“Porque somos membros do seu corpo, da sua carne e dos seus ossos.” Efésios 5.30
Ontem, quando eu tive a dolorosa tarefa de falar no funeral de nosso querido amigo, o Sr. William Olney, falei sobre o texto que eu vou usá-lo novamente agora. O estou retomando porque eu realmente não preguei sobre esse texto, senão que apenas trouxe à memória de vocês uma expressão favorita dele que eu ouvi muitas vezes de seus lábios em oração. Ele frequentemente falou de sermos um com Cristo numa união viva, amorosa, duradoura, três palavras que, além de serem uma aliteração são muito descritivas da natureza de nossa união com Cristo. Essas três palavras, vocês se lembrarão, foi o título do meu sermão na presença dessa congregação notável que encheu este lugar para honrar a memória do nosso irmão, cuja maior ambição era honrar seu Senhor, a quem ele serviu tão fielmente.
Paulo aqui se refere unicamente aos verdadeiros crentes, homens que receberam a vida pela graça divina e são feitos vivos para Deus. Desses afirma, não por ficção, nem por exagero poético, senão por um fato indiscutível: “Nós somos membros do seu corpo, da sua carne e dos seus ossos.” Que há uma real união entre Cristo e o Seu povo não é uma ficção, nem o sonho de uma imaginação febril. O pecado nos separou de Deus, e para desfazer o que o pecado tem produzido, Cristo nos une a si mesmo numa união real maior do que qualquer outra união no mundo.
Esta união é muito próxima e muito amorosa e completa. Estamos tão perto de Cristo, que não poderíamos chegar mais perto, porque nós somos um com Ele. Somos tão amados por Cristo que já não podemos ser mais amados. Considere quão íntimo e terno é o vínculo, quando é certo que Cristo nos amou e se entregou por nós. É uma união mais íntima do que qualquer outra que possa existir entre os homens. “Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos.” Éramos seus inimigos quando Cristo morreu para nos salvar e um com Ele, que dEle obtivemos a nossa vida, e nEle está escondida essa mesma vida. É, portanto, uma união muito amada e muito próxima, que Cristo tem estabelecido entre Ele e Seus remidos; e esta união não poderia ser mais completa do que é.
É também uma união extremamente maravilhosa. Quanto mais vocês pensarem nela, mais surpreendidos ficarão, e serão possuídos de um santo temor diante dessa maravilha da graça. Kent disse muito bem:
” Oh sagrada união, firme e forte,
Como é grande a graça, quão doce a canção ,
Que vermes da terra possam ser
Um com a Divindade Encarnada!”
Porém, é assim. Até mesmo a encarnação de Cristo não é mais maravilhosa do que a sua união viva com o Seu povo. É algo que devemos considerar frequentemente; é a maravilha dos céus; é a mais importante das coisas que “os anjos anseiam observar”. Talvez eles não possam ver muito sobre a superfície desta verdade, mas quanto mais se dedicarem à sua contemplação, e na medida em que, em sua meditação receberem a ajuda do Espírito Santo, poderão ver mais neste maravilhoso mar de vidro misturado com fogo. A minha alma se alegra com a doutrina de que Cristo e Seu povo são eternamente um.
Esta é uma doutrina muito consoladora. Quem a entende tem um oceano de música em sua alma. Quem realmente pode entendê-la e alimentar-se dela, se sentará muitas vezes em lugares celestiais com o seu Senhor, e terá uma antecipação do dia, quando estiver com Ele e for semelhante a Ele. Mesmo agora, uma vez que somos um com Ele, não há distância entre nós, estamos mais perto dele do que poderíamos estar de qualquer outra coisa. A própria idéia de união nos faz esquecer toda distância: verdadeiramente, a distância é aniquilada completamente. O amor nos une tão intimamente com Cristo, que ele se torna mais para nós do que nosso próprio ser, e embora não o vejamos, contudo, pela fé, nos regozijamos com alegria indizível e cheia de glória.
Aliás, posso dizer que esta doutrina é muito prática. Não é apenas um torrão de açúcar para sua boca; é uma luz para o seu caminho, pois “Aquele que diz que permanece nele, esse deve andar como ele andou.” Devemos cuidar para que o amor que rodeava os pés de Cristo, esteja sempre brilhando em nosso caminho. Devemos tentar fazer o bem, seguindo os passos de nosso Senhor. Seria desmentir esta doutrina se vivêssemos em pecado; pois, se formos um com Ele, então devemos estar no mundo como ele estava; e cheio do Seu Espírito, devemos buscar reproduzir a Sua vida diante do mundo.
