Ao comemorarmos a páscoa somos convidados a refletir sobre vários elementos, que fazem parte deste acontecimento. Há um paralelo entre a páscoa judaica e a cristã, mas produzem reflexões diferenciadas, embora ambas convirjam para Cristo, o grande libertador.
A páscoa judaica está relacionada a uma libertação nacional. Quando o povo de Israel se tornou escravo do grande Faraó do Egito, que insistia em manter o povo debaixo da servidão, apesar dos apelos de Moisés e de todo castigo advindo da parte de Deus, objetivando a liberdade, que é o sonho de Deus para cada indivíduo. Liberdade e não libertinagem continua sendo o seu alvo.
Para que Faraó concedesse liberdade aos israelitas foi necessária a intervenção de Deus, na qual estava inserida a morte de um cordeiro, cujo sangue foi aspergido nos umbrais das portas das casas israelitas.
As casas dos egípcios, que não contavam com esta aspersão foram duramente castigadas, com a morte do filho primogênito. Diante desse episódio, Faraó não encontrou outra alternativa, senão o da libertação em massa do povo que mantinha sob servidão. Assim, um cordeiro morto anualmente, seguido de outros rituais, marcavam a comemoração da páscoa judaica que apontava para a grande libertação.
O paralelo que queremos traçar em relação a páscoa cristã, aponta para o seguinte teor: Toda a humanidade, do ponto de vista de Deus, estava escrava do pecado e das ações do mal. Para que a libertação fosse efetivada, alguém inocente pagaria pelo pecado de todos, e este seria considerado o cordeiro de Deus, imolado em favor dos escravos, ou seja, os pecadores. Este fato aconteceu com Cristo. Ele foi morto em nosso lugar. Agora, na páscoa cristã, não bastaria a morte, simplesmente, mas também o sofrimento, e isto aconteceu através da cruz. Como diz o texto nos evangelhos: “Não deveria o Cristo sofrer para depois entrar em sua glória?”.
A cruz foi um elemento notável no processo de redenção, porque o cordeiro estava designado a morrer a morte de cruz, porque através dela, Cristo se tornou maldito, para que todos fossem abençoados.
Através da cruz, a missão de Cristo de trazer liberdade aos homens seria amplamente alcançada. Ele veio para libertar. “Se pois o filho vos libertar, sereis verdadeiramente livres”- apregoou. Como registrou o dr. Lucas, médico e seguidor de Jesus Cristo: “Como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e poder, o qual andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele” (Atos 10. 38).
Lamentamos o fato de, apesar de Cristo desejar que todos os homens possam comemorar sua páscoa pessoal – sua liberdade, felicidade e paz, ainda há uma expressiva parte que continua escrava do ódio, dos vícios e de todas as mazelas, próprias de mentes sádicas e escravas, a exemplo do que anunciam os jornais diariamente: As agressões nos lares, a pedofilia, o uso dos entorpecentes. Enquanto os vícios humanos se espraiam, a verdadeira liberdade é aprisionada e confinada, impedida de fazer parte da felicidade do ser humano.
Liberdade deve ser o alvo de todos e de toda nação que deseja evoluir. Para conquistar a liberdade, não podemos ter medo da verdade. Como escreveu, Érico Veríssimo: “A liberdade é como uma lâmpada, que temos de sustentar, mesmo com medo”. Refletir sobre o que nos escraviza, eliminar os preconceitos, que normalmente se infiltram no coração fanático e nos meandros de nossa ignorância é um grande passo rumo à liberdade.
A liberdade se fundamenta em verdades que considera sempre o valor humano, o bem do outro. Para isso, é preciso ter uma mente expositiva e desta forma buscar subsídios para que a mesma possa ser viabilizada. Como defendia o gênio, Benjamim Francklin: “Uma Bíblia e um jornal em cada lar, uma boa escola em cada bairro, tudo bem estudado e freqüentado como merecem, eis os principais mantenedores da virtude, da moralidade e da liberdade civil”.
Apesar de toda as informações disponíveis, por que o ser humano ainda se mantém longe da conquista da verdadeira liberdade? O segredo está no seguinte: Tanto a liberdade, quanto a felicidade plenas resultam de um processo espiritual, que tem início em nosso interior, e que a presença e participação de Cristo é fundamental para essa conquista. Cristo, na cruz, representa a humanização de Deus, para que por meio dela pudesse identificar-se conosco. Quando olhamos para a cruz, logo refletimos sobre as questões que lidamos diariamente: O sofrimento, a dor e a separação pela morte. Na cruz, Cristo mostrava que a todo o ser humano tinha uma trajetória paralela, mas o túmulo não era o fim, e sim, um meio pelo qual a semente seria plantada, para germinar e ressurgir para uma vida plena, de paz e ventura eterna. O outro aspecto dessa trajetória apontava para o aspecto simbólico, que considera que uma pessoa escrava espiritualmente, embora exista, não vive. Neste caso, precisaria de Cristo para que pudesse morrer para o seu próprio ego e ressuscitar para uma nova vida de liberdade. Ele disse: “Se o grão de trigo que cair na terra não morrer, fica só, mas se morrer dará muito fruto”.
Para ilustrar o que estamos expondo, conta-se que um excelente nadador tinha o costume de correr até a água e molhar somente o dedão do pé, antes de qualquer mergulho.
Alguém intrigado com aquele comportamento perguntou sobre qual a razão daquele hábito. O nadador sorriu e respondeu:
Há alguns anos, numa certa noite perdi o sono e fui à piscina para nadar um pouco. Não acendi a luz, pois a lua brilhava muito.
Quando eu estava no trampolim, vi minha sombra numa parede à minha frente. Com os braços abertos, minha imagem formava uma magnífica cruz.
Em vez de saltar, fiquei ali parado, contemplando aquela bela imagem. Nesse momento pensei na cruz de Cristo e em seu significado.
Eu não era um cristão, mas quando criança aprendi que Jesus tinha morrido para nos salvar.
Sentei-me no trampolim, enquanto aqueles ensinamentos vinham-me à mente. Não sei por quanto tempo fiquei ali parado, mas, ao final, eu estava em paz com Deus.
Desci do trampolim e resolvi apenas tomar um gostoso banho, quando, para meu assombro, descobri que haviam esvaziado a piscina naquela tarde.
Naquela noite a cruz de Cristo salvou-me duas vezes: da morte física e da morte espiritual.
Esta é a razão pela qual molho o dedão do pé, antes de saltar.
Na cruz, a morte de Cristo era certa, mas ela apontava para a vida, porque se Cristo não morresse triunfava a morte eterna sobre a humanidade. Por isso, a exemplo do nadador aqui narrado, olhemos para a Cruz, porque por detrás da morte do Salvador, está a vida de um grande pecador, que por natureza tende à escravidão, mas por opção pode mudar sua sorte e ser um ser humano livre de todas as amarras, feliz e realizado.
Francisco Meirinho
Teólogo e psicanalista
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