É, parece que foi ontem. Você era bem pequenino, meu filho. Uma coisinha aparentemente grande para mim.
Você ria, fazia festa quando me via, agitava as perninhas rechonchudas e quando eu o tomava nos braços, aconchegava-se ao meu ombro com uma satisfação inusitada.
Seus primeiros passos e palavras foram como se eu estivesse novamente aprendendo a andar e a falar.
Ouvir você era ouvir a vida, a alegria, a satisfação de estar aqui no mundo.
Vê-lo realizar mil proezas, dentro e fora de casa, era um espetáculo que dispensava qualquer outra diversão na terra.
Um dia, a vida começou a separar-nos. Vi quando você saiu meio relutante, com algumas lágrimas, embora ligeiramente orgulhoso, da bolsa e dos livros novos, em direção à escola.
Soube, depois, que aquele foi um dia difícil para você. Sim, eu sei, porque também foi muito difícil para mim. Você não viu, mas enxuguei duas lágrimas furtivas que me surpreenderam.
Enquanto você crescia, eu pensava no que você tinha sido e no que iria ser. Ora pendia para o passado, ora para o futuro. Não sabia se o tempo deveria voltar ou acelerar um pouco.
Fiquei tão feliz, que pensei que meu coração ia estourar de contentamento, quando você me pediu sua primeira Bíblia.
Corri à cidade, apertei um pouco o orçamento para aquele dia e comprei a melhor Bíblia que encontrei, no formato e na tradução que você me pediu. Escrevi o melhor oferecimento que pude pensar no momento e entreguei-lha com uma sensação de céu na terra.
Passaram-se dias, meses e anos, e você cresceu. Puxa, como você cresceu! Passou a pedir emprestadas minhas camisas, minhas meias, meus sapatos, tantas coisas!
Amei aquela mistura maravilhosa. Tive uma ligeira surpresa, quando você me deu um beijo de boa noite e senti algo furando meu rosto.
Era um arremedo de barba.
Tratei de comprar imediatamente um barbeador para você. E dos melhores, lembra-se?
E agora, você passa o dia inteiro longe, cuidando dos seus mil interesses, conversando com os muitos amigos que tem feito.
Às vezes, vejo-o cabisbaixo, aborrecido, sério demais.
Procuro, penetrar nesse novo mundo que é o seu mundo, e esbarro em grandes fortalezas – as fortalezas da idade, da sua personalidade, da sua apropriação do universo que o cerca, e fico com ciúmes de tudo.
Sim, parece que estamos separados agora por um grande abismo.
Sei que você me ama muito, e você sabe também que o amo. Apenas nossos caminhos, interesses, direções, aspirações e conversas parecem não se cruzar mais.
Moramos debaixo do mesmo teto, compartilhamos alimentação, programas familiares, cultos e passeios, mas estamos diferentes.
Quando podemos conversar, de vez em quando, sinto-me mais importante do que um “sheik” do petróleo.
É, parece que foi ontem.
Você era bem pequenino. Tenho saudades daquele tempo, mas vejo o que Deus tem feito com você, seu interesse por Sua Obra, seu desapego das coisas do mundo, e louvo a Deus por tudo isto.
Vejo-o trabalhando na Igreja, participando das mais variadas atividades, e só posso dizer que sou um pai feliz.
E nestas horas curvo a minha cabeça e faço uma oração a Deus por todos os pais cujos filhos já se foram, abandonaram para sempre o lar, jamais conheceram o amor sacrossanto de Deus, vivem existências tristes, envolvidas com todas as agressões da vida e da sociedade.
Sim, meu filho, você anda meio arredio, meio distante, mas tenho que reconhecer que você é mais Dele do que meu.
Continue o seu caminho e entregue-o cada vez mais ao Senhor. Enquanto isto, eu fico nos bastidores, o mais feliz dos pais, torcendo por você, e dizendo:
– Vá em frente, filho! Deus o abençoe!