Estes pensamentos podem nos servir como uma introdução para uma consideração mais completa deste grande assunto; começarei dizendo que, na Sagrada Escritura, a união entre Cristo e Seu povo é explicada de várias maneiras. Então eu vou tentar mostrar que a metáfora do nosso texto está cheia de significado; e, em terceiro lugar, lhes demonstrarei que a doutrina da nossa união com Cristo tem suas lições práticas. Ao deleitar os nossos corações com a verdade gloriosa de que “somos membros do seu corpo, da sua carne e dos seus ossos”, tenhamos a determinação de viver como aqueles que estão assim unidos ao Senhor da vida!
I. Nosso primeiro pensamento é que esta união é explicada de várias maneiras. Este fato bendito está acima do nosso mais elevado pensamento: não nos surpreende então, que a linguagem não consiga descrevê-lo de forma adequada! Símile após símile é usado. Eu somente vou mencionar quatro deles.
A união entre Cristo e o crente é descrita como a união do fundamento (alicerce) e a pedra. “Achegando-nos a ele, pedra viva, rejeitada, na verdade pelos homens, mas para Deus, escolhida e preciosa, vós também, como pedras vivas, sois edificados como casa espiritual”. Estamos sobre Ele da mesma forma que a pedra repousa sobre o alicerce. Bem podemos cantar:
“Toda a minha esperança em Ti está posta,
Toda a minha ajuda de Ti a tenho!”
Em sua dependência, a pedra é uma com o alicerce. No momento da nossa necessidade, mais nos apertamos a Cristo; quanto mais os nossos corações estejam aflitos, mais lançamos toda a nossa ansiedade sobre Ele. É a pedra que adere à fundação (alicerce). É possível que o vento leve uma pedra leve. Mas nos agarramos a Ele em todo o tempo, confiando inteiramente nEle, assim como a pedra repousa sobre a rocha que está embaixo. A pedra não suporta o seu próprio peso: somente descansa ali onde é colocada. Então nós descansamos em Cristo. Ele é o fundamento e descansamos nEle.
Além disso, a pedra adere ao alicerce, formando uma unidade. No decurso do tempo, a pedra fica muito mais ligada à fundação. Quando a massa é colocada no início, e está úmida, vocês poderiam agitar a pedra. Mas logo que a massa se seca, a pedra fica colada ao cimento, e se mantém firme. Nas velhas muralhas romanas, você não poderia remover uma pedra, porque o cimento que une uma pedra a outra, é tão forte quanto a própria pedra, e, de fato, o que nos une a Cristo é mais forte do que nós. Podemos ser quebrados, mas o vínculo de amor que nos sustenta em Cristo como um poderoso cimento, nosso fundamento, nunca pode ser quebrado.
Na verdade, nós nos tornamos um com Ele, como já muitas vezes tenho visto pedras nas paredes de um antigo castelo se tornarem uma com a outra. Você não pode separá-las, elas estavam formando uma única peça com a parede, e teria sido necessário destruir a parede antes que pudessem separar as pedras uma das outras. Da mesma forma, nós, pela graça de Deus, temos nos tornado um com Cristo, experimental e indissoluvelmente. O passar dos anos nos tem ligado a ele ainda mais fortemente.
Além disso, na sua concepção, a pedra é uma com o fundamento. Quando o arquiteto colocou a pedra estava seguindo seu plano. Ele projetou a fundação e pensou sobre cada item, e a pedra é essencial para a parede, assim como a fundação é essencial para a pedra. Da mesma forma, somos um com Cristo no plano de Deus. Dizemos com reverência que o propósito de Deus inclui não apenas Cristo, mas toda a companhia dos seus eleitos, e sem o seu povo escolhido, o projeto do Senhor nunca poderia ser realizado.
Ele está construindo um templo para o seu louvor; porém um templo não pode ser apenas uma fundação. Cada pedra na parede é necessária; no propósito divino, é necessário que uma pessoa seja uma pedra viva, e é preciso que outra seja outra pedra viva. Os mais fracos e mais humildes do povo do Senhor são tão necessários como os mais nobres e mais formosos, mas certamente nenhum dos membros é digno de louvor enquanto não tiver sido incorporada à parede.
Quem elegeu a Cristo, elegeu todo o Seu povo; Ele ordenou que fossem construídos em conjunto, e nele “todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor.” Ah, eu gosto de pensar que cada um de nós, independentemente de quão insignificantes sejamos, somos tijolos ou pedras nesse grandioso templo de graça todo-poderosa! Talvez alguns membros estejam colocados onde todos possam vê-los. Outros podem estar embutidos na parede, onde ninguém pode nos ver; mas quem se importa? Se estamos na parede, tudo bem. Onde quer que estejamos colocados estamos unidos a Cristo; e, portanto, ninguém tem precedência sobre os demais, porque todos nós estamos igualmente construídos sobre um fundamento, Jesus Cristo nosso Senhor, em quem nós crescemos diariamente, cada vez mais próximos a Ele na experiência, e apegando-nos cada vez mais firmemente a Ele através da fé.
