Durante esses dias tenho acompanhado atentamente as movimentações populares que ecoam em todos as regiões do Brasil, mais especificamente nos grandes centros urbanos e também nos locais onde acontece a Copa das Confederações.
O que a início parecia um simples protesto contra o aumento das passagens de ônibus acabou ganhando contornos bem mais amplos, com reivindicações que vão desde mais investimento para áreas essenciais ao povo, como saúde e educação, como por mais segurança e reforma política.
Sem entrar no mérito dos vandalismo, que repudiamos e, por experiência própria, sabemos os prejuízos que ele causa, não só ao patrimônio como também ao bem-estar e a cidadania, vamos tentar entender os motivos que abasteceram as manifestações.
Não é fácil, porque desta vez não conseguimos detectar partidarismos. Não há bandeiras eleitoreiras guiando o povo revoltado. E isso ficou de tal maneira claro, que uma pesquisa realizada pelo Instituto DATAFOLHA entre os manifestantes viu apontado como candidato preferido da maioria dos que ali estavam, para ser Presidente da República, o Ministro do STF Joaquim Barbosa. Um sério candidato a herói nacional se a justiça conseguir colocar os mensaleiros atrás das grades. Logo, como se vê, a política partidária ficou de fora das manifestações.
E é exatamente isso que a transforma no maior acontecimento democrático que essa geração presencia desde o início dos anos 80, quando a luta por eleições diretas ganhou as ruas de todo o país. Com uma diferença, clara e gritante. O movimento pelas diretas foi, sobretudo orquestrado por políticos de esquerda, como os já lendários Ulysses Guimarães e Leonel Brizola.
O que está acontecendo no Brasil deve ficar guardado na memória e eternizado nos livros de história, se o Estado totalitário e centralizador que temos hoje permitir.
Se você quer entender de uma forma bem simples e objetiva o que feriu tanto essa nação, vamos tentar explicar.
Imagine uma esposa fiel, trabalhadora, que dá a vida pelo marido e seus filhos. Trabalha pra fora, dia e noite, enquanto seu marido só diverte com os amigos, bem ao tipo malandro, cafajeste, esperando sua mulher receber o dinheiro do mês para gastar nos bares e bailes da vida. Mas ela aguenta tudo, porque o ama.
Um dia ele arruma uma amante estrangeira, e deixa até os amigos para estar com ela. Passa a pegar o dinheiro da pobre esposa para atender a todas as exigências da amante, que só se satisfaz com joias caras e vestidos de luxo. Até o dia que a esposa descobre…
Guardadas as devidas proporções, é mais ou menos o que acontece com o povo brasileiro.
Sempre fomos mal tratados pelo Estado brasileiro. Em qualquer esfera. O Brasil nunca teve um índice de qualidade em nenhum de seus setores essenciais, a saber, saúde, educação e segurança. Nossas estradas são intrafegáveis. Nossos presídios, infernos. Nossas escolas, nossos hospitais, infraestrutura, saneamento básico, nada no Brasil funciona.
A única coisa que tem organizada por aqui leva isso no nome: “Crime organizado”.
Logo, os governos e governantes sempre alegam falta de dinheiro para hospitais, escolas, para combater a seca no norte/nordeste do Brasil, que está lá todos os anos, onde todos sabem que chegará, e não há dinheiro para isso.
Não há dinheiro para aparelhar nossa polícia, para construir melhores presídios.
E de repente chega a FIFA, a tal amante estrangeira. E faz uma série de exigências, uma atrás da outra. Impõe o que quer e não quer ao Governo brasileiro, exige que se ajeite as estradas nas cidades onde acontecerão as competições. E o dinheiro aparece.
Exige que se melhores os hotéis para receber os turistas. E o dinheiro aparece.
Exige que se invista pesado em segurança. E o dinheiro aparece.
Exige que se construam novos e suntuosos estádios. E o dinheiro aparece.
Exige internet e telefonia de ponta. E o dinheiro aparece.
30 bilhões de reais. Aparecem do nada…
E enquanto isso nossas faculdades continuam falidas, nossos hospitais sucateados, nossas escolas defasadas, nossa internet uma porcaria, nosso celular inútil, nossas crianças sem pediatra, nosso patrimônio sem segurança, nossas ruas esburacadas.
E o Prefeito de São Paulo, que não me toma o tempo citar o nome, vai para a TV dizer que não vai aumentar mais as passagens, mas que com isso vai ter que deixar de investir em outros setores, porque vai faltar… dinheiro!
Aí, me desculpe o brasileirismo, mas o pau tem que quebrar mesmo.
Como pode, na cidade em que deve se dar a abertura da Copa do Mundo de 2014, em um estádio particular caríssimo, construído com dinheiro público, de impostos, do trabalho da pobre esposa trabalhadora, erguido para agradar a amante insaciável, o administrador municipal afirmar que não tem… dinheiro?
E é esse sentimento que permeia o Brasil: o de povo traído.
Magoado, decepcionado, amargurado. Enquanto a roubalheira ficava por aqui, entre, digamos, amigos, fazia-se uma certa vista grossa. Insatisfeita, resmungona, querendo reclamar aqui e ali.
Mas dessa vez conseguiram ferir a alma da pátria amada, do povo sofredor, que trabalha só para pagar impostos durante seis meses do ano.
Povo que, ao contrário das mulheres resignadas, resolveu chutar o balde de leite, o pau da barrada e a canela de quem ficou na frente.
E mostrou ao poder, principalmente o Executivo, que de agora em diante a coisa será diferente.
Um recado que foi dado e ouvido. No mundo todo. E na menor cidade.
Neto Curvina
Ministro do Evangelho
Pela liberdade de expressão. Sempre.
(A reprodução do texto é livre)