Quando em Lc 2.10, o anjo anunciou aos pastores: “eis aqui vos trago boa nova de grande alegria, que o será para todo o povo; é que hoje vos nasceu na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo o Senhor.”, ficam em destaque pelo menos duas grandes verdades:
1 – A vinda de Jesus, o Senhor, ao mundo como Salvador é uma boa nova de grande alegria. E boa nova, boa notícia, é o significado literal da palavra evangelho no grego. Uma boa notícia é algo que traz alegria, como destacado pelo anjo em sua anunciação; e no caso, não se trata de uma alegria qualquer que está associada ao evangelho (boa nova), mas uma “grande alegria”.
O fato de aqueles que não creem no evangelho, serem condenados eternamente no inferno, não é a boa nova do evangelho que é de grande alegria, mas a triste verdade de que qualquer pessoa, sem Cristo, está morta em seus pecados por causa do pecado original de Adão. E a grande alegria do evangelho é exatamente esta boa notícia de que em Cristo há salvação desta condição de morte espiritual por causa do pecado de Adão. Assim, a condenação eterna faz parte da verdade da Palavra de Deus quanto ao homem no seu estado pecaminoso, mas não do evangelho, no seu caráter de boa nova relativa ao livramento da referida condição.
2 – A segunda grande verdade na anunciação do anjo, é que esta boa nova é para todo o povo, isto é, não que todos serão salvos, mas que a salvação em Cristo está sendo oferecida por Deus a todas as pessoas. O evangelho é para ser anunciado a todos e não para alguns. Todo aquele que se arrepender dos seus pecados e crer em Cristo será salvo por dar crédito a esta boa nova e recepcioná-la em seu coração como verdade, pedindo a Cristo simplesmente pela fé nEle, que o perdoe dos seus pecados e o salve da condenação eterna.
A condenação eterna é portanto consequente da rejeição desta boa nova, que é a única forma do pecador se livrar da perdição eterna e se tornar filho de Deus.
O evangelho deve ser pregado portanto com o foco na missão de Cristo, consoante com este evangelho, que é a de salvar e não de condenar o mundo. O pecado, as consequências do pecado devem também ser pregadas não como parte do evangelho, mas como alerta quanto ao que sucederá àqueles que rejeitarem a salvação que está disponível a todos em Cristo Jesus.
É por isso que, quanto a este aspecto do dever de se pregar o evangelho a todos, isto é, de lhes tornar conhecida a verdade que Cristo veio ao mundo para salvar os perdidos, e que ele salvará de fato a todo e qualquer pecador que se arrependa e creia nEle, é que erram os que são conhecidos por hipercalvinistas, na sua tentativa de fazer com que todas as verdades do evangelho se enquadrem, segundo eles, com o desejo de Deus de salvar somente os eleitos, e não a todos os homens, contrariando o ensino claro da Bíblia de se anunciar o evangelho a toda criatura debaixo do céu, e quanto ao desejo de Deus de que todos se salvem (Rom 9.22-24; I Tim 2.4; II Pe 3.9) pois que de fato é esta a Sua vontade que não tem prazer na morte do ímpio, antes que ele se converta e viva (Ez 18.23), pois que antes de tudo, Deus é em Sua própria essência, amor, bondade, benignidade, misericórdia, e prova isto através da morte de Jesus na cruz, e o perdão eterno que é oferecido gratuita e livremente pela simples fé no Seu nome, mesmo ao pior dos pecadores.
Os chamados hipercalvinistas afirmam que é inútil pregar o evangelho aos que estão mortos, contrariando a promessa e o poder de Deus que afirma que dá vida aos que estão mortos. Os mortos quando ouvem a voz de Cristo tornam a viver.
Há pastores que dizem que se deve somente falar do estado de miséria do pecador, e advertir-lhe, porém não deve ser convidado a vir a Cristo. A estes pastores podemos dizer que terão que passar pelo outro lado, como o sacerdote da parábola do bom samaritano, porque não têm de fato boas novas para o pobre infeliz pecador.
O hipercalvinismo, que retira de nós a obrigação de pregar o evangelho, por crer que Deus fará sozinho a obra de salvação dos eleitos, reduz as igrejas à inatividade ou as leva à paralisia completa. Eles dizem: “Deus tem um propósito que se cumprirá sem dúvida alguma, portanto, não nos moveremos nem um palmo. Todo poder está nas mãos de Cristo, portanto estaremos calados e quietos.”. Porém o que Cristo afirma é que “Todo o poder me é dado nos céus e na terra, ide portanto e fazei discípulos de todas as nações.”. Em outras palavras: Movam-se, façam algo, preguem o evangelho a todos em todas as nações, para levar a minha salvação aos perdidos.
Afinal, quando Jesus derramou o sangue precioso da Nova Aliança, revelada a Abraão, não foi para comprar umas poucas centenas de almas, ou para redimir um punhado de pessoas, mas derramou o seu sangue por uma multidão que não se pode contar, e que é mais numerosa do que as areias do mar.
E esta mensagem de que Cristo salva tão somente por olharem para Ele (Is 45.22) os pecadores com os olhos da fé, crendo em seus corações que Ele é o Salvador e Senhor, pedindo-lhe para que os aceite, isto é para serem salvos, é a mensagem do evangelho que deve ser pregada. A mensagem do evangelho é a única rede com que podemos ser pescadores de homens. É com esta rede que apanhamos os peixes para Deus. Mas se esta mensagem não for pregada com o poder do Espírito Santo (I Tes 1.5; I Cor 2.4; 4.20) e acompanhada pelo trabalho do Espírito Santo nos corações dos que a ouvem, os peixes não serão atraídos para dentro da rede. Poderemos trabalhar a noite inteira e não capturaremos nada. Nenhum peixe. Porque é o Espírito Santo que dirige e atrai os peixes para dentro da rede que lançamos.