O segundo aspecto que é usado pelas Escrituras para representar a nossa união com Cristo é a videira e os ramos. “Eu sou a videira, vós sois os ramos”, é a palavra de Cristo aos seus discípulos. O símile (comparação) anterior do fundamento e da pedra, não sugere qualquer ideia de vida. Por esta razão, quando o apóstolo o usou, teve que falar de Cristo como uma pedra viva, e também de nós, como pedras vivas. É uma figura um pouco estranha, e contudo é estritamente verdadeira; pois vocês e eu, não temos mais vida espiritual em nós do que as pedras, exceto quando um milagre nos dá vida; e então, apesar de vivermos, somos como pedras aparentemente inertes e sem vida, mas realmente temos sido revividos por uma obra sobrenatural, e temos sido feitos pedras vivas. Porém, a figura não parece harmônica.
No entanto, este segundo símile nos comunica a ideia da vida, pois uma videira não é videira se está morta, e seus ramos não são verdadeiros ramos, a menos que estejam vivos. Há uma união viva entre Cristo e Seu povo, e eu espero poder apelar para a experiência de muitos dos meus leitores, que sabem que há uma união viva entre eles e Cristo. Bem-aventurado é o homem que pode dizer: “Eu já não vivo, mas Cristo vive em mim, e a vida que vivo agora na carne, eu a vivo na fé do Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim.”
A união é algo mais do que uma união de vida: é uma união de vida dependente. O ramo está ligado de tal modo ao caule que ele recebe toda a sua seiva dele, não poderia viver a menos que os sucos de vida fluam do tronco até ele. E assim é a nossa vida. Cristo derrama seu sangue de vida em nós. Perpetuamente, enquanto que Ele exista, estará fluindo para o Seu povo. Na verdade, quando suas feridas foram abertas, Ele sangrou vida em nós, e quando o seu coração foi aberto, ele mudou os nossos corações e lhes deu vida, embora tivessem sido antes corações de pedra. Somos de tal maneira um com Cristo, que a princípio recebemos nossa vida dEle, e nós a continuamos recebendo dEle a cada momento.
Como consequência da vida de Cristo em nós, crescemos. O crescimento do ramo é realmente o crescimento da videira. É porque o caule cresce que o crescimento é transmitido ao ramo. Como Cristo derrama Sua força de vida em nós, nos faz crescer, para o louvor da glória de Sua graça.
Produzir fruto é o objetivo final de nossa união com Cristo. Nós somos um com Ele para que possamos dar frutos para o Seu louvor. Queridos amigos, estamos realmente fazendo isso? Acaso estamos satisfeitos com uma união nominal com Cristo, embora não produzamos frutos para Sua honra? Deveríamos estar muito angustiados quando somos estéreis e infrutíferos. Devemos lembrar que o grande Agricultor tem uma faca afiada, e está escrito: “Todo ramo em mim que não dá fruto, o tira.” Oh, que nenhum dos meus leitores possa estar em Cristo, de um modo falso, senão que todos estejam nEle numa união tão verdadeira e vital, que nos conduza a dar frutos para o Seu louvor; pois então, embora sejamos podados, nunca seremos cortados da videira!
A terceira metáfora da qual se serve o Salvador em relação a esta união, é o marido e a esposa. “Porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja.” Aqui encontramos uma união, não somente de vida, mas também de amor. Vale ressaltar que as duas palavras, “vida” e “amor” sejam tão semelhantes entre si. Nas coisas espirituais, as duas coisas não somente são semelhantes, senão que são exatamente as mesmas. O amor é a vida e a vida é sempre enviada em primeiro lugar, e enviada principalmente em forma de amor.
Com o verdadeiro marido, sua esposa é ele mesmo. A Escritura diz : “Quem ama a sua esposa ama a si mesmo”, e eu acho que eu creio que Cristo considera que, quando Ele ama a Sua igreja ama a si mesmo. Seu cuidado por nós é agora o Seu cuidado de si mesmo. Posto que nos tem tomado para que estejamos em eterna união matrimonial com Ele, nos considera como Ele mesmo, e cuida de nós como cuida de Si mesmo. “Porque somos membros do seu corpo, da sua carne e dos seus ossos”. Nenhum homem em sã consciência irá ferir a sua própria carne. “Porque ninguém jamais odiou a própria carne, senão que a nutre e sustenta, como também Cristo faz com a igreja.” Assim, Cristo cuida do seu povo, porque o considera vinculado a Si mesmo por esses laços que o fazem ser como Ele mesmo. Assim somos sustentados como a menina dos seus olhos.
