(Procedemos a uma abordagem do tema valendo-nos de citações do Pr puritano John Owen e D. M. Lloyd Jones, à luz do comentário do segundo capítulo de Neemias)
Quando Neemias fez uma exposição quanto ao modo como a boa mão do Senhor fora com ele, particularmente quanto à comissão que havia recebido do rei persa, os judeus se dispuseram a cooperar com ele na obra de reconstrução que deveria ser realizada em Judá e Jerusalém (Neemias 2.17,18).
Mas quando Sambalate, Tobias e Gesem o souberam, começaram a zombar deles e a desprezá-los lhes infamando e acusando de estarem se rebelando contra o rei.
Não é de se admirar que o diabo sempre use o argumento de insurreição contra a autoridade constituída quando Deus levanta alguém para fazer a Sua vontade. A mesma autoridade que os verdadeiros rebeldes costumam transgredir, especialmente a relativa à da própria Palavra de Deus que eles não amam e obedecem, é a que eles costumam invocar para tentarem desencorajar os servos fiéis de Deus a prosseguirem adiante na defesa da verdade (v. 20).
Satanás sempre projeta manter os cristãos e a Igreja em estado de miséria espiritual, e tudo faz para tentar impedir o avanço de uma verdadeira espiritualidade que seja baseada no amor e na prática da verdade. Ele tudo apoiará e não perturbará os cristãos, desde que eles se mantenham na sua carnalidade e não busquem santificar suas vidas na verdade da Palavra de Deus.
Se os cristãos deixarem os muros de suas vidas caídos em total ruína, Satanás não se levantará contra eles, mas ao menor movimento para tentarem reconstruí-los, ele logo se manifestará apresentando todo tipo de oposição a eles.
Todavia, em vez de deixarmos que ele nos intimide, devemos fazer como Neemias que respondeu o seguinte aos seus inimigos em face das acusações deles: “O Deus do céu é que nos fará prosperar; e nós, seus servos, nos levantaremos e edificaremos: mas vós não tendes parte, nem direito, nem memorial em Jerusalém.” (v. 20).
Isto é o que deve estar sempre bem definido e fixado diante de nós: não podemos permitir que nossos opositores se coloquem ao nosso lado na realização da obra que Deus nos encarregou de fazer. E devemos ter a firme confiança somente nEle, que assim como Ele nos chamou, também é poderoso para nos fazer prosperar no que nos tem ordenado. Mas em vez de ficarmos esperando com os braços cruzados, devemos nos levantar e edificar as pedras vivas do edifício espiritual, que fomos chamados a construir como seus cooperadores.
“Porque nós somos cooperadores de Deus; vós sois lavoura de Deus e edifício de Deus.” (I Cor 3.9).
É preciso ter muita prudência e inteligência espiritual, quando estamos encarregados por Deus para uma obra específica, como a de Neemias, para não darmos munição ao Inimigo, de maneira que não leve vantagem sobre nós.
O diabo acompanha nossos passos e levanta seus instrumentos para espreitar a liberdade que temos em Cristo, de modo a barrar o nosso progresso, com infâmias, perseguições e acusações mentirosas contra nós. Se ele não conseguir nos deter de um modo tentará outros meios para alcançar os seus objetivos, que não são dirigidos propriamente contra as nossas pessoas, mas contra a obra que Deus designou fazer através de nós.
Daí se recomendar aos cristãos, e especialmente àqueles que estão à frente de algum trabalho do Senhor, que vigiem e orem em todo o tempo, e que sejam perseverantes, a par de todas as perseguições que possam vir a sofrer.
Mas alguém dirá: “E se a perseguição vier exatamente da parte daqueles que foram levantados para liderarem a obra de Deus?”. “O que devem fazer os cristãos que se encontram debaixo da liderança deles?”.
Primeiro devem orar e jejuar para que saiam do laço do Inimigo com o qual foram encantados e amarrados. E se as coisas persistirem por longo tempo e se agravarem a ponto de a Igreja se desviar totalmente dos objetivos de Deus traçados para ela, notadamente o que se refere a andar na prática da verdade, então é hora de começar a orar para receber direção do Senhor para congregar numa Igreja que não tenha apostatado da verdade.
É importante lembrar que quando a Igreja Primitiva descambou para a Igreja Romana, não seria justificável que qualquer cristão autêntico permanecesse naquela Igreja apóstata dos dias dos reformadores sob o argumento de não desejar ser chamado de cismático (quem produz divisões).