E estas verdades estão colocadas de modo bastante claro na epístola de Paulo aos Romanos.
Quando lemos o texto de Romanos 5.15-21, em conexão com I Cor 15.21,22, a conclusão a que chegamos, pode ser traduzida nas seguintes palavras:
Eu não estava lá quando Adão pecou e recebeu a sentença de morte eterna, mas Deus considerou como que se eu estivesse lá e eu morri em Adão, mas eu também não estava lá no Calvário quando Cristo morreu e ressuscitou, mas Deus também, pela fé nEle, considerou como que se eu estivesse na cruz, e a morte e a ressurreição de Cristo foi também a minha morte e ressurreição, para livramento da condenação e para ter vida eterna.
Graças a Deus pelo seu plano de salvação, pois sem que eu nada fizesse herdei de Adão o dom do pecado e da morte, mas também sem nada fazer, recebi pela graça, mediante a fé, como co-herdeiro com Cristo, o dom da santidade, da vida, da justiça.
E realmente é maravilhosa a graça de Jesus que o levou a experimentar o sofrimento, a injúria, a morte, por amor de mim pecador. Não foi por nenhum pecado nEle mesmo que Ele sofreu e morreu, mas por ter escolhido livremente se identificar com os pecadores, experimentando a morte no lugar deles, a morte que eles mereciam, a morte que era deles, para que pudessem ter a dívida dos seus pecados perdoada, e pudessem participar da Sua própria vida.
Assim, há pecado no desobediente Adão, mas há justiça no obediente Cristo. Em Adão há condenação e morte, mas em Cristo há salvação e vida. Há morte no mundo, por causa de Adão, mas também há opção de vida em Cristo Jesus. Há juízo para condenação no mundo, por causa de Adão, mas também há graça e livramento da condenação, em Cristo. E há muito mais suficiência de graça, por ser eterna e rica porque procede de Deus, do que há pecado, porque procede do homem e está limitado ao tempo, e está destinado a ser inteiramente destruído por Deus. Por isso se diz que onde abundou o pecado, superabundou a graça.
Se recebemos o pecado como um dom de Adão, temos recebido também como um dom de Cristo a Sua justiça, para que não sejamos mais servos do pecado, mas servos da justiça.
Cristo libertou de fato o cristão da escravidão do pecado pela sua fé nEle. E crer nEle para a salvação é crer que a temos por causa da Sua morte e ressurreição no nosso lugar. Ele morreu por nós para que pudéssemos morrer para o pecado e para a condenação da lei. E Ele ressuscitou dos mortos para que possamos também ressuscitar dentre os mortos. Pela fé somos unidos a Ele tanto no que se refere à Sua morte, quanto à Sua ressurreição e vida. Fomos livrados do pecado para que pudéssemos ser feitos servos de Deus, da justiça de Deus.
Romanos 6.17,20 ensina claramente que o cristão já não é mais escravo do pecado, consoante o ensino de Jesus sobre esta verdade em João 8.34-36.
Em razão da libertação da escravidão do pecado para sempre; o cristão foi feito também simultaneamente, servo da justiça para sempre, conforme se afirma em Romanos 6.18. É por isso que agora, tendo sido feito um servo da justiça, que o cristão se preocupa permanentemente sobre o modo de vida que agrada a Deus. Eles sentem as dores e as consequências da quebra da comunhão com Deus quando pecam, porque já não são mais escravos do pecado, e sim da justiça. É por isso que são convocados a servirem agora o seu novo senhor chamado justiça (Romanos 6.19).
O pecado não tem realmente mais domínio absoluto sobre a vida do cristão porque ele foi libertado da escravidão ao pecado por Cristo. O cristão não precisa necessariamente ficar sujeito aos comandos do pecado que opera na sua carne ordenando-lhe que desobedeça aos mandamentos de Deus, que se rebele, que minta, furte, cobice, adultere, odeie, não ore, não ame, que se deprima, que fique ressentido, ansioso etc, porque o pecado já não é mais o seu senhor, como era antes de ter sido libertado dele por Cristo. Pois que morreu também para o pecado quando morreu juntamente com Cristo. E pela Sua graça é impelido agora a praticar a justiça do Reino. A justiça de Cristo que lhe ordena que ore, confie, espere, obedeça, suporte, seja sincero, verdadeiro, honesto, fiel, que ame, seja manso, tenha domínio próprio, descanse em Deus, não fique turbado, ansioso, magoado, ressentido, antes que perdoe, assim como Deus o perdoou em Cristo.
O cristão foi livrado portanto de um cativeiro, para outro cativeiro. Do cativeiro do pecado, para o cativeiro da justiça. E ser servo da justiça é ser verdadeiramente livre. Porque é nesta condição que pode agora, e poderá perfeitamente no porvir, fazer toda a vontade de Deus. E fazer esta vontade é ter o poder para fazer somente aquilo que é bom e aprovado. É nisto que consiste a verdadeira liberdade. A de ser e fazer aquilo que foi planejado por Deus para que sejamos e façamos. Isto é, ser homem, ser filho de Deus, na verdadeira acepção da palavra. Cristo conquistou esta liberdade para os filhos de Adão caídos e cativos no pecado, pela identificação deles, pela fé, com a Sua morte, ressurreição e vida. Libertados agora do pecado, são verdadeiramente livres para poderem fazer a vontade de Deus.
Daí se dizer em Romanos 6.14 que: “o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e, sim, da graça.”.