Lembrem-se que em cada família a esposa é a mãe dos filhos, e assim é a igreja de Cristo. Ele quer que todos nós geremos uma semente espiritual santa. Se permanecermos nEle, nós poderemos espalhar a nossa fé, e trazer outros para a igreja. Cada crente deve ter este propósito diante dele como a alegria de sua vida; pois assim Cristo “verá a sua posteridade, prolongará os seus dias, e a vontade de Jeová prosperará na sua mão.”
A esposa, também, é quem cuida da casa. Ela cuida dos assuntos domésticos de seu marido. E assim o Senhor Jesus Cristo quer que seu povo cuide de Seus interesses, e de tudo o que Lhe pertence, porque Ele nos tem dado essas coisas, como o marido confia o seu tesouro para a esposa. Ele nos tem deixado como guardiões de tudo o que ele tem. Num certo sentido, somos os mordomos de Sua casa, mas em outro sentido mais íntimo estamos unidos a ele pelos laços matrimoniais que jamais podem ser dissolvidos. É um assunto muito doce, mas eu não posso demorar-me muito nele. Permitam que seus próprios pensamentos se tornem fragrantes com esse aroma. Independentemente de quão íntimo possa ser a união do marido e da esposa, a união entre o crente e Cristo é ainda mais íntima. Oh, que a compreendêssemos cada dia mais!
“Oh, Jesus! Sê para mim
Uma realidade viva e brilhante;
Mais presente para a ávida visão da fé,
Do que qualquer outro objeto externo visto.
Mais amado, mais intimamente próximo,
Que o mais doce laço terrenal!”
Todo o imaginário humano é incapaz de explicar a união entre Cristo e Seu povo; porém a comparação em nosso texto é agora a cabeça e os membros. O apóstolo diz de Cristo que “somos membros do seu corpo, seu sangue e ossos.” Cristo é a Cabeça e nós somos membros do seu corpo. Quão maravilhosa é essa união! Na primeira metáfora, a do fundamento e a pedra, tínhamos a ideia do apoio; na segunda, a da videira e os ramos, a ideia de vida;, a união entre marido e mulher nos deu a ideia de amor; e agora aqui temos a sugestão de identidade. Há duas vidas no marido e na mulher, mas há apenas uma vida para a cabeça e o corpo, e, neste sentido, esta metáfora revela a verdadeira relação de Cristo com o Seu povo, mais claramente do que qualquer outra.
Existe uma ligação maravilhosa entre a cabeça e os membros do corpo. É uma união de vida, e uma união do corpo que sempre continua. O marido pode ter que viajar para longe de sua esposa, mas isso nunca pode acontecer que a cabeça viaje longe do corpo. Se eu chegasse a ouvir de algum homem cuja cabeça foi cortada de seu corpo 300 milímetros, ou pelo menos meia polegada, eu diria que esse homem estava morto. Deve haver uma união perpétua entre a cabeça e os membros, caso contrário, ocorre a morte, e, fixem bem, a morte, não somente do corpo, mas da cabeça. Quando são divididos, morrem. Quão glorioso é este pensamento quando aplicado ao Senhor e Seu povo redimido! Sua união é para sempre. Eles morreriam se fossem separados dEle, mas Ele deixaria de ser, se perdesse seus membros, porque, de alguma forma ou outra, estão tão unidos, que Ele não estará sem eles; não pode ficar sem eles, porque isso significaria que a Cabeça da igreja foi separada dos membros do Seu corpo místico. É por isso que cantamos:
“E isso eu descubro, nós dois estamos tão unidos,
Que Ele não estaria na glória, deixando-me para trás.”
II. Tendo lhes mostrado desta maneira estes quatro símiles (e há outros, mas eu não tenho tempo para falar sobre eles), agora chego ao que está diante de nós no texto, e assinalo que a metáfora está cheia de significado: “Somos membros do seu corpo, de sua carne e de seus ossos.” Há sete pontos sobre os quais gostaria de chamar a sua atenção.
Há aqui união de vida, união de relacionamento e união de serviço. Vejam o que quero dizer. A mão nunca estuda o que ela pode fazer pela cabeça; mas quando a cabeça deseja que a mão seja levantada, a mão é levantada imediatamente; e quando a cabeça deseja que a mão baixe, ela baixa instantaneamente. Não há deliberação ou discussão sobre isso. Em um corpo saudável, a cabeça e os membros são praticamente um. Se você estivesse doente, poderia ser diferente. Às vezes eu tenho visto, numa pessoa semiparalisada, que a perna se agita sem seguir a instrução da cabeça; tenho visto uma mão tremer sem a vontade da cabeça; e às vezes (quão frequentemente tem sucedido comigo), a cabeça tem desejado que a mão passe as páginas de um livro, e a mão não tem sido capaz de fazê-lo.
