Eu já tive vontade de rasgar a Bíblia. Isso aconteceu quando, no inicio da minha caminhada, ao lê-la, não entendia quase nada, para não dizer realmente nada. Não que eu a entenda plenamente hoje, porque isso é impossível, levando-se em consideração os assuntos que ela aborda, as diferentes culturas sob as quais ela foi escrita, diversos estilos literários e, principalmente, porque a mente do Autor é insondável. No entanto, é fato que não o podemos conhecer senão pelo que ele nos deixou registrado em Seu livro. Não há outra fonte.
Apesar de todos os recursos que temos disponíveis para melhor entendê-la, como bons livros de hermenêutica, exegese, comentários de homens que se tornaram referência para aqueles que seriamente estudam a Bíblia, seja do Novo Testamento ou Velho, sobre os Profetas, sobre os Salmos, escatologia e em tantos outros assuntos dispostos ao longo da Escritura, ainda precisamos primordialmente da ajuda do Espírito Santo, que é quem, de fato, nos leva à compreensão dos assuntos de Deus. Não passa pelo crivo bíblico um estudo que o desconsidera como o responsável máximo em levar-nos a entender as verdades nela contidas.
Orare Et Laburare
Entretanto, precisamos nos valer também dos conhecimentos e de descobertas obtidas ao longo de séculos de dedicação e estudo. Eles são de muito valor para nossa época, tão distinta em costumes e valores e tão afetada pelo estilo de vida individualista e crente no relativismo da verdade. Temos importantes conhecimentos a nosso serviço na área de lingüística, geografia bíblica, hermenêutica e exegese, por exemplo. Um bom estudo da Bíblia é o que considera a preciosa ajuda do Espírito Santo sem descartar o trabalho de homens de Deus.
Sendo assim, fico com a declaração de Calvino Orare Et Laburate para justificar que o entendimento da Bíblia carece de oração, porque seus assuntos são espirituais, e a necessidade do estudo do texto e de seu contexto como precioso complemento, porque a Bíblia foi escrita por homens de diferentes tempos, por línguas que não são as nossas.
Mesmo observando esses pontos, nos esbarraremos em assuntos difíceis e até de ausência de respostas ou uma explicação plausível sobre uma dada dificuldade em compreender a Bíblia. A causa principal, e não podemos nos esquecer, é a nossa condição de pecadores, que por si só, nos impede de ter uma compreensão completa dela, haja vista que nossa mente ainda sofre as conseqüências do pecado. Isso não significa, no entanto, que não há essas respostas. Elas só não nos são conhecidas.
A questão da Trindade; da humanidade e divindade de Jesus; de como será a Sua segunda vinda, se será antes, durante ou depois do milênio; a predestinação e o livre-arbítrio, ambos citados na Bíblia; as afirmações da Bíblia e as recentes descobertas científicas sobre a vida e seu surgimento. Esses e mais outros se constituem-se pontos de difícil compreensão até para o leitor mais atento e principalmente para o desatento, que pode ser facilmente envolvido pelos argumentos contrários à cosmovisão bíblica. Daí, a necessidade de um comprometimento real com a Palavra, de maneira a entendê-la corretamente. Sobre os ataques à Bíblia por algumas correntes, pondo em dúvidas suas afirmações, digo a você que estamos muito bem servidos de estudiosos e apologistas e recomendo que leia-os para aumentar tua visão e te ajudar em dúvidas que possam surgir.
Contudo, essas dúvidas iniciais podem ser de grande valia. Como já disse alguém, grandes dúvidas nos levam a grandes respostas; e foi justamente isso que me aconteceu. Dúvidas que me atormentavam de inicio, me levaram a descobertas arrebatadoras, principalmente no que diz respeito à Glória, Soberania e o caráter de Deus, além de seu propósito eterno de chamar à salvação aqueles que ele determinou de antemão. Hoje não tenho mais aquela vontade, apesar de muitas questões ainda não estarem claras para mim, mas um maravilhoso desejo de conhecer e me aprofundar em conhecer tão preciosas verdades.
Finalmente pude entender o que Deus quis com a Bíblia, porque inspirou homens a registrar tantos acontecimentos, conflitos, ensinamentos e fazer dela a única maneira de O conhecermos e ouvir sua voz. Aprendi, portanto, que o ganho é duplo: à medida que prossigo em conhecer a Bíblia, conheço Deus e me dou conta de quão débil é meu entendimento e quão grande Ele é; além disso, conheço a mim mesmo e como sou conhecido.
