Para abordar o tema do ministério no NT, é essencial colocar-se a ordem dos livros historicamente. Se o assumimos segundo a ordem de seqüência atual, que os evangelhos foram escritos primeiro, depois Atos, as cartas de Paulo começando por Romanos e terminando com as Epístolas Pastorais a Timóteo, Tito e a carta a Filemom, nunca poderemos entender o desenvolvimento das instituições e o pensamento da igreja primitiva. -Richard Hanson
Por quê devemos como cristãos seguir os mesmos rituais longe de Deus a cada domingo sem nos dar conta de que tais rituais não se coadunam com o NT? Parte da razão tem a ver com o incrível poder da tradição. Mas há algo mais. Diz respeito a nosso NT. O problema não está ligado ao conteúdo do NT. O problema está na forma como abordamos o NT.
A abordagem mais comum utilizada pelos modernos cristãos quando querem estudar a Bíblia chama-se “comprovação de textos”. A origem da “comprovação de textos” surgiu entre 1590 e 1600. Um grupo de homens chamados Escolásticos Protestantes tomou o ensino dos Reformadores e os sistematizou segundo as regras da lógica Aristotélica. Os Escolásticos Protestantes sustentavam não apenas as Escrituras como a Palavra de Deus, mas cada parte dela como Palavra de Deus — independente do contexto. Isto preparou o terreno para a idéia de que se tomamos um versículo bíblico esse verso é por si só correto e pode ser utilizado para comprovar uma doutrina ou uma prática.
Quando João Nelson Darby surgiu por volta de 1805, ele formou uma teologia baseada nessa abordagem. Darby elevou a comprovação de textos ao nível de uma forma de arte. Na realidade, os fundamentalistas e cristãos evangélicos devem a Darby o fato de grande parte de seus ensinos serem aceitos até hoje.
Todos eles foram construídos no método da comprovação de textos. A comprovação de textos tornou-se, portanto, a maneira pela qual nós, modernos cristãos, abordamos a Bíblia. Isto é ensinado em cada escola bíblica e seminário protestante na terra. Como resultado, nós cristãos raramente, ou quase nunca, olhamos para o NT em sua totalidade. Em vez disso, nos servimos com pratos de pensamentos fragmentados cozidos por uma lógica oriunda de uma humanidade decadente. O fruto dessa abordagem é que nos desviamos e que estamos bem longe da prática da igreja do NT. Mesmo assim pensamos que somos bíblicos. Permita-me ilustrar este problema com um conto fictício.
Conheça Marvin Snurdly
Marvin é um renomado conselheiro matrimonial. Durante seus vinte anos como terapeuta matrimonial, Marvin aconselhou milhares de casais com problemas conjugais. Ele usa a internet. A cada dia centenas de casais escrevem cartas a Marvin relatando suas tristes situações matrimoniais. As cartas chegam de toda parte do mundo. Marvin responde a todas.
Cem anos se passaram, e Marvin Snurdly descansa pacificamente em sua sepultura. Ele tem um tataraneto chamado Fielding Melish. Fielding decidiu recuperar as cartas perdidas de seu tataravô, Marvin Snurdly. Mas Fielding conseguiu encontrar apenas treze cartas de Marvin. Das milhares de cartas que Marvin escreveu durante sua vida, apenas 13 sobreviveram! Nove destas cartas foram escritas a casais em crise matrimonial. Quatro foram escritas a cônjuges individuais.
Todas estas cartas foram escritas em um período de 20 anos: Entre 1980 a 2000. Fielding Melish compilou todas estas cartas em um único volume. Mas há algo interessante quanto à maneira como Marvim escrevia suas cartas e que dificulta a tarefa de Fielding.
Primeiramente, Marvin tinha um hábito fastidioso de nunca encerrar suas cartas. Nenhuma contem dia, mês ou ano. Em segundo lugar, as cartas revelam apenas metade da conversação. As cartas iniciais escritas a Marvim que provocaram suas respostas agora já não existem mais. Conseqüentemente, a única maneira de compreender a base de alguma destas cartas de Marvin é reconstruir a situação matrimonial das respostas de Marvin.