Quando a enfermidade se apodera do sistema, imediatamente os membros desobedecem a cabeça; mas num corpo saudável, basta que cabeça queira algo e a mão logo o realiza. Acaso não notaram alguma vez ao caírem, como, sem pensar, suas mãos tentaram proteger a cabeça? Se alguém estivesse prestes a atingi-los, não ficariam deliberando; seu braço subiria imediatamente para proteger a cabeça. Esta lei se aplica também na vida espiritual. Todos os verdadeiros cristãos farão de tudo para salvar a sua Cabeça. Ele nos salvou, e agora é o nosso desejo salvá-lo.
Não podemos suportar que Ele seja insultado, que Seu evangelho seja desprezado, ou feita alguma coisa contra sua dignidade sagrada. Somos de tal maneira um com nossa gloriosa Cabeça, que no momento em que alguém queira golpeá-lo, a nossa mão é levantada imediatamente em sua defesa. Oh, eu confio que você sabe o que isso significa. Se alguma vez tiverem que passar pela pena de ouvir que o Evangelho de Cristo é pregado falsamente, ou de ver os cristãos professantes que trazem desonra a Seu amado nome, sentem imediatamente que prefeririam suportar qualquer dor ou reprovação, antes do que ver Cristo injuriado. A mão é de tal maneira uma com a cabeça, que se esforça por resguardá-la.
Entre a cabeça e os membros há também uma união de sentimento. Se a cabeça dói, vocês sentem essa dor em todos as partes – estão completamente enfermos. E se o seu dedo dói, a cabeça se sente mal. Há tal coordenação entre todas as partes do corpo que “se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele, e se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele. Vós sois portanto, corpo de Cristo, e membros uns dos outros.” Cristo é a nossa Cabeça, e a Cabeça sofre especialmente pelos membros. Não tenho certeza de que é sempre tão claro que uma das mãos, sofra pela outra mão, como é muito claro que a cabeça sofre por causa de qualquer das mãos. Assim sucede com a igreja. Nem sempre pode estar claro que todos os membros se sentem em afinidade uns com os outros, mas sempre é muito claro que Cristo se identifica com cada um dos membros do Seu povo. De alguma forma, há uma conexão mais rápida da cabeça com a mão, do que a de uma mão em relação à outra. E há uma afinidade mais profunda entre Cristo e Seu povo, do que a que normalmente há entre um e outro de Seus servos. Está escrito no que diz respeito ao seu povo que “Em toda a angústia deles Ele foi angustiado.” Em todas as tuas aflições, filho de Deus, a tua Cabeça celestial sente dor!
Há também uma união de necessidade mútua entre os membros e a cabeça. A cabeça precisa do corpo. Agora, tenho que falar com cuidado quando relaciono o pensamento com Cristo, porém ainda assim é verdade. O que seria da minha cabeça sem o meu corpo? Seria um espetáculo terrível. E Cristo sem o seu povo estaria incompleto. Um Cristo que morre sem redimir a ninguém! Um Cristo vivo, sem ninguém para viver por Sua vida, seria um fracasso horrível! Cristo no Calvário, e as almas afundando no inferno, sem que ninguém seja salvo por seu precioso sangue! Cristo encarnado na cruz, sem que ninguém seja salvo por Sua encarnação e Sua morte! Seria uma visão horrível. Diz-se que a igreja é a plenitude de Cristo: “a igreja, que é o Seu corpo, a plenitude daquele que enche todas as coisas.” Esta é uma expressão maravilhosa. Agora, a plenitude da cabeça é o corpo; retire o corpo da cabeça, e o que resta? Quanto ao corpo, o que poderia ser sem a cabeça? Se você perdesse a cabeça, não teria nenhuma velocidade de pé, nem de mão, nem força de coração. Não; nada sobra para cabeça se é separada do corpo; e nada sobra para o corpo se é separado da cabeça. Há entre eles uma união de necessidade mútua.
Além disso, entre a cabeça e os membros há uma união de natureza. Não intentarei descrever a composição química da carne humana; mas é bastante claro que minha cabeça é feita da mesma carne que os meus membros. Não existe diferença entre a carne de um e a carne de outros. Assim, embora a nossa Cabeça da aliança esteja agora no céu, e os seus pés na terra, Cristo é tanto um por natureza com o Seu povo, que é homem verdadeiro de homem verdadeiro, e também Deus verdadeiro, de Deus verdadeiro. Se você negar sua humanidade, não creio que mantenha por muito tempo Sua divindade. E se negar sua Deidade, tem destruído tristemente a perfeição de Sua humanidade; pois não poderia ser um homem perfeito, se fizesse os homens crerem que era Deus, quando não o era. Para nós, Ele é o Deus-Homem em uma pessoa, a quem amamos e adoramos; Sua natureza é a mesma que a nossa, e estamos unidos a Ele para sempre.
