Quando os primeiros cristãos se encontraram diante da tarefa de justificar a sua crença nas boas novas de Jesus Cristo perante os gentios gregos e romanos, começaram a fazê-lo através de um exercício de afirmação das verdades ensinadas pelo Messias, pela esperança em suas promessas e, principalmente, por sua convicção naqueles eventos que haviam sucedido pouco tempo antes, como a morte e a ressurreição do ungido de Deus. Não havia uma preocupação rigorosa com a forma como era transmitida essa verdade, pois a perplexidade de constatar os fatos e, especificamente, de confrontar a coragem e o destemor com que a comunidade cristã enfrentava leões tomando o lugar reservado aos gladiadores, cabia aos cidadãos greco-romanos.
Essa prática de sobrevivência dos primeiros séculos ganhou argumentos mais sistematizados com o passar dos anos a medida que a própria Igreja foi organizando os seus dogmas, as suas doutrinas e definindo o seu credo, quase sempre como resultado de defesas contra heresias que fermentavam no seio da congregação ou contra mestres oriundos da academia filosófica, que exigiam construções racionais que pudessem ser aferidas por suas técnicas de argüição. Esse mesmo artifício seria utilizado pela ciência, quando esta passou a estabelecer métodos mais rigorosos para a obtenção do conhecimento. Desse modo, a fé, que outrora esteve sujeita a razão, agora deveria caber numa pipeta de laboratório e ser o resultado de experiências práticas comprovadas pela observação empírica.
Isto nos remete a um problema primário da apologética cristã. Consideramos a definição da “ciência” apologética como uma disciplina que se esforça por apresentar a defesa da fé cristã. A controvérsia se dá no momento que teremos de realizar essa tarefa por outros meios distintos da fé. Devemos provar a fé, não obstante ser ela insuficiente para estabelecer princípios apologéticos. Em algum momento da história a teologia retrocedeu a ponto de que hoje é necessário argumentar racionalmente e de acordo com métodos de observação emprestados de outras ciências para seguirmos a recomendação do apóstolo Pedro de santificar a Cristo, como Senhor em nosso coração, e estar sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que pedir a razão da esperança que há em nós.
Em que ocasião a teologia deixou de respaldar através da própria palavra revelada as suas convicções não será o objeto deste texto, mas certamente estaremos lançando novamente estacas bem firmadas nas cartas deixadas por aqueles que conviveram com Cristo e foram seus interlocutores, conforme argumenta o apóstolo: “porque não vos fizemos saber a virtude e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, seguindo fábulas artificialmente compostas, mas nós mesmos vimos a sua majestade” (2 Pe 1.16). “Porque nós não somos, como muitos, falsificadores da palavra de Deus; antes, falamos de Cristo com sinceridade, como de Deus na presença de Deus” (2 Co 2.17).
É imprescindível neste momento estabelecer a fé na palavra revelada como princípio vital para o exercício da apologética cristã, como elemento indispensável sem o qual não se pode fundamentar defesa nenhuma, tal como a razão é para os filósofos ou a observação é para os cientistas, caso contrário estaremos desvalorizando aquilo que se constitui na maior riqueza para a nossa prática. Se para filosofar aceitamos a dialética e até a maiêutica e quando nos confrontamos com as ciências sociais damos prioridade ao “método”, a teologia exige que aquele que se debruça no leito da apologia cristã o faça através da fé. Que aceite como verdadeira a palavra revelada por meio dos profetas inspirados por Deus.
Fundado este preceito, podemos seguir rumo ao segundo princípio da prática apologética: a comprovação histórica. O testemunho de Deus foi feito através dos tempos e sabemos que os escritos sagrados foram redigidos em diferentes épocas. No entanto, longe de depararmos com um problema, essa providência divina é recurso muito útil à medida que sabemos que o Senhor Deus não faz coisa alguma sem antes ter revelado o seu segredo aos profetas (Am 3.7). Por isso, devemos estar bem atentos à palavra dos profetas, como uma luz que alumia em lugar escuro, já que eles anunciaram acontecimentos futuros, muito dos quais se cumpriram literalmente e hoje constitui parte da história, uma história que foi revelada com antecedência.
Poderíamos citar inúmeros exemplos da história de Israel e das nações vizinhas para ilustração, passagens proféticas como no caso da ascensão e queda da Babilônia, predita pelos profetas Isaías, Jeremias e Ezequiel. A proeminência dos impérios antigos medo, persa, grego e, finalmente, romano, antecipada por Daniel quando estava na Babilônia. Todos esses eventos registrados por historiadores e comprovadamente relatados com antecedência. A data da tomada da Babilônia pelo monarca persa Ciro, por exemplo, predita com pelo menos 70 anos de antecedência, é utilizada como referência para determinar a cronologia de eventos bíblicos, como a monarquia de Israel.
Não obstante, o mais contundente e de maior relevância, sem dúvida, foi a passagem de Jesus Cristo pela terra e sua convivência com os homens, fato este capaz de dividir o calendário da humanidade em antes ou depois dele. São várias as referências proféticas relativas ao seu nascimento, a sua vida, a sua missão e a sua morte. Do cumprimento da profecia ele mesmo atestou numa ocasião em que esteve na sinagoga de Nazaré, quando lhe foi dado o livro do profeta Isaías para ler e concluiu dizendo: “Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvidos” (Lc 4.21), referindo-se à unção que recebeu para evangelizar os pobres, curar os quebrantados do coração e apregoar liberdade aos cativos e oprimidos.
Dessa maneira, cremos que a genuína apologia cristã pode prescindir de elementos alheios a ela e restringir as “portas do palácio do conhecimento”, como disse Champlin – para quem a verdade bíblica deve ser testada e avaliada, a uma única porta que é atravessada pela fé baseada na revelação. O teólogo Karl Barth concorda quando afirma que “a teologia precisa renunciar à sua apologética ou às garantias externas de sua posição dentre as ciências, pois sempre subsistirá no mais firme dos alicerces quando simplesmente agir de acordo com a lei de sua própria natureza”, isto é, a fé no agir do Espírito Santo.
O apóstolo Paulo, em sua primeira carta aos Coríntios, aborda várias vezes essa questão, reiterando que a sua pregação não consistiu em “sublimidade de palavras” ou em “palavras persuasivas de sabedoria humana” mas que foi realizada com palavras que o Espírito Santo ensinou para que a cruz de Cristo não se fizesse vã.
Sendo assim, nossa tarefa como defensor da fé será reconstruir o caminho que conduz a essa porta, tornando conhecidas as obras de Deus, anunciando suas maravilhas, suas promessas e a revelação profética contida na Escritura. Tanto a profecia cumprida quanto aquela que ainda não se cumpriu e que poderá vir a ser comprovada. Quando ao seu cumprimento, no dizer do profeta Isaías, temos a garantia de que “o zelo do Senhor dos Exércitos fará isto” acontecer.
Eduardo Vasconcellos é bacharel em Teologia