O nível de desapego às Escrituras em nosso tempo é, lamentavelmente, crescente. Por quase todos os lados que direcionamos nossos olhos sempre observamos parte do corpo indiferente e sem nenhuma empatia pela Bíblia e seu conteúdo. Dentre as maiores causas, podemos citar a exagerada ênfase em experiências místicas que levam o pretenso crente a um patamar onde uma vida de leitura e estudo da Palavra torna-se uma questão secundária na vida cristã.
Mas essa não é a única manifestação desse desapego. Parte da classe pregadora, também, apresenta esse sintoma que é evidenciado por uma frase bem conhecida no meio: “O Espírito Santo mudou toda a pregação. Nada do que eu preparei vou falar a vocês”. Essa afirmação, que muitos entendem como um nível elevado de “intimidade”, seria inconcebível em alguns momentos da história da Igreja, sobretudo em períodos de grande avivamento onde os servos de Deus dedicavam-se por dias, semanas e até meses na elaboração de um sermão.
Ao que me parece, esse comportamento é uma tentativa de justificar uma vida espiritualmente desregrada e distante da Palavra. Ciente da própria dificuldade de entender alguns pontos (difíceis de entender, admito) das Escrituras e já desanimado com essa dificuldade, alguns tomam o caminho do improviso e fazem dele a sua ferramenta de trabalho. O problema é o resultado disso, que na maioria das vezes – afirmo com conhecimento de causa – é desastroso.
Na maioria das vezes, o responsável por essa mudança de “ultima hora” é o Espírito Santo. Sendo assim, eu fico a me perguntar: Ele prefere um pregador despreparado no púlpito? Para ele, os momentos de devoção e estudo são descartáveis? Por fim, Ele não prima pela organização e dedicação do pregador, aliada a uma sincera e real dependência às suas orientações, para entrega de uma mensagem bíblica e cristã?
Para mim – e sei que não sou o único – essas desculpas não “colam”. Abaixo, apresento três objeções para esse tipo de postura, sabendo que não são as únicas.
1. A necessidade do estudo e da meditação. Ao longo das Escrituras vemos diversas passagens que expõem a felicidade daquele que estuda, medita e retira da Palavra de Deus as instruções para vida ( Sl 1:2/ 119:2 / Mt 4:4). Sendo este o meio pelo qual crescemos no conhecimento de Deus e do seu amor, é de se estranhar que ele seja desconsiderado pelo Senhor. Diferente do que muitos pensam, há revelação e o Pai se faz ouvir nesses momentos mais do que em qualquer outro. Portanto, qualquer pregador que se preze precisa deles para obter de Deus inspiração, direção e ousadia para oferecer uma mensagem fiel às Escrituras. Ademais, Ele nos garante que se o buscarmos, o encontraremos.
A meu ver, o que muitos pregadores precisam aprender é parar de querer dar às suas experiências um valor maior ao das Escrituras e compreender que nunca poderão dar o que não tem, espiritualmente falando.
2. A pregação é o instrumento de Deus para a conversão dos pecadores (Mc 16:15) e por isso é, também, de se estranhar que Deus se valha de sermões mal elaborados e superficialmente transmitidos para chamar seus eleitos à salvação. Os grandes moveres de Deus sobre sua Igreja ocorreram justamente quando o valor das verdades bíblicas eram absolutos e únicos para a comunicação do Evangelho. Por isso, se fazia necessário que a mensagem entregue fosse acompanhada de uma sistemática e prévia preparação por parte do evangelista. Leitura de bons livros, exercício da escrita e da construção de idéias, boa dicção e articulação sempre foram muito recomendáveis e um poderoso auxílio para o pregador.
É evidente a liberdade de Deus para usar seus instrumentos e ela também se manifesta no fato dele instruí-los a um crescimento intelectual como parte da preparação. Além disso, a história e a Bíblia mostram que os que obtiveram êxito foram justamente os que mais dedicaram suas vidas a uma pregação eficiente e capaz de produzir frutos de arrependimento.
3. O pregador não é mais importante do que a mensagem. O que muitos parecem se esquecer é que tem uma nobre e enorme responsabilidade em seus ombros e fazem do púlpito um lugar de autopromoção. Sob o pretexto de uma falsa espiritualidade e querendo vender uma imagem de íntimo de Deus é que afirmam a desnecessidade de uma preparação prévia para servir o Pai com qualidade nesse trabalho.
“Porque nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado.” I Co 2:2
Há pelo menos duas sérias questões que devem ser consideradas pelo pregador. Primeiro é o teor da mensagem e segundo é o destino dela. É extremamente incoerente que a Obra de Jesus e seus efeitos na vida do pecador sejam suplantados pelas experiências pessoais do pregador e mais ainda: que Deus exija isso, como muitos ousam em afirmar. Do outro lado do púlpito há pessoas que precisam conhecer o maravilhoso plano de Deus em reconciliar consigo os pecadores em Jesus e viver a vida que ele nos fornece por meio desse plano. Se essa mensagem não é transmitida, como saberão? Quem se responsabilizará por essas pessoas que tiveram a chance de conhecer a solução para suas vidas, mas, apenas, ouviram e viram performances e mensagens humanas?
Está mais do que claro nas Escrituras a importância e a função de uma pregação bíblica e centrada na vida de Jesus para a edificação e crescimento do seu corpo. É preciso parar com esse misticismo barato pregado por alguns e depender mais da Bíblia, com vida de devoção a ela e estudo sistemático, para uma mensagem fiel e que elimine do meio da Igreja as vozes de homens, tão comum nesse tempo tão difícil como o nosso.
Eu termino este post com a recomendação de um dos maiores pregadores da história da Igreja, que dava sua vida por isso: John Wesley. Em algum momento, ele aconselhou um jovem em dificuldade ministerial. Vejamos:
“O que lhe tem prejudicado excessivamente nos últimos tempos e, temo que seja o mesmo atualmente, é a carência de leitura. Eu raramente conheci um pregador que lesse tão pouco. E talvez por negligenciar a leitura, você tenha perdido o gosto por ela. Por esta razão, o seu talento na pregação não se desenvolve. Você é apenas o mesmo há sete anos. É vigoroso, mas não profundo; há pouca variedade; não há seqüência de argumentos. Só a leitura pode suprir esta deficiência, juntamente com a meditação e a oração diária. Você engana a si mesmo, omitindo isso. Você nunca poderá ser um pregador fecundo, nem mesmo um crente completo. Vamos, comece! Estabeleça um horário para exercícios pessoais. Poderá adquirir o gosto que não tem; o que no início é tedioso, será agradável posteriormente. Quer goste ou não, leia e ore diariamente. É para sua vida; não há outro caminho; caso contrário, você será, sempre, um frívolo, medíocre e superficial pregador.”
No amor de Cristo,
Tiago Lino