E não é por pertencermos ao ramo protestante-evangélico que não estamos expostos ao mesmo perigo de virmos a nos encontrar congregando numa Igreja apóstata, e não seremos justificados por Deus se insistirmos em permanecer nela e nas suas práticas desviadas da verdade, permitindo até mesmo sermos afastados da nossa primitiva fidelidade, devoção e amor a Cristo e à Sua Palavra, pelo mesmo argumento citado anteriormente de não sermos acusados de promotores de divisões na Igreja.
Ao contrário, é ordenado a todo cristão fiel que se afaste daqueles que não andam segundo a doutrina revelada na Palavra.
“mandamo-vos, irmãos, em nome do Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo irmão que anda desordenadamente, e não segundo a tradição que de nós recebestes.” (II Tes 3.6).
D. M. Lloyd Jones, já em 1963 nos alertava sobre o que ocorreria se o movimento ecumênico chegasse a desenvolver “a grande igreja mundial”, porque a palavra “cisma” seria usada contra todo aquele que se recusar a ser parte integrante desta organização gigantesca, que começava a ser costurada em seus dias, e que tem tomado uma maior dimensão em nossos dias.
Ele afirmava que devíamos ter clara percepção quanto a isso, e que deveríamos instruir o povo a que servimos sobre esta importantíssima questão, porque cisma é um grande pecado, uma coisa muito grave, da qual ninguém deveria fazer-se culpado, e por isso devemos compreender com clareza o que é exatamente cisma.
Muitos cristãos que se encontram exilados em suas próprias igrejas, seriam muito auxiliados se lessem o tratado que John Owen escreveu sobre cisma, do qual destacamos alguns pensamentos a seguir.
Owen sempre examinava todas as questões à luz da doutrina e do ensino geral da Bíblia.
Owen reconhecia que ninguém será capaz de encerrar as diferenças entre os cristãos, senão o próprio Senhor quando da manifestação da Sua segunda vinda. Mas reconhecia que é dever de todo cristão se empenhar pela unidade da Igreja, buscando uma reconciliação entre todos os protestantes.
Então temos definido aqui o nosso ponto de partida.
Como é próprio de todo grande homem, Owen foi suficientemente grande para mudar de opinião e para mudar de uma posição para outra, à medida que era melhor convencido acerca da exata vontade de Deus relativa a qualquer assunto, e assim nós temos um testemunho insuspeito e imparcial, da sua parte, quando fala sobre cisma.
Ele nos recomenda o seu método com as seguintes palavras:
“Este modo de examinar imparcialmente todas as coisas pela Palavra, comparando causas com causas e coisas com coisas, pondo de lado toda consideração preconceituosa para com pessoas ou tradições presentes, é um procedimento que eu admoestaria todos a evitarem, caso não queiram tornar-se independentes”.
Com isto ele queria afirmar que se fizermos um exame sincero do que nos é ensinado e ordenado na Bíblia, dificilmente nos permitiremos congregar com aqueles que vivem numa prática diversa da que é ordenada por Deus em Sua Palavra, e o resultado disto é que passaremos a ser independentes juntamente com aqueles que buscam a mesma pureza de doutrina e de vida, segundo uma estrita obediência à Palavra.
Ele definiu então o motivo porque os puritanos eram não conformistas e não congregavam na Igreja estatal Anglicana.
Assim não pode ser considerado cisma qualquer distanciamento de posições fixas e rígidas que líderes assumem por sua própria conta e que lançam tal acusação contra todos que discordem deles.
As Escrituras não definem como cisma qualquer tipo de separação havida no corpo de Cristo, ao contrário, elas o recomendam em determinadas condições, conforme a que vemos no texto de II Tes 3.6.
Seria cisma o fato de tanto Neemias quanto Esdras, terem impedido que os samaritanos se juntassem aos judeus no trabalho de reconstrução da vida nacional religiosa dos israelitas? Ou não foi zelo apropriado e aprovado por Deus para a manutenção da pureza da prática da santidade do Seu povo?
Este argumento que o diabo usa frequentemente, classificando de cismático e ameaçando e intimidando todo cristão que queira se separar do erro para viver em santidade é uma das armas mais poderosas que ele tem no seu arsenal para manter cristãos amarrados a laços de idolatria, corrupção e carnalidade, que muitas vezes virá a desviá-los da firmeza que tinham em Cristo.
Por isso não são poucas as exortações apostólicas no sentido de que os cristãos se guardassem do ensino dos falsos pastores e mestres, saindo de debaixo da influência deles, porque conforme eles alertavam, Satanás se transfigura em anjo de luz e os seus ministros, em ministros da justiça bíblica, de modo a enlaçar os verdadeiros eleitos de Deus e impedi-los em sua caminhada rumo à perfeição cristã.