Cada carta foi escrita em uma época diferente, a pessoas de cultura diferente, tratando de problema diferente. Por exemplo, em 1985 Marvin escreveu do Estado da Virgínia uma carta a Paulo e Sally, que passavam por problemas de ordem sexual desde o início de seu matrimônio. Em 1990 Marvin escreveu uma carta a Jetro e a Matilda da Austrália, que tiveram problemas com seus filhos. Em 1995 Marvin escreveu uma carta a uma senhora do México que passava por uma crise de meia idade.
Resultado: 20 anos — 13 cartas — todas escritas a diferentes pessoas em tempos diferentes em diferentes culturas — todas abordando problemas diferentes.
Era desejo de Fielding Melish colocar estas 13 cartas em uma ordem cronológica. Mas sem as datas, ele não conseguiu fazer isso. Então Fielding as classificou por tamanho de uma forma decrescente. Quer dizer, ele pegou a carta mais extensa que Marvin escreveu e a colocou como a primeira. A segunda carta mais extensa como a segunda, e assim por diante. A compilação segue dessa maneira até que todas as 13 cartas estejam alinhadas, não cronologicamente, mas pela sua extensão.
A coleção é impressa e torna-se bem aceita no mercado. As pessoas as compram aos montes. Passam outros cem anos e as Obras Colecionadas de Marvin Snurdly compiladas por Fielding Melish resistem ao passar do tempo. A obra continua bem popular. Mais cem anos se passa, e este volume está sendo prolificamente disseminado pelo mundo ocidental. (Agora Marvin descansa há 300 anos em sua tumba).
Este livro foi traduzido em dezenas de idiomas. Os conselheiros matrimoniais o citam a todo instante. As universidades o utilizam em suas classes de sociologia. É tão bem sucedido que alguém tem a luminosa idéia de modificar o volume para facilitar a leitura e o manejo.
Qual é essa idéia luminosa? É dividir as cartas de Marvim em capítulos e frases numeradas (que chamamos de versículos). Então as Obras Colecionadas de Marvin Snurdly saem com capítulos e versículos.
Mas ao agregar capítulo e versículo a estas cartas que uma vez foram vivas, algo muda de uma forma desapercebida. As cartas perdem seu toque especial. Elas adquirem um aspecto de manual.
Diferentes sociólogos começam a escrever livros sobre o matrimônio e a família. Qual sua principal fonte? As Obras Colecionadas de Marvin Snurdly. Compre qualquer livro no século XXIV sobre o tema do matrimônio, e você averiguará que o autor cita capítulos e versículos das cartas de Marvin.
Geralmente, a coisa ocorre assim: Ao fazer uma observação particular um autor citará um versículo da carta de Marvin escrita a Paulo e Sally. O autor depois levantará outro versículo da carta escrita a Jetro e Matilda. Ele extrairá outro versículo de outra carta. Depois ele tece estes três versículos juntos e com base nisto constrói sua filosofia particular sobre o matrimônio.
Cada sociólogo e terapeuta matrimonial que escreve um livro sobre o matrimônio fazem o mesmo. Todavia há aqui uma grande ironia. Cada um destes autores constantemente contradiz os demais embora utilizem a mesma fonte!
Mas isso não é tudo. As cartas de Marvin adquirem o ranço de uma prosa fria quando originalmente elas eram vivas, eram cartas que se referiam a pessoas reais e lugares verídicos. Mas elas viraram uma arma nas mãos de homens motivados por agendas. Muitos autores começaram a empregar textos comprobatórios isolados da obra de Marvin para defender-se perante aqueles que não concordavam com sua filosofia matrimonial.
Como puderam fazer isso? Como saber quem está certo? Como podem todos estes sociólogos contradizer-se mutuamente enquanto usam a mesma fonte!? É porque as cartas foram retiradas de seu contexto histórico. Cada carta foi arrancada de sua seqüência cronológica e de seu cenário da vida real.
Em outras palavras, as cartas de Marvin Snurdly foram transformadas em uma série de frases isoladas, fragmentadas, desunidas — facilitando o trabalho de quem queira levantar uma frase de uma carta, uma frase de outra carta, para depois uni-las e criar a filosofia matrimonial segundo seu gosto.
Uma história surpreendente, não é? Bom, o ponto é esse. Não importa se você percebeu ou não, acabo de descrever seu NT!
Texto de: “Frank A. Viola”