A música é uma linguagem universal, que ultrapassa todas as barreiras culturais. Quem nunca ouviu — e gostou! — de uma canção apesar de entender bulhufas? Foi compreendendo esse poder de tocar forte na emoção das pessoas que surgiu a Vila do Louvor, ministério ligado a Jovens Com Uma Missão (Jocum) que tem o objetivo de usar a música, e as artes de um modo geral, para levar a mensagem do Evangelho. À frente deste projeto, implantado na pacata cidade de Piratininga, interior de São Paulo, está o músico e missionário Beto Tavares, 42 anos. Os frutos do trabalho alçaram o mineiro Alberto Soares Tavares, o Beto, à condição de uma das principais lideranças quando assunto é missões com arte. Violonista por vocação e designer gráfico por formação, o músico-missionário foi um dos primeiros a trazer as canções da Vineyard Music para o Brasil, no início da década de 1990. Casado com Raquel e pai de Nicole, 4 anos, Beto traz em sua discografia os álbuns Fogo, Sede e Venho me entregar (8ª Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte). A seguir, leia os principais trechos da entrevista:
A maioria das pessoas vê missões e louvor como áreas muito distintas. Qual a ligação que existe entre ambas?
— O louvor é um dos caminhos mais seguros para levar as pessoas a conhecer a Deus. Todo mundo gosta de música, pelo menos os “normais”! A Bíblia diz que devemos cantar a Deus um cântico novo e anunciar entre as nações a Sua glória. Para mim, a conexão entre ambos é claríssima. Enfim, o louvor é uma arma fortíssima de evangelismo. Tenho me utilizado dele no ministério há muitos anos, e já perdi as contas de quantas pessoas se converteram através do meu ministério de louvor.
Você foi um dos primeiros a trazer as músicas da Vineyard Music para o Brasil, especialmente com a gravação da canção “Acende o fogo em mim”. Como foi esse contato com a VM?
— Conheci o trabalho da Vineyard Music em 1989 através de uma fita cassete de um americano com quem trabalhava na Jocum. Gostei muito e guardei aquele nome. Depois, fui morar nos Estados Unidos e conheci outras músicas da VM. Imediatamente comecei a traduzir aquelas de que mais gostava. Ministrei muito louvor e evangelismo com elas nos EUA. Outra vez que morei lá, acabei freqüentando a Igreja Vineyard de Atlanta, onde fiz alguns de meus melhores amigos, incluindo o Joel Balin, que é um dos pastores daquela igreja e que já veio ao Brasil várias vezes depois disto. Foi lá que gravei meu primeiro trabalho.
Considerando o crescimento da Igreja Evangélica no Brasil, qual é o balanço que você faz num comparativo entre o contexto evangélico no início da década de 90 e hoje? O que melhorou e o que piorou?
— Sem dúvida, a Igreja Evangélica se espalhou, cresceu muito. Creio que muita coisa que aconteceu no cenário político e social do Brasil foi resultado de muita intercessão que a Igreja fez na década de 1980. O impeachment do Collor, o desmascara-mento de muita gente em CPIs, até mesmo a maior consciência político-social dos nossos jovens. Isso não acontecia antes. Apesar dos problemas ligados às nossas raízes históricas, acho que o Brasil melhorou em muitos aspectos por causa da Igreja. Por outro lado, sinto que há um movimento triunfalista muito forte, ligado à teologia da prosperidade, e isso me incomoda muito. Estou conhecendo e conversando com um monte de gente que já está cheia desse “Deus Papai Noel” que é pregado. Há uma geração sedenta para conhecer o Jesus de verdade, o seu poder, seu amor e também a sua graça. A pregação do Evangelho tem sido enfraquecida nas igrejas. Ao invés de focalizar no que Deus está falando ou tentar ouvir dele o que Ele está querendo fazer, os pastores e líderes têm olhado mais para as necessidades do rebanho, tentando oferecer o que venha suprir suas demandas imediatas, ou diminuir seu sofrimento. A prioridade parece que é o povo, e não Deus. Como resultado, sinto que estamos gerando cristãos fracos e sem conhecimento de Deus e sua Palavra.
Que mudanças importantes deveriam ocorrer na Igreja Evangélica?
— Uma delas é observar a Igreja como um grupo de ministérios, e não departamentos. Em departamentos a coisa é muito institucionalizada. O foco é a tarefa, é o fazer. Num ambiente de ministérios, reafirmamos dons e relacionamentos. O foco é no viver, no servir e na interdependência. Outra mudança importante é que os pastores e líderes comecem a ver a sociedade como diversos grupos distintos, ou tribos, e aceitem o fato de que, de agora em diante, as igrejas vão ser cada vez mais focalizadas em tribos específicas. A Igreja convencional vai coexistir, mas cada vez mais vamos encontrar uma igreja para surfistas, uma igreja para artistas, para roqueiros… Talvez uma igreja no shopping para as patricinhas!
Qual é o grau de importância que a Igreja atribui a missões hoje?