Assim, ao falar de cisma, Owen nos dá a seguinte classificação:
“Uma vez que aquilo de que tratamos é uma desordem no serviço de Deus instituído, e naquilo que é de pura revelação, suponho que é um pedido modesto desejar permanecer unicamente ao lado dessa descoberta e descrição que disso é feita nas Escrituras – que só deverá ser considerado cisma aquilo que ali for assim chamado, ou tiver a natureza de cisma. Outras coisas podem ser outros crimes, cismas não serão, se nas Escrituras elas não tiverem nem o nome nem a natureza de cisma, que eles lhes atribuem.”.
Owen lembra que as pessoas culpadas de cisma na Igreja de Corinto não haviam saído da Igreja de Corinto.
Mas nem Deus, nem Paulo haviam abandonado aquela igreja cismática porque era uma igreja jovem que ainda estava sendo instruída na verdade. Não devemos esquecer a longanimidade de Deus ao tratar com os cristãos e com as igrejas antes de decidir remover o seu castiçal.
Então a verdadeira definição de cisma é, conforme afirmado por Owen:
“Cisma significa desprezo pela autoridade de Jesus Cristo. É uma ofensa à Sua sabedoria, pela qual Ele ordenou todas as coisas na Igreja com o definido propósito de impedir cismas e divisões.”.
Os coríntios haviam desprezado isto e também a graça e a bondade de Cristo que foram ignoradas e ultrajadas.
Owen ainda nos diz o seguinte:
“Não se alega que toda e qualquer espécie de abandono ou deserção de alguma igreja ou de Igrejas é desde logo um cisma, mas unicamente a separação que rompa o laço da união instituída por Cristo.”.
Não podemos discernir o que é cisma se não discernimos primeiro qual é a natureza da Igreja.
Podem aqueles que não são uma Igreja acusar-nos de cismáticos?
Devemos lembrar que a Igreja foi feita para nós, e não nós para a Igreja, isto é, os seus diversos ministérios como se vê em Ef 4.11-16 têm em vista a edificação dos cristãos no amor. E quando este alvo é descumprido poderíamos afirmar que estamos congregando numa Igreja verdadeira? Não importa quantos cristãos autênticos estejam congregando nela, porque se ela frustra o desígnio de Deus na Sua missão de edificar os cristãos na verdade, e se desvia deste grande objetivo, ninguém que deixar uma tal congregação poderá ser acusado de cismático.
Owen nos diz sobre isto:
“O fim visado por Cristo na constituição das Suas igrejas foi, não amoldar os Seus discípulos a formas eclesiásticas tais que eles se tornassem subservientes ao poder, interesse, proveito e dignidade dos que nalguma ocasião viessem a estar sobre eles, porém constituir um método e ordem para dar-lhes oficiais que em todas as coisas lhes fossem úteis e subservientes, para a sua edificação, como se afirma expressamente em E 4.11-16.”.
Quando Neemias foi realizar uma reforma ordenada por Deus na igreja do antigo pacto ele não criou sínodos ou concílios para estabelecerem regras para o povo de Deus, mas foi afirmar única e somente a observância devida da Palavra. E de igual modo toda reforma que se faça necessária na Igreja de Cristo deve ser regida pelo mesmo princípio.
Assim, Owen se expressou nos seguintes termos acerca de reforma:
“Para mim não há outra reforma de qualquer igreja, nem qualquer coisa numa igreja, que não seja restituí-la à sua primitiva instituição e à ordem a ela determinada por Jesus Cristo. Se alguém pleitear qualquer outra reforma das Igrejas, deverá ser censurado. E quando qualquer sociedade ou agremiação de homens não for capaz de fazer tal restituição e renovação, suponho que não provocarei nenhuma pessoa sábia e sóbria, se declarar que não posso considerar essa sociedade como uma igreja de Cristo. Uma igreja que não consegue reformar-se daquela maneira, não é uma igreja de Cristo, e por isso aconselho aqueles que nela estão e que têm direito aos privilégios obtidos por Cristo para eles, quanto às ministrações do evangelho, a tomarem alguma outra medida pacífica para se tornarem participantes desses privilégios”.
“Alguns estão dispostos a pensar que todos os que não se juntam a eles são cismáticos, e que o são porque não os acompanham; e outra razão não têm, sendo incapazes de oferecer algum sólido fundamento daquilo que eles professam. Não é fácil expressar o que a causa da unidade do povo de Deus sofreu às mãos destes tipos de homens.”.
