Quando se fala em tradução bíblica, todos tendem para o mesmo lado: “O importante é ser fiel ao original!” Mas a pergunta que fica é: o que significa ser fiel ao original? Uma tradução literal? Será que uma “paráfrase” não pode ser fiel ao original?
Uma tradução literal (também conhecida como formal) procura traduzir por equivalência exata para o outro idioma as mesmas palavras e, muitas vezes, até mesmo na ordem como encontradas no texto grego ou hebraico. A tradução por “paráfrase” procura traduzir por equivalência dinâmica o que se desejou dizer no texto grego ou hebraico.
Um exemplo de tradução literal (equivalência formal) seria a Almeida Revista e Atualizada. Observe que esta tradução segue até mesmo a ordem da disposição original das palavras no texto hebraico. No princípio criou Deus os céus e a terra. Gn 1:1 Uma tradução de equivalência dinâmica, que está mais preocupada com o significado de todo o contexto e como as palavras se relacionam no todo, produz um texto mais próximo da língua alvo da tradução. Portanto, a ordem das palavras pode não seguir a ordem original como no exemplo acima; contudo, a leitura é mais natural e fluente no idioma traduzido.
No começo Deus criou os céus e a terra. Gn 1.1 A NTLH é um bom exemplo de tradução dinâmica. Ela está mais próxima da estrutura linguística do leitor. Veja que em português (a língua do leitor) a ordem natural é ter o verbo depois do sujeito (Deus criou). A Almeida Revista e Atualizada mantém a ordem da estrutura natural do hebraico: primeiro o verbo, depois o sujeito (criou Deus). Se o seu objetivo é exegético, seria melhor consultar uma tradução formal, que procura refletir todas as nuanças da língua original.
Contudo, tais nuanças só podem ser percebidas pelos leitores familiarizados com as línguas originais; o que dispensa a consulta do texto traduzido, uma vez que pode-se consultar diretamente os originais. Se o seu objetivo é devocional e não há conhecimento algum das línguas originais, seria melhor deleitar-se com a leitura agradável e clara proporcionada pela tradução de equivalência dinâmica. Por que não confiar na tradução de homens de Deus que dedicaram-se no estudo das línguas originais e são, obviamente, mais competentes do que você para a tarefa? O exemplo supracitado de Gênesis é bem leve e não traz implicações mais profundas, alvo de crítica dos mais “fundamentalistas”.
Vamos, então, avaliar a tradução de equivalência dinâmica (paráfrase) nos textos em que tais mudanças são mais significativas para provar que a paráfrase pode ser mais fiel ao original do que a tão defendida tradução por equivalência formal (literal). Antes de abordar o texto bíblico, vamos avaliar as implicações de um contexto diferente, um exemplo mais próximo de nossa realidade como brasileiros e que corresponda à dificuldade com o texto bíblico que apresentarei mais tarde em minha argumentação a favor da tradução dinâmica. Chico Buarque, em plena ditadura, compôs a bela canção “Cálice”.
Qual seria o melhor método de tradução para a língua inglesa? Como seria possível traduzir a canção de modo que qualquer falante de língua inglesa pudesse entender que o cálice não é o cálice que Cristo precisou tomar, mas a ordem de silêncio da ditadura?
A) “Pai, afasta de mim este cálice.”
B) “Pai, afasta de mim este calar da minha boca.”
C) “Pai, acaba com esta censura imposta pela ditadura.”
A primeira é obviamente literal como está no texto da canção. A segunda leva em consideração o sentido da palavra “cálice” como equivalente à intenção do autor para “cale-se”. E a última, seria uma típica tradução por paráfrase. Esta não só leva em consideração o trocadilho entre “cálice” e “cale-se”, como também orienta o leitor quanto ao contexto histórico: a censura sofrida pelos artistas durante a ditadura. Pense bem, um pobre texano nos Estados Unidos não teria condições de entender o trocadilho que há entre as palavras “cálice” e “cale-se” em português, pois manter tal trocadilho em sua língua não seria possível. Uma tradução literal da canção para o inglês esconderia o verdadeiro sentido da intenção do autor.
