Através das epístolas – ou cartas – registradas na Bíblia, o apóstolo Paulo doutrinou as igrejas que ele ajudou a implantar em Roma, Corinto, Galácia, Tessalônica, Éfeso e em outros lugares. Foi através deste canal que ele doutrinou e exortou pessoas a darem os primeiros passos na fé. Paulo não foi o único que usou das cartas para doutrinar sobre questões teológicas. Pedro e Tiago também escreveram documentos exortando os crentes a serem praticantes da Palavra, e não somente ouvintes.
As cartas foram a maneira encontrada pelos apóstolos para que a unidade das igrejas que surgiam fosse mantida. Como não tinham como dar assistência às comunidades mais distantes devido às dificuldades de locomoção, os apóstolos enviavam cartas para as lideranças dando suas orientações. As igrejas eram assistidas em seus problemas e necessidades através deste meio. Os documentos traziam informações sobre a conduta dos fiéis, a qual deveria estar de acordo com os preceitos da fé em Cristo.
O grande personagem que surge nesse período é Saulo de Tarso, filho de pais judeus, fariseu. Ele vivia aos pés de Gamaliel, grande líder dos fariseus. Quando se converteu ao cristianismo, segundo os estudiosos, refugiou-se por três anos na Arábia a fim de estudar profundamente as Escrituras. Ao contrário dos tempos modernos, os textos bíblicos não eram fáceis de se conseguir. Apenas os sacerdotes tinham exemplares para oficializar as cerimônias.
Depois desse período de aprendizado, Saulo, que com a conversão passou a se chamar Paulo, começou a pregar o Evangelho nas cidades da Ásia. Em cada local por onde passava, implantava igrejas e instituía lideranças. Para continuar o discipulado, escreveu 13 das 21 epístolas do Novo Testamento, sempre focando numa linha mais doutrinária. Nem mesmo as várias prisões que sofreu o impediram de continuar a dar assistência às igrejas. No cárcere, ele escreveu cartas às igrejas em Éfeso, Filipos e Colossos, e ainda a Timóteo e Filemom.
Mas Paulo não foi o único. Pedro, Tiago, João e Judas também escreveram cartas. Apenas a epístola de Hebreus ainda não possui identificação de seu autor. O destino da carta também não é identificado. No entanto, as recomendações são as mesmas: faz advertências concretas à vida dos crentes, condenando a infidelidade, apostasia, desobediência e a recaída ao pecado. Como também animam os fiéis a manterem-se firmes na fé.
Dois mil anos depois, com os adventos da tecnologia, a internet tem sido uma grande aliada na edificação do Corpo de Cristo. Pastores e líderes estão escrevendo textos em sites, blogs, fóruns de discussão, videoconferências, motivando pessoas de diversas regiões do Brasil a pensar a fé e o cristianismo nos dias de hoje.
Ao contrário daquela época, quando apenas os sacerdotes tinham acesso às Escrituras, hoje é fácil ler uma Bíblia. Há modelos para todos os gostos e tipos de leitores. Mas, através da internet, um novo meio de conhecer a Bíblia foi sendo ampliado. Segundo um estudo do Interactive Advertising Bureau (IAB), até o fim do ano, os usuários de internet no Brasil devem chegar a 37 milhões. Muitos destes são evangélicos e utilizam a rede para buscar assessoria espiritual.
Diante desse novo cenário, inúmeras igrejas e pastores se utilizam do alto número de acessos para promover crescimento e qualidade de vida cristã. Um dos primeiros a enxergar na internet um grande espaço para discussão e evangelismo foi o pastor Ricardo Gondim. Há quase quatro anos ele mantém um site pessoal que reúne cartas, textos de aconselhamento, artigos e vídeos. O site do pastor da Assembléia de Deus Betesda, em São Paulo, tem feito sucesso e registra recordes de acessos. São cerca de 35 mil acessos mensais e mais de meio milhão de pageviews (número de visitas ao conteúdo do site).