Deste modo quem define cisma não são os homens ou seus concílios, mas o espírito com que nos apresentamos diante de Deus, conforme Owen afirma:
“Enquanto eu tiver uma consoladora convicção firmada numa base infalível, de que estou unido à cabeça e de que, pela fé, sou um membro do corpo místico de Cristo, enquanto eu fizer profissão de todas as necessárias verdades salvadoras do evangelho; enquanto eu não perturbar a paz da igreja particular da qual, com meu consentimento pessoal, sou membro, nem levantar diferenças sem causa, nem nelas permanecer, com aqueles ou com alguns daqueles com quem ando na comunhão e ordem do evangelho, enquanto eu me esforçar para exercer a fé para com o Senhor Jesus Cristo e o amor para com todos os santos – eu manterei a unidade que é da determinação de Cristo. E, com base em princípios totalmente alheios ao evangelho, digam os homens o que quiserem ou puderem em contrário, não sou cismático.”.
Quão maravilhosamente Owen expressa a liberdade que todo cristão tem pela fé em Cristo. Lamentavelmente não são poucos aqueles que uma vez tendo sido libertados se encontram em jugo de servidão. Suas consciências fracas e pouco esclarecidas são manipuladas por homens desprovidos de verdadeiro temor ao Senhor e conhecimento da Sua vontade e Palavra, de maneira que até mesmo oficiais da Igreja são mantidos debaixo de servidão ao homem, não somente no meio católico romano, como também entre protestantes e evangélicos.
Mas bem aventurados são todos aqueles que não por motivo de rebelião ou de um espírito insubmisso a Cristo e à verdade, não permitem ser dominados por aqueles que se auto proclamam autores e donos da fé deles. E que os mantêm debaixo de ameaças e horrores caso venham a ser desobedecidos em suas vontades caprichosas, sob a alegação de que foram constituídos bispos das suas almas, só que não olham por si mesmos e muito menos pelo rebanho que dirigem, e por causa disso não podem também cuidar da sã doutrina, pela qual, caso a honrassem de fato, trariam o rebanho na unidade e na liberdade que têm no Senhor.
Tão terrível é a natureza terrena que remanesce nos cristãos, mesmo nos pastores, que estes estão sempre debaixo da grande tentação de constituírem para si um Papa, de maneira, que seguir ao homem, quando se deseja viver na carne, é muito mais fácil e confortável do que viver no Espírito santificando-se na verdade da Palavra. Mas bem farão todos aqueles que permitirem que o Espírito vença esta luxúria carnal, tanto quanto as demais, para que vivam do modo pelo qual possam efetivamente agradar a Deus e fazer a Sua vontade.
Temos que ouvir o que Owen nos diz acerca disto:
“Eu trato, como disse, com os que são reformados; e agora suponho que a igreja, da qual se supõe que um homem é membro, não queira ser reformada – neste caso pergunto se se trata de cisma certo número de homens reformar-se, voltando à prática do serviço divino na forma como fora instituída, embora seja uma parte mínima dos pertencentes à jurisdição paroquial, ou se juntarem alguns deles a outros com esse fim e propósito, deixando de viver sob aquela jurisdição? Direi ousadamente que esse cisma é ordenado pelo Espírito Santo – I Tim 6.5; II Tim 3.5; Os 4.15 etc. Terá sido lançado por Cristo sobre mim este jugo, que, para ir ao lado da multidão entre a qual eu vivo, que odeia ser reformada, devo abandonar o meu dever e desprezar os privilégios que Ele adquiriu para mim com o Seu precioso sangue? Será esta uma unidade da instituição de Cristo, que eu deva associar-me para sempre com homens ímpios e profanos no serviço de Deus, para o indescritível detrimento e desvantagem da minha alma? Suponho que não haja nada que seja mais irrazoável do que imaginar de antemão tal coisa.”.
Owen afirma muitas coisas excelentes no seu tratado sobre Cisma, mas queremos destacar somente mais uma das muitas afirmações para não nos alongarmos demais neste assunto. Ele afirma que o caráter da unidade da Igreja é espiritual e daí a ordem apostólica para se manter a unidade da fé pelo vínculo da paz. O conhecimento disto é de suma importância para que saibamos distinguir desvio da verdade de prática diferenciada de ordem de culto, normas ou disciplina nas igrejas que não devem ser motivo para que alguém se separe delas. Mas, como são extra bíblicas ninguém pode afirmar também que a unidade da igreja deve consistir na prática destas coisas referidas, como é comum ocorrer. Por exemplo, nenhum pastor pode pretextar que haja falta de unidade na igreja que dirige porque os cristãos não comparecem às festividades que é hábito da congregação comemorar, ou que seja um ato autoritativo da parte dele. E isto se aplica às formas de adoração pública e a todos os demais serviços prescritos, inventados ou ordenados pelo homem e não constantes das Escrituras.
