Pelo relato que Paulo faz em Gálatas 2.1-10, parece que os primeiros cristãos judeus mantiveram uma consideração à lei cerimonial, conforme testemunho que se dá do próprio Ananias, a quem Paulo havia sido enviado no princípio quando se converteu, de quem se diz que era homem piedoso conforme a lei e que tinha bom testemunho dos judeus (At 22.12).
Todavia, os primeiros cristãos gentios viviam um cristianismo inteiramente independente da lei cerimonial de Moisés, conforme estavam sendo instruídos por Paulo; que um gentio não necessitava viver como um judeu para que fosse salvo, porque o povo da Nova Aliança era um povo formado tanto por judeus quanto por gentios, porque em Cristo a barreira que os separava havia caído.
Antes, os gentios não tinham a Deus e eram estranhos às suas alianças, mas pela fé em Cristo estavam também sendo adotados como filhos de Deus e aproximados dEle somente pela fé, porque as bases que regiam a Nova Aliança, conforme promessa do próprio Deus seriam inteiramente diferentes das que regiam a Antiga (Jer 31.31-34).
Contudo, como entre os gentios havia também judeus, porque estes se encontravam espalhados pelo mundo desde o cativeiro babilônico, muitos destes que se convertiam ao cristianismo se mantinham fiéis às tradições do judaísmo, portanto se revoltavam contra Paulo alegando que ele pregava um evangelho sem lei. Porém, Paulo jamais pregou contra a importância da Lei para outros propósitos, como por exemplo, nos levar ao conhecimento do pecado, e também da sua importância na nossa santificação, dentre outros usos que foram determinados para ela por Deus.
Então, havia esta tensão entre a circuncisão e a incircuncisão nos primeiros anos do cristianismo. Não pela existência de duas doutrinas diferentes, mas pela dificuldade que os judeus tinham em reconhecer que em Cristo a Lei cerimonial havia sido completamente revogada, quanto à obrigatoriedade de seu cumprimento, inclusive pelos judeus.
No período do Antigo Testamento, todo gentio que quisesse fazer parte do povo de Deus, deveria ser circuncidado e se submeter a toda a Lei de Israel, tanto civil, quanto moral e cerimonial, para que fosse aceito como um israelita. Mas, isto havia sido derrubado na Nova Aliança, ficando os gentios obrigados somente ao cumprimento da Lei moral, que é eterna e aplicável a todos os homens, de todas as épocas e lugares; embora, nem mesmo seja pela lei moral que somos salvos, mas exclusivamente pela graça de Cristo, e mediante a fé nEle.
Contudo, em sua ignorância os judeus continuavam afirmando que os gentios deviam ser circuncidados e guardarem toda a Lei de Moisés, sem o quê não poderiam ser salvos (At 15.1,5).
Porém, Paulo reafirma a falsidade deste ensino, dizendo aos Gálatas que ele havia dado o exemplo de não ter permitido que Tito, seu cooperador no ministério, não fosse circuncidado quando havia descido com ele a Jerusalém, de maneira que a verdade do evangelho que afirma que a justificação é independente das obras da Lei fosse mantida entre os gentios. O perigo não se encontrava no fato de que um gentio poderia se circuncidar ou não, porque os cristãos judeus continuavam circuncidando seus filhos. O perigo não era a circuncisão, mas o fato de crer que alguém pode ser salvo e entrar no reino dos céus por meio da circuncisão do prepúcio.
Este sim, era o grande perigo: afirmar um caminho de salvação diferente da graça mediante a fé, que sempre foi e será o caminho de salvação para qualquer pessoa, quer no passado, quer no presente, quer no futuro. O problema era exatamente este.
Por isso, Paulo se levantou com tanta veemência em defesa da verdade. Porque se a causa judaizante tivesse triunfado, muitas outras maneiras diferentes da verdade evangélica, para que os homens sejam salvos, estariam sendo pregadas pela própria igreja dos gentios. Por isso Paulo cita, que retornara a Jerusalém quatorze anos depois de ter estado ali por quinze dias com Pedro (Gál 1.18), ocasião em que se fazia acompanhar de Barnabé e Tito.
Nós vemos que ele não havia ainda se separado de Barnabé, o que ocorreria não muito depois quando desse início à sua segunda viagem missionária, depois de ter retornado de Jerusalém a Antioquia da Síria. Ele desceu a Jerusalém para defender a doutrina da justificação pela fé.
Ao se referir a Tito, que era um grego que havia se convertido ao cristianismo, e agora um pastor de pastores, porque seria a ele que Paulo encarregaria de organizar a igreja em Creta no futuro, o apóstolo quis dar um recado muito claro aos Gálatas; que eles não deveriam se deixar persuadir com a ideia de que deviam se circuncidar para serem salvos, conforme lhes haviam ensinado os judaizantes, aqueles judeus aferrados à Lei, mas sem discernimento nos assuntos relativos à salvação dos pecadores.
Porque ele, Paulo, não havia se deixado persuadir pelos argumentos daqueles que haviam se levantado contra ele em Jerusalém, de modo que a causa da justificação pela graça, mediante a fé, havia triunfado, conforme reconhecimento dos apóstolos e presbíteros da Igreja de Jerusalém, conforme se vê no parecer final que havia sido expedido pelo apóstolo Tiago, naquela ocasião em que a igreja, os apóstolos e pastores se reuniram em Jerusalém, conforme narrativa de Atos 15.
É muito importante que destaquemos, que esta ida de Paulo a Jerusalém foi em razão de uma revelação direta que recebera de Deus para proceder tal defesa da graça, conforme se vê em Gál 2.2, pois sem esta revelação ele não teria ido lá.
Ele foi, portanto em obediência à vontade do Senhor, para firmar de uma vez para sempre o ensino relativo ao modo da nossa salvação.
Paulo não condenou a circuncisão em si mesma. Nem por palavra nem por ação ele foi contra a circuncisão. Mas protestou contra a circuncisão que é feita como sendo uma condição para a salvação. Ele citou o caso dos patriarcas de Israel. Eles não foram justificados através da circuncisão. Ela era apenas um sinal e selo da justiça. Eles viam a circuncisão como uma confissão da fé deles, e nada mais.