Admiradores de seu ministério e leitores de seus livros estão, através desse meio, conseguindo reduzir barreiras, pois podem interagir com o escritor, que debate temas da atualidade em textos bem escritos e que seduzem até mesmo quem não é cristão.
Um dos que sempre acessa o site de Gondim é o jornalista, escritor e ex-senador da República Artur da Távola. Em sua coluna publicada no jornal O Dia, Távola declarou: “Todas as pessoas que escrevem às vezes encontram um texto que as obriga a pensar ou dizer: 'Puxa, este é o texto que gostaria de ter escrito e outro já o fez com maior precisão e brilho'. Pois deu-se comigo nesta semana: li na internet algo que me deu a vontade de ter escrito antes do autor, que depois soube ser o pastor Ricardo Gondim”.
Quem também é um dos campeões de audiência na net é o pastor Caio Fábio d’Araújo Filho. Seu site mescla vídeos, rádios e fóruns de discussão. O ambiente virtual é interativo. Uma das seções mais acessadas é a página de cartas, onde os internautas pedem conselhos sentimentais e opiniões do pastor sobre temas polêmicos – paixão, sexo, infidelidade, decepções religiosas. Quem acessa tem a sensação de estar num grande divã ou num gabinete pastoral. Isso sem contar com a possibilidade de ouvir as mensagens via Podcast e ver em Videocast.
Para Gondim, a busca por textos que edifiquem na net vem suprir a necessidade de alguns crentes, insatisfeitos com o conteúdo dos sermões, segundo ele, com nebulosas articulações políticas das lideranças e, principalmente, com a ética dos evangélicos. “Entendo que uma igreja insatisfeita busca os canais que represente seus pensamentos. A internet democratiza o conhecimento e as ‘versões oficiais’ perdem seu poder de controle”, frisa. Gondim explica que quando escreve não procura direcionar a um público específico. Ele tenta o máximo possível não reagir a seus críticos. Quem acessa seu site percebe isso. Em uma das seções, a audiência escreve cartas, algumas delas indagando sobre suas posições.
Um internauta, que o pastor da Assembléia de Deus Betesda não revela o nome, demonstrou sua insatisfação com alguns de seus textos. Gondim, pacientemente, o respondeu, defendendo seu ponto de vista. Em seu espaço, em que mistura sermões e poesias, vai conquistando empresários e jornalistas, entre outros. “Tento fazer literatura. Procuro uma teopoética que expresse com delicadeza minhas percepções do sagrado. Anseio conseguir despejar-me no texto”. O texto/blog que também reproduz mensagem de vídeo do pastor já ganhou uma versão em espanhol e, mediante o grande sucesso, deve começar a transmitir cultos online. Um programa piloto já foi realizado com êxito e grande audiência em países como os Estados Unidos, Japão e Austrália.
Por esta mesma linha editorial caminha o pastor da Igreja Batista em Água Branca, na cidade de São Paulo, Ed René Kivitz. Desde 2006, ele mantém um blog. A vantagem, segundo Kivitz, é que o blog é uma mídia acessível 24 horas por dia. O teólogo, escritor e palestrante faz alguns alertas: “A net tem por natureza textos breves, que não permitem elaboração de conceitos mais complexos”. Por conta disso, o escritor tomou uma decisão: posta textos divididos em capítulos com conceitos mais completos. Ao contrário de outros blogs, em que há uma atualização mais freqüente, Kivitz afirma que não se impõe um ritmo rígido. Com uma média de 200 acessos por dia, foi através desse blog que, segundo ele, jornalistas da Folha de São Paulo, Valor e Época fizeram contato para entrevistas.