“Negamos que os apóstolos tenham feito ou dado quaisquer regras para as igrejas dos seus dias, ou para uso das igrejas das eras futuras, a fim de indicarem e determinarem modos externos de culto, com a observância das cerimônias, das festas e jejuns estabelecidos, além do que é de divina instituição, liturgias ou formas de oração, ou disciplina a exercer-se nos tribunais subservientes a um governo eclesiástico nacional. Então, de que utilidade elas são ou podem ser, que benefício ou vantagem pode advir à Igreja por meio delas, qual a autoridade dos magistrados superiores com respeito a elas, não podemos pesquisar ou determinar agora. Só dizemos que nenhuma regra para estes fins jamais foi prescrita pelos apóstolos, pois:
“1. Não há a mínima insinuação de que alguma regra desse tipo foi dada por eles nas Escrituras.
2. As primeiras igrejas depois do tempo deles, nada sabiam de qualquer regra dessas dada por eles; e, portanto, depois que elas começaram a afastar-se da simplicidade em coisas como o culto, a ordem e as normas ou a disciplina, elas se entregaram a uma grande variedade de observâncias externas, ordens e cerimônias, quase todas as igrejas diferindo numa ou noutra coisa umas das outras, nalgumas dessas observâncias, não obstante todas “mantendo a unidade da fé pelo vínculo da paz”. Elas não teriam feito isso, se os apóstolos tivessem prescrito certa regra à qual todas deveriam adaptar-se, especialmente considerando quão escrupulosamente elas aderiam a tudo quanto era relatado como tendo sido feito ou dito por qualquer dos apóstolos, fosse o relato falso ou verdadeiro.”.
Quanto à união da Igreja Owen disse:
“Primeiro, a unidade que nos é recomendada no evangelho é espiritual.
Segundo, para este fundamento da unidade do evangelho entre os cristãos, pelo seu melhoramento e para este, requer–se uma unidade de fé.
Terceiro, há uma unidade de amor.
Quarto, Cristo Senhor, por Sua autoridade como Rei, instituiu ordens para o governo, e ordenanças para o culto (Mt 28.19,20. Ef 4.8-13) para serem observadas em todas as Suas Igrejas.
Essa é a natureza da união. Em seguida surge a questão: como se deve preservar essa união? Aqui ele tem algumas coisas excelentes para dizer.
“Ora, para que esta união seja preservada, requer-se que todas aquelas grandes e necessárias verdades do evangelho, sem cujo conhecimento ninguém pode ser salvo por Jesus Cristo, sejam cridas e igualmente sejam externas e visivelmente professadas, naquela variedade de modos pelos quais eles são ou podem ser chamados para isso” – Aqui Owen está contemplando principalmente as doutrinas da graça (eleição, justificação pela graça mediante a fé, regeneração etc) muito mais do que os mandamentos da lei de Moisés, porque uma Igreja deve primar pela graça e verdade reveladas em Cristo mais do que pela Lei que foi dada através de Moisés.”.
“Não haverá união , se não houver acordo sobre as verdades do evangelho. É uma união espiritual, porém é também uma união de fé. Se houver desacordo acerca da fé, não haverá união entre o evangélico e o homem que nega os pontos essenciais da fé evangélica. É impossível.”
Por exemplo, um pastor pelagiano que afirme a salvação pelas obras, como pode ter a direção sobre um rebanho que afirme a verdade de que a salvação é pela graça somente mediante a fé, sem as obras? Como pode haver reconciliação neste caso? A separação já está determinada pela própria negação da verdade bíblica.
“Não somente é preciso que não haja desacordo aberto, explícito; também é preciso que não haja nenhum desacordo implícito.
Que nada seja opinião, erro ou falsa doutrina, que perverta ou desfaça qualquer das verdades necessárias e salvadoras professadas nos termos acima referidos, seja acrescentado a essa profissão, ou nela incluído, ou deliberadamente professado também.”.
Deste modo, ajudados pelas considerações de Owen podemos concluir que aqueles que devem ser classificados de cismáticos são exatamente aqueles que acusam os separatistas por causa do amor deles à verdade, porque são os que agem contra os princípios e mandamentos revelados na Bíblia, e que não trazem consigo, principalmente as doutrinas da graça, os que se afastam de Cristo e se separam dEle e da Sua verdadeira Igreja, porque ela é edificada neste fundamento dos profetas e dos apóstolos, do qual Ele é a pedra angular.