“Senhor Jesus, nós somos um contigo?
Oh, altura! Ó profundidade do amor!
Contigo morremos no madeiro,
E em Ti vivemos acima “.
“Oh, ensina-nos, Senhor, para conhecer e reconhecer
Este mistério maravilhoso,
Que Tu conosco é verdadeiramente um
E nós somos um contigo!”
Entre Cristo e Seu povo há também uma união de posse. Nada que pertença à minha cabeça deixa de pertencer à minha mão. Qualquer coisa que minha cabeça reclame, como própria, minha mão pode também reivindicar como sua. Pobre pecador, qualquer coisa que pertença a Cristo pertence a ti! Cristo é rico, como poderias ser pobre? Seu Pai é teu Pai, e Seu céu é teu céu; és de tal maneira um com Ele, que todas as vastas possessões de sua riqueza te são dadas gratuitamente. Ele te outorga Seu tesouro, não somente, “até a metade do meu reino”, senão todo o reino. Unido a Ele, tudo o que Ele tem te pertence.
Entre o Senhor e Sua igreja há também uma união de condição presente. Cristo é amado pelo coração de Seu Pai. “Este é o meu Filho amado, em quem tenho prazer”, foi a palavra que veio do céu aberto a respeito de Cristo; e como se Deus se deleita em Cristo, também está satisfeito com vocês que estão em Cristo. Sim, Ele tem tanto contentamento em vocês, como tem em Cristo; porque vê a vocês em Cristo, e a Cristo em vocês. Deus não estabelece divisões entre vocês e Cristo, a quem uniu a vocês. “Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem.” Certamente Deus nunca irá separar o que Ele uniu em Cristo.
Nem sequer em seus pensamentos se separem vocês de Cristo, por suporem que não são tão amados por Deus da maneira que o é a Cabeça do pacto.
Finalmente, há uma união de destino futuro. Qualquer coisa que seja de Cristo, vocês serão participantes de todas elas. Como podem morrer se Cristo vive? Como pode morrer o corpo se a cabeça vive? Se cruzarmos as águas, elas não podem nos cobrir enquanto não cobrirem a cabeça. Enquanto a cabeça de um homem está acima da água, ele não pode se afogar. E Cristo lá em cima na eternidade da glória, nunca pode ser vencido; nem tampouco poderá ser vencido quem é um com ele. Para sempre, a menos que Cristo morra, a menos que expire o Filho imortal de Deus, vocês que estão unidos a Ele no propósito de Deus e na fé com a qual agora se apegam a Ele, viverão e reinarão. “Porque eu vivo, vós também vivereis.” Acaso não é isso um descanso para todo o temor de destruição? Vocês são tão um com Ele que, quando o sol se tornar num carvão queimado, e a lua se tornar um coágulo de sangue, quando as estrelas caírem como folhas de outono, e os céus e a terra derreterem, voltando a ser nada desde onde a Onipotência os tiver chamado, vocês viverão, porque Quem é a sua Cabeça viverá. “Cremos que também viveremos com ele; sabendo que, havendo Cristo ressuscitado dentre os mortos, já não morre mais, a morte não tem mais domínio sobre ele.” Onde ele for, nós o seguiremos.
Ouvi dizer que quando um ladrão consegue colocar a cabeça entre as barras da janela, o seu corpo pode facilmente entrar. Eu não tenho tanta certeza, mas eu sei que ali onde meu Senhor passou, os membros devem certamente passar. “Eu sou o que vive, e estive morto; mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos”, é uma palavra que tem a intenção de confortá-los. Guardem-na com vocês. “Somos membros do seu corpo, da sua carne e dos seus ossos”, e nós cantamos com Doddridge:
“Desde que Cristo e nós somos um,
Por que deveríamos duvidar ou temer?
Se no céu Ele tem estabelecido o seu trono ,
Ali também estabelecerá Seus membros.”
III. Finalmente, e muito brevemente, esta doutrina tem suas lições práticas, que vou tentar explicar de forma simples, de tal forma que aqueles que são membros de Cristo possam trazer mais alegria e glória à nossa Cabeça do que temos feito até agora.