O exemplo de Davi
Sabendo da nossa responsabilidade de considerar ferramentas em nosso auxílio sem que as dúvidas sejam plenamente sanadas, qual deve ser nossa postura constante perante a Palavra de Deus? Eu abraço a postura de Davi, quando este se deu conta da grandeza da revelação da pessoa e obra de Deus. Ela está registrada no Salmo 139.6:
“Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim; elevado é não o posso atingir.”
Penso que essa deve ser a postura de um sincero leitor da Bíblia. Essa humildade nos coloca no nosso lugar e impede-nos de cometer erros grosseiros. Por exemplo, ao atribuir à Bíblia uma afirmação que ela não fez, principalmente quando no assunto em questão ela oferece escassos detalhes. Para esses pontos, é sábio que nos calemos para não acrescentarmos ou retirarmos significado do texto e, assim, cair no erro crasso de pessoas que no passado – e no presente – inventaram heresias que ainda arrastam multidões ao erro.
Davi, nesse salmo, expressa com uma riqueza de detalhes pouco vista no Antigo Testamento toda a soberania, onisciência, onipresença e onipotência de Deus e, não obstante, declara sua incapacidade de compreender plenamente o que declara. Por constatação, penso, a admitiu. Quando não entendemos mais o que ela diz e se queremos não ultrapassar seus ensinos sobre, não nos resta alternativa a não ser acatá-la incondicionalmente.
Além disso, esse salmo ratifica junto com os outros livros dessa porção da Bíblia, que a visão que os escritores bíblicos e os demais judeus sempre tiveram é a de um Deus completamente no controle de todas as coisas, cuja vontade não pode ser frustrada ou mudada por homem algum. Pertence a Deus a vida do homem, como seus dias. E, mesmo sem um total entendimento sobre Deus, Davi não negou que Ele o era tão como havia dito, embora suas declarações não atinjam a real profundidade.
Portanto, é também um grande engano negar doutrinas claramente expostas na Bíblia apenas pelo fato de não a entendermos ou ela não satisfazer nossas necessidades intelectuais. Negar a doutrina da Predestinação, tão comentada em toda a Escritura, é um erro desses. Pior ainda é adaptá-la de forma a atender idéias de suposta liberdade ou capacidade humana em responder por si só à mensagem do Evangelho; possível e lamentável é a afirmação do desconhecimento da eficácia e do poder da Obra de Cristo e de que a ela devemos acrescentar nossas obras para que a salvação, efetivamente, seja possível.
Igualmente lamentável é negar a descida do Espírito Santo ou mesmo sua existência, só porque a Bíblia afirma também só existir um Deus, único digno de adoração. Este é o repetido erro de sacar um texto da Bíblia e, a partir dele, explicar tudo sobre o assunto; ou criar confusões desnecessárias em torno da divindade de Jesus quando a Bíblia afirma claramente também sua humanidade.
Há, sem dúvidas, conhecimentos elevados e maravilhosos demais para nossa compreensão. No entanto, todos eles são a verdade de Deus para uma vida com Ele, tal como ele planejou que, em breve, gozaremos em sua plenitude. O caráter de Deus e seus atributos são fielmente expostos somente na Bíblia, bem como a nossa natureza e necessidade de um Redentor. Não há necessidade de nova revelação sobre o que a Escritura nos diz sobre isso. A Palavra é imutável e o que precisamos é nos conformar a ela e não ela a nós.
Conclusão
Agora, deixo três dicas a você que, como eu, enfrentou e enfrenta dificuldades para entendê-la.
A primeira coisa a se fazer é ter a plena consciência da nossa completa necessidade do Espírito Santo para nosso auxílio, uma vez que por nós mesmos somos incapazes. Sem esse senso, será um grande desastre qualquer aproximação da Bíblia. E esse senso certamente te levará a uma vida com Ele em oração.
Em segundo lugar, seja persistente. A interpretação correta e saudável não cai do céu. Serão necessárias várias e repetidas leituras até que nosso entendimento seja iluminado. Não é difícil imaginar pouco fruto nesse aspecto para uma dedicação relapsa.
Em terceiro, use ferramentas disponíveis. Há ótima oferta de livros, comentários e estudos sobre todo o tipo de assunto que encontramos na Bíblia. O trabalho inicial é saber identificar quais são os fieis ou não ás Escrituras. Se tiver dúvidas, procure pessoas entendidas e busque nelas orientações quanto a autores e livros que desejar estudar.