É bastante conhecida a passagem em que 12 espias, príncipes de cada tribo de Israel, foram enviados à terra prometida para sondarem suas riquezas e perigos. O relatório que eles trouxeram confirmava tudo a respeito do que Deus havia dito por meio de Moisés. Porém, haviam gigantes e cidades fortificadas que eles deveriam combater e expulsar para que pudessem tomar posse definitiva da terra.
Uma grande confusão de instaurou no meio do povo, porque a maior parte de seus príncipes decretara como certa a derrota diante daqueles inimigos. Apenas dois, Calebe e Josué, confiaram na palavra de Deus por intermédio de Moisés. Pois o Senhor se enfureceu com tudo aquilo e determinou um duro castigo: cada dia daquela expedição representaria um ano a mais no deserto. E por 40 anos toda a geração que saiu do Egito morreu na sequidão. Somente seus filhos puderam entrar na terra prometida.
Um detalhe muito importante nessa história é esquecido: a estratégia de enviar espias não foi propriamente de Deus, mas do povo, com a aprovação de Moisés:
“Vejam, o Senhor, o seu Deus, põe diante de vocês esta terra. Entrem na terra e tomem posse dela, conforme o Senhor, o Deus dos seus antepassados, lhes disse. Não tenham medo nem se desanimem. Vocês todos vieram dizer-me: Mandemos alguns homens à nossa frente em missão de reconhecimento da região, para que nos indiquem por qual caminho subiremos e a quais cidades iremos. A sugestão pareceu-me boa; por isso escolhi doze de vocês, um homem de cada tribo” (Deuteronômio 1.21-23 NVI).
Há uma aparente divergência entre esse texto e Números 13. Não quero me ater ao debate, nem propor aqui um aprofundado estudo a respeito. Tomemos como síntese o comentário de Barnes:
“O plano de enviar os espiões se originou com o povo, e como pareceu razoável, foi aprovado por Moisés, foi submetido a Deus, sancionado por Ele, e realizado sob orientação divina especial. O objetivo do orador neste capítulo [de Deuteronômio] é trazer ao povo enfaticamente suas responsabilidades e comportamento. Por isso, é importante lembrá-los que o envio dos espiões, que os levou imediatamente às suas queixas e rebeldia, era de sua própria sugestão.”
Deus ordenou “Entrem na terra e tomem posse dela”. O que os homens fizeram? “Estratégias”. E Deus permitiu, por um tempo, que fizessem conforme desejaram. Perceba no texto o desvio: os caminhos a percorrer e as cidades a invadir seriam determinadas pelo reconhecimento dos representantes do povo, e não mais do direcionamento de Deus.
Assim é com grande parte da igreja hoje: envolvida até o pescoço em estratégias, programas, agendas, atividades… O povo não pode parar, os líderes precisam dar conta, os pastores devem promover campanhas e resoluções “em nome do Senhor” para que a igreja avance, cresça, multiplique, conquiste! Os ministérios bons são aqueles que sempre apresentam novidades: CDs, DVDs, sites, livros, camisetas, produtos que evidenciem “como aquela igreja é boa”, mesmo que paguem o preço de servirem sem a aprovação de Deus (Ele permite que seja assim – por um tempo, diga-se) e corram o risco de morrerem no deserto (figura de um tempo de sequidão, de dores, de andar em círculos, de se estar perdido).
É cada vez maior o número de crentes extenuados com a igreja, de famílias de crentes desgovernadas e quebradas, de líderes cansados e esgotados, de pastores frustrados porque poucos o acompanham em seus planos. E ainda ocorrem abusos, como usar da autoridade pastoral ou do cargo de liderança para impor sobre as ovelhas e os liderados uma série de normas e procedimentos, que atendem à instituição e às determinações “de cima” mas que estão distantes da boa, agradável e perfeita vontade de Deus para a igreja e para os crentes individualmente.
Diz a Bíblia sobre Calebe: “o meu servo Calebe tem outro espírito e me segue com integridade” (Números 14.24 NVI). “Ele verá [a terra], e eu darei a ele e a seus descendentes a terra em que pisou, pois seguiu o Senhor de todo o coração” (Deuteronômio 1.36 NVI).
Estas palavras concordam plenamente com o que Jesus disse: “Quem me serve precisa seguir-me; e, onde estou, o meu servo também estará. Aquele que me serve, meu Pai o honrará” (João 12.26 NVI).
A “cultura evangélica” parece inverter as coisas: querem que o Mestre os siga e abençoe suas estratégias para conquistarem as cidades, as nações e o mundo; querem a honra do Pai pelos seus serviços, porém são esforços inúteis, com motivações erradas e ideais estranhos ao querer de Deus, ou pelo menos diferentes do que Ele, de fato, designou.
“Pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele” (Filipenses 2.13 NVI).
O Senhor promove em nós uma disposição nova para servirmos no Reino em Sua força e em Sua estratégia. Quem quer é Ele. Quem realiza é Ele. Desta forma não há peso, não há frustração. Desta forma o Reino avança com integridade e eficácia. A igreja, portanto, experimenta a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
Repense as estratégias que você tem empreendido em sua vida e ministério. Tem produzido vida, alegria e justiça ou estão gerando morte, peso e condenação? Considere a possibilidade de estar fora da posição que o Mestre quer. Considere que tanto esforço e trabalho podem ser em vão, por não significarem exatamente o que Ele deseja. Pense seriamente nisso.
Que Deus nos leve a viver conforme Filipenses 2.13.