Para começar, eu diria que, se somos verdadeiramente um com Cristo, não devemos ter qualquer dúvida sobre isso. Costumava ser uma moda, e eu temo que em alguns lugares ainda é, pensar que desconfiar de nossa própria condição e duvidar quanto ao que se refere à nossa salvação, é uma espécie de virtude. Eu conheci pessoas boas que não se atreviam a dizer que eles foram salvos, eles “esperavam” ser, e eu conheci outras pessoas que não tinham certeza de terem sido lavadas no sangue precioso de Cristo, eles “confiavam” que o eram. Esse estado mental não é um crédito nem para Cristo ou para nós mesmos.
Se eu contasse ao meu filho uma coisa, e ele me dissesse: “Pai, eu espero que você mantenha sua palavra”, não sentiria que ele estivesse me tratando como deveria. Certamente, crer em Cristo sem reservas é a forma de honrá-lo. Se somos um com Ele, perderíamos o consolo do fato de não sabermos com certeza sobre a nossa união abençoada; (perderíamos muito da confiança que nos viria do fato, se não apreendêssemos claramente a realidade), e nos subtrairíamos muito da alegria que traz, e saberíamos pouco sobre o significado dessa palavra: “a alegria do Senhor é a vossa força”, se não cremos de modo simples como crianças.
Esta é uma época de dúvida; mas, no que a mim concerne, não duvidarei; eu já duvidei o suficiente, e mais do que suficiente; acabei com minhas dúvidas há muito tempo; posso dizer com Paulo: “Eu sei em quem tenho crido, e eu tenho certeza que é capaz de guardar o meu depósito até aquele dia.” A salvação é pela fé. A condenação vem pela dúvida. A dúvida é a morte de todo o consolo, a destruição de toda a força, o inimigo de Deus e do homem.
Se somos um com Cristo, deveríamos percorrer o mundo como príncipes; deveríamos ser como Abraão entre os seus companheiros, que não reclamou nenhum principado, nem tomou qualquer coroa, mas ainda assim ele poderia dizer ao rei de Sodoma o que ele tinha prometido solenemente ao Senhor, “que desde um fio, nem uma correia de sandália, nada tomarei de tudo o que é teu, para que não digas: Eu enriqueci a Abrão”. Se você é um com Cristo, trate o mundo dessa forma. Oh, mundo, você não pode me abençoar! Deus tem me abençoado. Você não pode me amaldiçoar! Deus me abençoou. Você ri? Ria se isso faz você se sentir bem. Acaso me olhas com a face enraivecida? O que me importa? Se Deus tem sorrido para mim, você pode me desprezar. Se eu sou um com Cristo, eu espero que você me tenha em muito pouca conta, pois você desprezou a minha Cabeça. Acaso o corpo de Cristo deve esperar um tratamento melhor do que o que recebeu a Cabeça?
Se somos um com Cristo lembraremos que desonramos a nós mesmos por nos envolver com essa desonra a nosso Senhor. Se eu desonrar qualquer parte do meu corpo, minha cabeça se sente envergonhada por isso; e uma vez que somos membros de Cristo, devemos ter muito cuidado como nos comportamos, de modo que não lhe causemos qualquer dor. Os homens julgarão Cristo pelo Seu povo. Se eu vejo um par de pernas que andam cambaleando ao longo da rua, estaria inclinado a dizer que elas pertencem a uma cabeça embriagada. Se a nossa caminhada entre os homens não é “como digna do evangelho”, que pensamentos tão duros sobre o nosso Salvador, terão os que nos rodeiam! Claro que sabemos que toda concepção errada sobre Ele é falsa, pois Ele é formoso e não há nele qualquer mancha; mas mesmo assim, seu nome e sua causa sofrerão desonra. Portanto, não nos causemos danos a nós nem nos contaminemos a nós mesmos, para não trazer reprovação a Quem amamos!
Em continuação, se somos um com Ele, deve ser muito natural que pensássemos nEle. Passamos com ele mais tempo do que com que com qualquer outra pessoa. Mais do que com cônjuge, filhos, com nossos queridos companheiros da igreja ou do mundo. E o conhecemos melhor do que conhecemos a qualquer outra pessoa. Embora seja pouco o que sabemos dele, comparado com o que esperamos conhecer, contudo Seu amor se tem tornado para nós o fato mais brilhante e visível em toda nossa história. Conhecemos muito poucas coisas; porém sabemos que somos um com Cristo numa união que nunca será quebrada. Também o conhecemos por nossa comunhão com Ele. O vimos nesta manhã; o temos visto durante o dia; o veremos novamente esta noite. Não me agradaria ir para a cama com nenhum outro pensamento na minha mente além deste :
“Aspergido novamente com o sangue que perdoa,
Eu me ponho a descansar,
Como abraçado por meu Deus,
Ou sobre o peito do meu Salvador.”