Outro complicador seria o afastamento cultural do leitor da canção traduzida para o inglês. Ele pode não ter a mínima noção de que a canção foi uma resposta para o momento específico da vida do autor da canção. Saber que o autor sofreu a censura da ditadura é crucial para o entendimento de sua verdadeira intenção ao escrever a canção e tão brilhantemente criar o trocadilho para retratar sua agonia, fruto da censura. Se você realmente deseja produzir uma tradução clara que revele a real intenção do autor para a língua inglesa, você optaria por uma tradução formal e bem literal?
Você acredita que o leitor de língua inglesa aceitaria a tradução literal como a tradução mais fiel ao original, mesmo que ele não entenda que a palavra cálice, na verdade, é uma referência à censura? Não há dúvidas que a tradução da canção mais fiel ao original seria aquela tradução por paráfrase da letra “C”. Ela não mantém as mesmas palavras, ela não mantém o trocadilho impossível de ser recriado no novo idioma alvo da tradução, mas transmite perfeitamente a verdadeira intenção do autor. O que dizer da canção “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos” do rei Roberto Carlos? E se parafraseássemos para “debaixo dos caracóis dos cabelos de Caetano Veloso há uma história pra contar de uma terra distante onde viveu o seu exílio durante a ditadura”.
Se a poesia dessa canção fosse um texto bíblico, logo alguém apontaria para a herética tradução que acrescenta e deturpa a sagrada palavra. Já perdi a conta dos olhares de espanto de brasileiros que desconheciam o verdadeiro sentido dessa canção do rei em homenagem a Caetano! Ser fiel ao original é deixar que você acredite que Roberto Carlos falava de uma mulher ou deixar claro que o dono da cabeça encaracolada era Caetano Veloso? Acredito que já ofereci exemplos suficientes e bem claros de que a tradução por equivalência dinâmica pode ser mais fiel ao original do que a tradução literal defendida pela maioria. Basta considerar como mais importante o sentido do texto, a intenção do autor, e não considerar como indispensável a literalidade da correspondência de vocabulário entre idiomas.
Pelos exemplos apresentados é fácil perceber que a literalidade pode esconder ou até mesmo enganar o leitor em sua interpretação. Se os exemplos acima, para uma boa tradução, representam implicações incontestáveis, o que faz alguém pensar que o mesmo não aconteça com a Bíblia? A ditadura não está tão distante no tempo, e a cultura brasileira não é tão estranha aos nativos de língua inglesa, mas há um gigantesco abismo para transpor entre os leitores brasileiros e a cultura, história e língua do período bíblico.
Portanto, quando a NTLH traz a tradução para Eclesiastes 11:1 – “Empregue o seu dinheiro em bons negócios e com o tempo você terá o seu lucro.” – ela não está deturpando nada, muito menos deixando de ser fiel ao original, apesar de não trazer uma só palavra exatamente como no original. Essa tradução está reproduzindo com fidelidade a intenção do autor, da mesma forma que “Pai, acaba com esta censura imposta pela ditadura” equivale fielmente a “Pai, afasta de mim este cálice”; por fidelidade à intenção do autor, não por mera fidelidade às palavras. “César”, em Marcos 12:14, não é nome próprio.
Quando a NTLH traduz “César” por Imperador romano, ela não está omitindo informação histórica da identidade de nenhum personagem; pelo contrário, está mostrando para o leitor a identidade correta de quem seria um “César” no contexto neotestamentário: um Imperador romano. NTLH – Mc 12:14 “É ou não é contra a nossa Lei pagar imposto ao Imperador romano?” É comum no Brasil encontrar pessoas com esse nome. Quem nunca conheceu um César na escola ou no trabalho?
Um leitor brasileiro facilmente poderia achar que o “César” da bíblia também seja uma pessoa chamada por esse nome, não é verdade? A NTLH afasta essa possibilidade de confusão meramente cultural com muita precisão e fidelidade ao original! Poderíamos analisar muitos outros textos, mas o post ficaria longo demais. Acredito que falei o suficiente para afastar o medo irracional que algumas pessoas têm, ou a simples crítica preconceituosa do que deveria ser tão apreciado e valorizado. Convido os leitores para continuar a discussão enviando um comentário através do formulário abaixo.
Glória a Deus pela graça de sustentar a SBB e sua equipe de tradutores e por presentear todos os brasileiros com a Nova Tradução na Linguagem de Hoje.
Autor: André R. Fonseca www.andreRfonseca.com Twitter:
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