— Deus está fazendo um trabalho maravilhoso. Quando entrei para a Jocum, em 1988, eu via muitas pessoas ao redor passando grandes necessidades. Este não era o meu caso, porque a minha igreja sempre me amparou muito e investiu em mim e em minha família com alegria. Desde então, sinto que a Igreja brasileira tem prestado mais atenção nesta prioridade. É crescente o número de missionários brasileiros deixando tudo para abraçar a visão missionária. Em diversas missões, incluindo a Jocum, o número de brasileiros em posição de liderança proeminente é maior do que antes. Temos, na verdade, conhecido um de nossos dons. O brasileiro é um excelente pioneiro, um ótimo missionário, pregador entusiasmado, amigo leal, divertido e musical. Que país iria rejeitar um povo assim?
Como você vê a parceria entre igreja local e agência missionária? Como tornar essa relação mais dinâmica?
— Aqui em Piratininga acho que temos um ótimo exemplo. Deus mandou eu me mudar de São Paulo para cá e plantar a Vila do Louvor exatamente em Piratininga. Quanta gente já ouviu falar na famosa cidade de Piratininga? Mas creio que Ele mesmo estava animado em unir esforços entre nós, da Jocum, e nossos amigos na região. O Milton [Lucas, diretor-executivo da VM] e algumas pessoas da Vineyard estão entre meus melhores amigos. Creio que Deus deseja unir talentos, dons e chamados e gerar uma sinergia tremenda entre nós. Devemos nos unir e servir aos outros com nossos dons, abrindo espaço para receber deles o que eles têm para nos oferecer. No final, o Reino de Deus sai ganhando.
Aproveitando, qual é o grau de importância que a música tem recebido no contexto evangélico?
— Cada vez mais a música ocupa seu lugar. É um excelente método de comunicação. Tudo fica mais fácil quando se tem música. As igrejas cantam mais hoje do que há 20 anos. Antes o período de louvor de uma igreja era, em média, de uns 15 minutos. Hoje esse tempo dobrou. Quando se tem louvor, Deus fica à vontade para agir. É o princípio do Salmo 22:3. Deus habita nos louvores de seu povo.
Qual é o ponto de equilíbrio entre o louvor tecnicamente perfeito e a adoração profunda?
— Creio que é o Salmo 33:3: tocar bem e com júbilo. Um ótimo equilíbrio. O primeiro ressalta a necessidade de fazer tudo bem feito. Deus é excelente em tudo o que ele faz. É assim que ele merece ser adorado. Quando tentamos fazer o melhor, nos identificamos com Deus que, ao terminar toda sua criação, viu que tudo era bom, era o melhor. Que bom se pudermos terminar nosso tempo de adoração e olhar para o que acabamos de fazer e d
escobrir que foi o melhor que tínhamos para dar. Precisamos gostar de louvar, e isso implica em fazer com alegria, em curtir o louvor, em toda a sua extensão. Aí entra o coração. Temos que nos tornar maduros para entender isso, e muitas vezes só a experiência nos traz essa maturidade. Na hora do vamos ver, o que conta mesmo é o coração. Eu não troco um louvor que tocou o coração de Deus pela profundidade e pela sinceridade por um louvor perfeito musicalmente. O bom é termos os dois.
O que está faltando e o que está sobrando nos jovens cristãos?
— Falta amor pela Palavra de Deus e vida devocional. Não conheço muitos jovens que dominem o uso da Bíblia, que saibam encontrar referências que defendam sua fé. Também sinto que o secularismo está muito mais forte do que a espiritualidade cristã. Falta desafiar a galera a andar de maneira radical com Jesus. Também pudera, eles gastam muito mais tempo assistindo Malhação e na internet (vendo só Deus sabe o quê). Ao mesmo tempo, eles estão tão quebrados, tão feridos como geração, que há uma sede e uma paixão explosiva quando eles encontram pessoas que amam ao Jesus da Bíblia. Essa paixão está começando a sobrar. Eles começam a andar em discipulado, prestando contas a seus pais espirituais, abrem seus corações para mudanças, são libertos, curados. É lindo ver Deus fazendo isso. É um princípio bíblico. Onde houve muito pecado, haverá muita graça.
O que você acha do momento que a Igreja brasileira está vivendo na área de adoração? É mais um modismo ou veio para ficar?
— Sem dúvida veio pra ficar. Graças a Deus por este montão de ministros de louvor ungidos que estão surgindo por aí. Há músicas lindíssimas sendo compostas. Aliás, nunca a Igreja brasileira compôs tanto e nunca ela cantou tanto suas próprias canções. Cada dia são lançados novos CDs de louvor, as igrejas começam a investir em projetos de louvor, eventos e coisas do tipo. As pessoas querem ser treinadas. Acima de tudo, este é um tempo super profético, em que Deus está movendo de maneira maravilhosa e sobrenatural. Enfim, vejo que o Brasil vestiu a camisa e considero este um grande despertamento. Isso tudo só vai trazer muito benefício para todos e está colocando o Brasil exatamente dentro de seu chamado de ser um trovador de Deus!
Entrevista extraída do site www.vineyardmusic.com.br