Se somos um com Ele, viver com Ele deve ser a coisa mais natural em nossas vidas. No entanto, acaso não tenho ouvido de algumas pessoas que professam ser cristãs, que não têm tido comunhão com Cristo por muitos dias? Uma vez eu conversei com um irmão que falou muito sobre muitas coisas; e quando ele se queixou disto e daquilo, me dirigi a ele, e lhe perguntei: “Irmão, quando foi a última vez que você teve íntima comunhão com Cristo?” Ele respondeu: “Oh, você me pegou fora da balança!” Quando lhe perguntei, “o que você quer dizer com isso?” respondeu: “Eu temo que eu não tenho tido qualquer comunhão com Cristo por meses.” Eu suspeitava que era assim, porque senão a conversa não teria sido como foi.
Que coisa mais triste para uma esposa que deve viver com o marido em casa, sem poder lhe falar por muitas semanas! Mas quão pior é que nós, que professamos ser um com Cristo, não termos nenhuma comunicação com ele por longos meses! Isto é algo perfeitamente horrível. Deus nos livre de tal coisa! Pensemos continuamente em nosso Senhor, e vivamos sempre com Ele, porque somos um com Ele!
Ademais, sendo um com Cristo, servir-lhe deve ser muito natural. Certamente que existimos apenas para cumprir a Sua vontade, e para glorificar Seu nome. Para que servem as minhas mãos e os pés, a não ser para serem levados a se moverem pela minha cabeça? Seriam estorvos a menos que eles estejam prontos para obedecer o comando da minha mente. Mas temo que há muitos de nós que são de pouco serviço ao nosso Senhor. Nós ouvimos a Sua Palavra, mas não a obedecemos; Ele procura obreiros, e não respondemos correndo ao Seu chamado! Vamos, vamos, isto não irá funcionar. Somos membros de Cristo, e o único propósito de nossa vida deve ser o de servir a nossa Cabeça. Deus nos ajude a fazê-lo!
Eu vou concluir. Lhes deixarei fazer todas as inferências que brotam naturalmente de nossa união com Cristo. Nosso céu consiste em nossa união com Ele. Ah, e às vezes, quando nos damos conta de nossa união com Cristo, dificilmente podemos pensar que seremos mais felizes no céu do que somos agora! Que todos vocês participem desta alegria! Oh, vocês pensarão que estávamos delirando, se lhes disséssemos o indizível deleite e a bênção sem medida que a comunhão com Cristo tem trazido às nossas almas. Desejo que todos vocês conheçam o mesmo êxtase. Não desfruto de nada sem desejar que todo mundo desfrute do mesmo; portanto, quando chego ao ponto de ser um com Cristo, o deleite que isto traz, oro para que todos vocês o conheçam também! Mas, infelizmente, vocês não o conhecem, alguns de vocês nem querem conhecê-lo. Eu tenho falado algo parecido ao holandês para alguns de vocês no dia de hoje; não têm compreendido nada da minha linguagem. Que o simples fato de que não o tenham entendido, ou que não lhes tenha preocupado para nada, lhes leve a suspeitar que há uma alegria que é desconhecida para vocês, e uma vida que não têm encontrado; e quando souberem que é assim, “Buscai o Senhor enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto.” Se você buscá-Lo de todo o coração, você certamente vai encontrá-lo, e em breve também será conduzido a uma “viva, amorosa e duradoura união” com Cristo.
Lembre-se que o mais leve toque de fé é suficiente para salvar a alma. Aquela pobre mulher que veio por detrás de Cristo no meio da multidão, somente tocou na orla de Suas vestes, e contudo este tímido toque lhe trouxe salvação e saúde. Porém saiu dEle para ela, e foi salva de sua enfermidade. Se você somente pudesse tocar o Senhor com o dedo de sua fé, ah, mesmo se fosse com seu dedo mindinho, você seria abençoado; apesar de sua mão estar tremendo com a paralisia da incredulidade, se você tem fé suficiente para tocá-lo, para entrar em contato com ele, terá posto em funcionamento toda a maquinaria da salvação.
Que Deus lhe dê fé para encontrar a vida eterna agora mesmo! Por que não? Se o meu querido amigo estivesse aqui agora, de quem estes panos de luto são um memorial, ele me diria, “oh, diga-lhes para provarem e ver que o Senhor é bom; bem-aventurados são aqueles que confiam nEle!” Vocês sabem quanto William Olney amava esta estrofe que cantamos ontem:
“Oh, basta fazer uma prova do Seu amor;
A experiência comprovará
Bem-aventurados são aqueles, e somente aqueles ,
Que confiam em Sua verdade!”
Que Deus abençoe a todos, por meio de Cristo, nosso Senhor! Amém.
Texto de Charles Haddon Spurgeon, traduzido e adaptado pelo Pr Silvio Dutra.