; se esforcem, tanto quanto depender de vocês, para sempre terem um sorriso no rosto, lembrem que isto é tanto um mandamento de Deus como aquele que diz: “Amarás o Senhor com todo o teu coração” – “Regozijai-vos sempre”, é um dos mandamentos divinos, e que é seu dever, bem como o seu privilégio, tentar praticá-lo. Não se alegrar, lembre-se, é um pecado. Alegrar-se é um dever, e um dever ao qual os frutos mais ricos e as melhores recompensas estão anexados a ele. Regozijai-vos sempre, e, em seguida, a paz de Deus guardará os vossos corações e mentes.
O próximo preceito é: “Seja a vossa moderação conhecida de todos os homens.” Se você quiser ter paz de espírito, seja moderado. Jovem, você não pode ser tão rápido na tentativa de subir na vida, e ainda ter a paz de Deus, que excede todo o entendimento. Você deve ser moderado, e quando você tem uma moderação em seus desejos, então você terá paz. Senhor, com o rosto vermelho, você deve ser moderado em sua ira; porque o homem irado não pode ter paz em sua consciência. Seja moderado nisto, seja moderado em todas as coisas que você realiza, seja moderado em suas expectativas. Bem-aventurado aquele que espera pouco, pois ele terá poucas frustrações. Lembre-se de nunca definir os seus desejos de modo muito elevado. Aquele que tem aspirações para a lua, vai ficar desapontado se ele somente atingir metade da altura. Tenha moderação, em tudo o que você faz, em todas as coisas, e assim você obedecerá o segundo preceito, e obterá o vislumbre dessa promessa: “A paz de Deus guardará os vossos corações e as vossas mentes em Cristo Jesus.”
O último preceito que você tem que obedecer é, “Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças.” Você não pode ter paz a menos que você supere seus problemas. Você não tem nenhum lugar para despejar seus problemas, exceto no ouvido de Deus. Nunca deixe um problema por meia hora em sua própria mente antes que você o diga a Deus. Assim que o problema vem, a primeira coisa a fazer rapidamente é dizê-lo ao seu Pai. Lembre-se que quanto mais tempo você levar para contar o seu problema a Deus, mais a sua paz será prejudicada.
Estes, então, são os preceitos. Que Deus Espírito Santo nos permita cumpri-los, e então teremos a paz contínua de Deus.
III. Agora, veremos como essa paz guarda o coração. Você vai ver claramente como esta paz vai guardar o coração cheio. O homem que tem paz contínua com Deus, não terá um coração vazio. Ele sente que Deus tem feito tanto por ele que ele deve amar o seu Deus. A base eterna da sua paz está estabelecida na divina eleição, os sólidos pilares da sua paz, a encarnação de Cristo, sua justiça, sua morte – o clímax da sua paz, o céu, a seguir, onde a sua alegria e a sua paz serão consumadas.
Guarda a tua paz com Deus. Isto irá manter o teu coração puro. Dirás se a tentação vier: “O que tu me ofereces? Tu me ofereces prazer; eu tenho isso. Tu me ofereces ouro; eu tenho isso, todas as coisas são minhas, o dom de Deus, eu tenho uma cidade não feita por mãos, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus. Eu não vou trocar isso pelo seu pobre ouro.” “Eu vou lhe dar honra”, diz Satanás. “Eu tenho honra suficiente”, diz o coração tranquilo: “Deus vai me honrar no último grande dia de seu juízo.” “Eu te darei tudo o que possas desejar”, diz Satanás. “Eu tenho tudo que eu posso desejar”, diz o cristão.
Arreda-te Satanás! Suas tentações e lisonjas são perdidas em quem tem paz com Deus.
Esta paz, também, manterá o coração não dividido. Quem tem paz com Deus irá colocar todo o seu coração em Deus. “Oh!”, Diz ele, “por que eu deveria ir procurar outra coisa na terra, agora que eu encontrei o meu descanso em Deus? Eu encontrei uma fonte, por que eu deveria ir e beber na cisterna rota que ficará sem água? Eu me inclino sobre o braço do meu amado, por que eu deveria descansar no braço de outro?”
Ainda, essa paz manterá o coração rico. O homem que duvida e está angustiado tem um coração pobre, é um coração que não tem nada nele. Mas quando um homem tem paz com Deus, seu coração é rico. Se eu estou em paz com Deus, estou habilitado para ir ao lugar onde eu posso obter riquezas. O trono é o lugar onde Deus dá riquezas. Se eu estou em paz com ele, então eu posso ter acesso com ousadia.
Quando meu coração está em paz com Deus, então eu posso apreciar a meditação, mas se não tenho paz com Deus, então eu não posso meditar de modo eficaz, porque “os pássaros descem sobre o sacrifício”, e eu não posso afastá-los, salvo se a minha alma estiver em paz com Deus.
Se minha mente está perturbada eu não posso ouvir a Palavra de Deus com proveito.
Não preciso dizer que a paz de Deus mantém o coração sempre pacífico. Claro, a paz o torna cheio de paz.
Agora, então, irmão e irmã, é da maior importância que você guarde o seu coração corretamente. Você não conseguirá manter seu coração correto, senão por uma única maneira. Essa maneira é obter, guardar e desfrutar a paz de Deus para a sua própria consciência.
Tradução, redução e adaptação feitas pelo Pr Silvio Dutra, do sermão de nº 180, de Charles Haddon Spurgeon, em domínio público.