O músico e ministro de louvor Marcos Rosa, de 33 anos, sempre acessa estes sites e muitos outros e já viu vários textos com conceitos confusos. E mais: já viu textos produzidos por pastores para a net serem usados como pregações autorais em púlpitos. Apesar desse entrave, ele afirma que costuma ponderar e observar a origem de tudo o que é lido. “Acredito que a net é um instrumento po
deroso de evangelização de alto nível de informação que tanto pode ser usada para edificar quanto para derrubar alguém”, analisa.
A pedagoga paulistana da Igreja Congregacional em Rio Claro (SP), Marta Alencar Santana, de 28 anos, também reclama. Integrante de um fórum de discussão na net, ela já percebeu a existência de cópias de textos, muitas das vezes, com autoria desconhecida. Vai além: reclama dos erros de português e a falta de atualização. “É um desleixo. Já vi sites com erros grotescos de informação. Diversos amigos já acessaram blogs pelo conteúdo sem saber que era de um evangélico. Funciona como evangelismo, mas depende da forma como é usado”.
O teólogo e pós-graduando em Análise de Sistemas e mestre e doutorando em Ciências da Religião, Lourenço Stélio Rega, concorda que cada época tem seus novos recursos para divulgar o conhecimento. Para ele, todos esses recursos devem ser utilizados como instrumentos para ampliar a popularização do conhecimento bíblico. “É claro que temos que agir sempre como os crentes de Beréia, que sempre conferiam nas Escrituras o que ouviam. Esse é um rumo de prudência, pois quanto mais gente produz conhecimento, mais possibilidade há de surgir o erro”, conta. O pastor sabe que muitos de seus artigos estão espalhados pela internet e sempre solicita que, quando utilizados, que seja publicada a fonte, o que é regra geral e conhecida de todos, mas nem sempre respeitada. “Já aconteceu até de sair textos meus em nome de outras pessoas ou até mesmo sem a citação de minha autoria. Aí, procuro solicitar a correção. Em alguns casos, tenho compromissos editoriais de copywright com editoras e, neste caso, recomendo o pedido de autorização da editora”, frisa.
O surgimento de blogs e sites cristãos contribui em muito para o crescimento e desenvolvimento espiritual de milhares de pessoas em todo o país. Esta é a opinião do pastor Renato Vargens, da Igreja Cristã da Aliança, em Niterói (RJ). Apesar disso, ele bate na tecla de que nenhuma tecnologia pode substituir a leitura da Bíblia. “A leitura de bons textos pode contribuir para a maturação e o crescimento espiritual do povo de Deus. Todavia, enfatizo que por melhor que seja o blog, nada pode substituir a leitura da própria Escritura”, defende. Renato já teve notícias de que textos do seu blog já foram usados como material didático e citados em sermões em diversas igrejas e pondera que bons sites e blogs são excelentes instrumentos de reflexão teológica.
Quem também tem o mesmo posicionamento é o professor de Teologia Histórica e Sistemática e Bacharel em História pela Universidade Federal de Brasília (UNB), Isaías Lobão. Ele próprio já debateu em sala de aula textos do blog Tempora Mores, de autoria dos pastores Augustus Nicodemos Lopes e Mauro Meister, segundo ele, um dos seus preferidos. “A fé cristã sempre produziu bons escritores e sempre incentivou bons leitores. As disputas históricas da Reforma Protestante, por exemplo, foram divulgadas através das epístolas enviadas pelos reformadores. Antes da era da internet, era comum a formação de discípulos através das epístolas”. Ele lembra a figura do grande pensador e pastor evangélico John Stott como exemplo. Existe um grupo de líderes de várias nações e denominações que recebem correspondências periódicas dele. O material visa a formação espiritual desses obreiros.
As epístolas dos novos tempos estão ajudando cristãos de diversas partes do mundo a pensar e difundir o Evangelho. Por meio desses textos, muitos têm sido convocados a viver um novo tempo em Cristo Jesus. Não bastam, porém, facilidades de acesso e proliferação de conteúdo, mas critério de escolha do que será apreendido como conhecimento.