“Deus se fez conhecido de tal forma que nós, todos nós, sabemos que somos suas criaturas…”
Apologética é a defesa da fé cristã; o termo “apologética” vem de uma palavra grega que significa “defesa”. Em meu último artigo, eu mencionei que a apologética têm se focado, talvez além da conta ou exclusivamente, em responder desafios com jargão filosófico. Essa ênfase tem duas consequências indesejadas. Ela levou à marginalização da apologética, como se o seu estudo fosse reservado apenas aos que são especificamente treinados; a apologética é o campo dos sabichões. E também levou a um excesso de intelectualismo, tal que o foco parece ser sempre a mente; tem pouco a ver com os assuntos do coração, com a pessoa como um todo. Dadas essas duas consequências, não é difícil ver por que a apologética tem tido tão pouca relevância para a igreja. Como o Monte Everest, pode ser admirada de longe, mas raramente é confrontada (fora pelos “especialistas”) e é sempre fria, tempestuosa e hostil.
Os desafios da fé cristã, entretanto, são muito mais diversos e variados, e muitas vezes mais sutis, que aqueles oferecidos pelos filósofos. Os desafios atuais ao Cristianismo certamente incluem os filosóficos, como o “novo ateísmo”, e eles precisam ser abordados. Mas, talvez ainda mais difíceis, por exemplo, por causa da imprecisão e da sutileza, sejam os desafios que vêm dos (como foram recentemente chamados) “apateístas”, que parecem dominar atualmente o ambiente cultural. Esse grupo é composto por aqueles que dizem não se importar em nada com religião; sua atitude básica para com a vida é “e daí?”. Seu herói é Alfred E. Newman (“Como assim, me preocupar?”). Por que se preocupar com essas coisas de significado, vida após a morte ou espiritualidade? A vida já não é difícil o suficiente à parte da dificuldade de crer em algo invisível e improvável? Por que eu deveria me importar com esse tipo de coisa?
Nós estaríamos enganando a nós mesmos se pensássemos que esse tipo de atitude (e isso foi só um exemplo) não é um desafio à fé cristã – talvez à nossa própria fé. E, sempre que já um desafio ao Cristianismo, a apologética precisa responder. Assim, claramente, montar acampamento no ar rarefeito da filosofia não vai resolver o problema da apologética; ela precisa ser capaz de responder aos desafios que vêm de todos os cantos, e responder de tal forma que esteja à altura do desafio e também ofereça a verdade do evangelho. E isso requer revelação bíblica. Assim, por que alguém iria pensar que se referia à verdade da revelação bíblica na apologética está “além dos limites”?
A primeira razão, aparentemente, é que se assume que só se pode debater ou argumentar com alguém baseado em ideias aceitas por ambos. Isso faz algum sentido, claro. Se eu decido que quero argumentar que a Lua é feita de queijo e minha razão para acreditar nisso é porque assisti no programa da Oprah Winfrey, você teria boas razões para duvidar tanto do conteúdo como da fonte do meu argumento. Você pode desistir da conversa porque simplesmente se recusar a aceitar como fato qualquer coisa que apareça no programa da Oprah.
Em discussões e debates sobre o Cristianismo e sua veracidade, entretanto, a situação é, de várias formas, única. Nós iremos discutir essa unicidade conforme prosseguimos, mas pelo menos um exemplo agora pode ser útil. Sempre que decidimos comunicar o evangelho para nossos amigos não crentes, a verdade que estamos comunicando, certamente, não é aceita por aqueles a quem estamos falando. Não apenas nisso, mas a fonte dessa verdade (a Escritura) é, por definição, rejeitada por eles também.
Em um sentido prático, isso não significa que devemos buscar comunicar essa verdade de uma forma que seja o mais incompreensível possível para nossos amigos. Também não significa que nosso objetivo é ser o mais ofensivo e confrontador possível. O evangelho já traz em si uma ofensa; ele já é aroma de morte para aqueles que estão perecendo (2 Coríntios 2.15), não há necessidade de adicionarmos mais três hectares de cebola. Parte da sabedoria do evangelho (Colossenses 4.5-6) é que devemos desejar não só falar a verdade, mas comunicar a verdade de uma forma que afete o ouvinte. Queremos que eles vejam não só que o evangelho é verdadeiro, o que de fato é, mas que é a única verdade que se aplica completamente à sua situação. Assim, devemos tentar ser persuasivos em nossa comunicação.
Mas continua sendo verdade que a nossa comunicação do evangelho ainda assim reconhece que não há terreno neutro de autoridade nem que o conteúdo que comunicamos é necessariamente compartilhado por aqueles a quem falamos. Então em que nos baseamos para comunicar essa verdade?
Essa é uma questão importantíssima, tanto para o evangelismo quanto para a apologética (e para a pregação também). Quando eu pergunto “com que base”, não estou simplesmente perguntando “sob que autoridade”. Nós comunicamos o evangelho porque Deus ordenou. Mas quando eu pergunto “baseado em que”, estou perguntando se há algum terreno comum em que nós e os amigos não crentes podemos pisar para, realmente e fielmente, nos comunicarmos. Se em nossa comunicação do evangelho nós não compartilhamos a mesma autoridade, a mesma fundação e o mesmo conteúdo, como iremos nos “conectar” com nossos interlocutores? A resposta é tão profunda quanto simples. É tão profunda que, de fato, no que diz respeito à apologética, tem sido completamente subestimada e ignorada. A resposta é que nós – todos os homens e toda a humanidade, sempre, em qualquer lugar, independente de nosso status ou posição – vivemos, nos movemos e existimos no Deus da Escritura, e todos nós sabemos disso. Essa é a nossa fundação, a verdadeira autoridade por trás de nossa apologética e de nosso evangelismo.
Quando comunicamos para alguém que ele pecou contra o Deus santo e, assim, lhe deve arrependimento, já que o que dizemos está de acordo com o que eles já sabem que é o caso, a verdade perfura sua alma como um raio; causa um abalo de magnitude 9 na escala Richter no seu interior. Talvez não sejamos capazes de perceber essa reação; provavelmente ela fique no interior. Mas como uma corrente de água mortal, enquanto a superfície permanece calma e pacífica, a parte inferior está agitada e furiosa. A verdade de Deus ecoa em todas as pessoas porque Deus é, sempre e em qualquer lugar, conhecido, assim como seus atributos (veja Romanos 1.18-20, 32; 2.14-15). Assim, o terreno neutro entre o cristão e o não-cristão não é, basicamente, o que concordamos em afirmar, nem é alguma fonte em comum, como “as conclusões da razão” ou “a lógica do pensamento” (apesar de, na superfície, parecerem ser a mesma coisa). O terreno comum a todos nós é que tudo que temos, somos e sabemos vem do mesmo Deus Trino, e nós sabemos disso.
Uma das coisas mais importantes para se ter em mente, assim, na apologética (e no evangelismo), é que Deus se fez conhecido de tal forma que nós, todos nós, sabemos que somos suas criaturas, que lhe devemos adoração, que o ofendemos, que nossa rebelião contra ele é uma ofensa capital e que nosso comportamento não é nada perante seu caráter santo.
Se isso é verdade, a forma como pensamos sobre a defesa cristã muda? Mais importante ainda, muda a forma como nos preparamos para darmos respostas (veja 1 Pedro 3.15)?
Traduzido por Filipe Schulz |
Fonte: iPródigo.com / Sepal